
Aceitar o emprego informal como dom�stica, sem sal�rio m�nimo e carteira assinada, pode ser o �nico caminho para voltar � sala de aula. De olho em futuro diferente, muitas mulheres se mudam do interior para os grandes centros urbanos com a expectativa de completar o ensino m�dio e, depois, cursarem uma faculdade. Querem ser m�dicas, dentistas, contadoras e psic�logas, entre tantas outras profiss�es. Querem driblar os n�meros e fazer parte de uma minoria qualificada na categoria, al�m de buscarem novas perspectivas profissionais. Apenas 0,9% das trabalhadoras dom�sticas de Minas Gerais chegaram ao ensino superior, enquanto 37,2% t�m somente o ensino fundamental completo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) de 2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
A justificativa para esses dados, talvez, venha do fato de muitas trabalhadoras dom�sticas sa�rem da zona rural. Segundo o estudo “Situa��o social nos estados”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea), enquanto a m�dia de estudo na �rea urbana do estado � de 7,1 a 8,2 anos, na zona rural mineira a perman�ncia na escola fica em 4,7 anos. Fora isso, a taxa de analfabetismo � maior no campo. Em m�dia, 8,5% da popula��o em Minas � analfabeta. Na zona rural, o �ndice chega a 19,4%. A op��o pelo emprego dom�stico como caminho para a realiza��o do sonho de voltar a estudar e ter outra profiss�o � o tema da quinta reportagem da s�rie “Onde a lei n�o alcan�a”, que o EM publica desde domingo.
Hoje, muitas jovens que deixaram o meio rural trabalham como bab�s e empregadas, mas mant�m a vontade de fazer o curso superior. Deliane Soares Fernandes, de 17, saiu de Atoleiro, na zona rural de Bras�lia de Minas, no Norte do estado, depois de concluir o ensino m�dio. “Com a cara e a coragem” e ainda menor de idade, foi para Montes Claros, embalada pelo sonho de ser dentista. Chegou � cidade com o objetivo de arrumar emprego como dom�stica para ter moradia e comida, j� que seus pais n�o tinham como mant�-la na cidade. Queria trabalhar inicialmente como bab�, mas acabou aceitando o servi�o de empregada dom�stica.
ORGULHO
Deliane ficou tr�s meses em experi�ncia, sem carteira assinada. Com a aprova��o da Lei das Dom�sticas, a patroa anunciou que iria assinar a sua carteira de trabalho, mas por vergonha de ter o emprego registrado na carteira ela rejeitou a proposta. “Acho que isso � ruim e atrapalha a gente encontrar outro servi�o depois”, argumenta. No in�cio desta semana, acabou deixando o servi�o e retornou para a casa dos pais, em Bras�lia de Minas. “Mas s� para descansar. Em maio, serei maior de idade e volto para Montes Claros para procurar servi�o de bab� em outra casa”, afirma a jovem, que estava matriculada em um curso t�cnico de seguran�a no trabalho, do qual tamb�m acabou desistindo. “Vou voltar para fazer um curso t�cnico em sa�de bucal. Mas quero mesmo � fazer a faculdade de odontologia”, afirma a jovem.
Hoje professora, Maria Aparecida Costa, de 36, natural da zona rural de Juramento, tamb�m j� passou pela experi�ncia de trabalhar como empregada dom�stica. Com o curso superior de pedagogia, Maria agora leciona em uma escola estadual em Montes Claros, mas antes, quando ainda fazia o magist�rio, precisou do trabalho dom�stico para continuar os estudos. “O que eu ganhava mal dava para comprar um chinelo. Quando tinha algum evento n�o tinha uma cal�a jeans. Por isso, estudei. Meu pai dizia que deveria ter estudo porque ningu�m poderia tirar isso de mim”, conta.
Ao voltar formada para Juramento, Maria ainda teve de encarar o preconceito com sua antiga profiss�o ao tentar uma vaga de professora prim�ria na prefeitura. “A pessoa me disse: ‘Como vou colocar voc� para ser professora se voc� era empregada dom�stica?’”, lembra. “A gente nunca pode desistir de lutar por aquilo que a gente quer. Temos que focar em um objetivo e passar por cima de muita coisa para alcan��-lo”, garante.

Dom�stica que virou ministra
Filha de pequenos agricultores, Dela�de Miranda Arantes deixou a zona rural para viver em Pontalina, no interior de Goi�s, na adolesc�ncia, e encarar a labuta na casa de uma fam�lia, onde era respons�vel por cuidar de tudo. "Aquele tempo (quase um ano) me ajudou a compreender e a valorizar esses trabalhadores", diz. A foto dos ex-patr�es, com quem mant�m contato at� hoje, ocupa lugar de destaque em uma das prateleiras do gabinete. Eles, inclusive, prestigiaram a posse da ministra em 2011 no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao terminar o segundo grau, se mudou para Goi�nia, onde trabalhou como secret�ria e p�de iniciar o curso superior de direito pelo Centro Universit�rio de Goi�s. Antes de tomar posse no TST, atuou no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goi�s e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Outra que deixou a casa na ro�a com o sonho de cursar o ensino superior e encontrou no servi�o dom�stico uma forma de se manter na cidade foi Agna Moreira Niza, de 25. Nascida no povoado de S�o Vicente, em S�o Jo�o da Ponte, no Norte de Minas, mudou-se para Montes Claros em 2010, onde come�ou a trabalhar em um banco que oferece empr�stimos para aposentados e servidores p�blicos. No in�cio do ano passado, perdeu o emprego na institui��o financeira. Logo matriculou-se em um curso t�cnico em farm�cia e passou a trabalhar como bab�, com carteira assinada. “Foi o �nico emprego que encontrei que se adaptava com o hor�rio do meu curso, pela manh�.” Agora, ela cumpre aviso pr�vio, pois, ap�s a promulga��o da PEC das Dom�sticas, a patroa anunciou que n�o poderia mais mant�-la no emprego por falta de condi��es de renda, garantindo o pagamento de todos os seus direitos.
Agna disse que j� est� procurando outro emprego como bab� para manter aceso o sonho do curso superior. “Ainda estou em d�vida entre educa��o f�sica e servi�o social”, conta a bab�, que, quando morava na zona rural, caminhava 18 quil�metros a p� para chegar � escola. “Meus pais tiveram 11 filhos e nenhum dos irm�os avan�ou nos estudos. Por isso, encaro qualquer sacrif�cio para estudar. Quero dar orgulho para minha fam�lia”, finaliza.
Vota��o adiada
A pedido do governo, o senador Romero Juc� (PMDB-RR), relator do projeto emenda constitucional dos empregados dom�sticos, cancelou a divulga��o do texto que seria apresentado ontem e traria a �ntegra das propostas de regulamenta��o da medida. Com o adiamento da vota��o do texto pela comiss�o, fica prejudicada a inten��o do governo e do Congresso de concluir a regulamenta��o da PEC das Dom�sticas antes de 1º de maio, Dia do Trabalhador. De acordo com o presidente da comiss�o, C�ndido Vaccarezza (PT-SP), a medida deve ser votada em 15 dias. Tamb�m ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota para defender a manuten��o integral dos direitos aprovados pelo Congresso na emenda constitucional dos empregados dom�sticos. O parlamentar afirmou que n�o vai permitir que propostas que retirem os direitos j� assegurados pela emenda sejam aprovadas pelo Legislativo.