(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Juiz afastado do caso Eike diz n�o ter medo de ser preso

Budista tibetano, Fl�vio de Souza faz de dois a tr�s retiros espirituais por ano, prega uma vida simples e tem planos de se tornar monge


postado em 23/03/2015 08:31 / atualizado em 23/03/2015 08:46

Juiz federal Flavio Roberto de Souza conduzindo o Porsche Cayenne branco apreendido na casa de Eike Batista no inicio de fevereiro 2015 (foto: Rafael Moraes/Extra/Agencia O Globo )
Juiz federal Flavio Roberto de Souza conduzindo o Porsche Cayenne branco apreendido na casa de Eike Batista no inicio de fevereiro 2015 (foto: Rafael Moraes/Extra/Agencia O Globo )

Aos 52 anos, Fl�vio Roberto de Souza est� sozinho. A filha mais velha, de 25 anos, mora com ele, mas fica pouco em casa. Os outros tr�s filhos pararam de visit�-lo. �s quintas-feiras, tem a companhia da faxineira, que vai uma vez por semana arrumar o apartamento de 100 metros quadrados na Barra da Tijuca. No condom�nio, com im�veis avaliados em quase R$ 1 milh�o, h� um restaurante que entrega comida na porta. Peixe grelhado com salada verde � o pedido mais frequente. � noite, fica � ca�a de seriados gringos: Game of Thrones, Once Upon a Time, Girls. O mais novo v�cio � a s�rie americana de suspense policial Grimm: assistiu a 45 epis�dios de uma vez s�, depois que foi afastado do cargo de juiz titular da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, no in�cio de mar�o, e do caso que lhe tirou do anonimato: o processo contra o ex-bilion�rio Eike Batista.

No �ltimo dia em que acordou para ter uma rotina normal de trabalho, o juiz dirigiu por 28 quil�metros at� a sede do Tribunal de Justi�a no Centro do Rio. O caminho, naquele 24 de fevereiro, era o de sempre, mas o carro, n�o. Ele estava ao volante do Porsche Cayenne Turbo branco do empres�rio, apreendido duas semanas antes por determina��o do pr�prio juiz. Na chegada, �s 10h30, j� era aguardado por jornalistas e fot�grafos, avisados pelos advogados de Eike de que o magistrado seguia para o trabalho no Porsche blindado. O carro estava estacionado no condom�nio do juiz, assim como a Range Rover do filho do empres�rio. Os ve�culos tinham sido apreendidos numa opera��o da Pol�cia Federal para garantir o pagamento de indeniza��es caso Eike Batista fosse condenado por crimes contra o mercado financeiro e iriam a leil�o na semana seguinte.

A imagem do magistrado ao volante do carro de R$ 860 mil era inusitada n�o apenas por ser o motorista o juiz de um dos processos de maior repercuss�o no pa�s nos �ltimos tempos. Mas porque, em sua vida privada, ele adotava uma postura que em nada condizia com o que estava fazendo, segundo um desembargador colega de Souza. Budista tibetano, Fl�vio de Souza faz de dois a tr�s retiros espirituais por ano, prega uma vida simples e tem planos de se tornar monge. Medita pela manh� e �s seis da tarde diante de um altar com budas coloridos, incenso e orqu�deas brancas, num canto da sala, que em nada � luxuosa - a estante de livros est� bagun�ada e h� caixas de rem�dios espalhadas pela mesa.

De justiceiro, Souza passou a aproveitador para a opini�o p�blica. O magistrado argumentou que havia pedido autoriza��o do Detran para que os carros do empres�rio pudessem ser usados pela Justi�a Federal. E disse que levou os ve�culos para a sua garagem "para n�o deix�-los sujeito a danos no p�tio do tribunal, sob chuva, sol e poeira". O piano de cauda que decorava a sala de Eike Batista estava no apartamento de um vizinho do juiz. A repercuss�o foi imediata. Dois dias depois, a corregedora nacional, ministra Nancy Andrighi, determinou que a o magistrado fosse afastado do caso e que uma sindic�ncia fosse aberta para apurar os fatos. Na decis�o, ela disse que "n�o h� nem pode haver" possibilidade de um juiz "manter em sua posse um patrim�nio de particular".

As declara��es feitas pelos desembargadores a partir daquele momento deram ideia do clima que tomou conta do tribunal: "a situa��o � embara�osa", "sem cabimento", "mancha a imagem do Poder Judici�rio", afirmaram alguns deles antes mesmo de virem � tona as suspeitas de que Souza teria cometido crimes de peculato, fraude processual, subtra��o de autos e lavagem de dinheiro. Dos R$ 116 mil apreendidos de Eike Batista, R$ 27 mil desapareceram. Outros R$ 600 mil recolhidos do traficante espanhol Oliver Ortiz de Zarate Martin, preso em 2013, sumiram. Segundo o Minist�rio P�blico Federal, o juiz confessou � corregedoria ter desviado US$ 150 mil e 108 mil dos cofres da 3ª Vara. Os procuradores chegaram a pedir a pris�o preventiva do juiz - o que foi negado pela Justi�a.

De uma hora para outra, Fl�vio Roberto de Souza passou a evitar a imprensa, que ele costumava atender prontamente desde que assumiu o caso do empres�rio, dando declara��es que deixavam os pr�prios jornalistas surpresos. Ao Extra, ele chegou a dizer que ia "esmiu�ar a alma de Eike. Peda�o por peda�o". Em outras entrevistas, referiu-se ao empres�rio como "megaloman�aco", por ter o sonho de se tornar o homem mais rico do mundo. A postura do magistrado fez os advogados do fundador do Grupo X se armarem. Desde o ano passado, eles vinham tentando tirar Souza do caso, com a alega��o de que o juiz estava sendo parcial. Amea�aram process�-lo, mas, diante dos �ltimos acontecimentos, voltaram atr�s. "At� do cargo ele foi afastado. Isso j� � uma puni��o", diz o criminalista Ary Berger, que integra a defesa do empres�rio.

Na semana passada, o juiz quebrou o sil�ncio numa entrevista de quase duas horas, por telefone, em que s� n�o quis comentar o sumi�o do dinheiro. "N�o posso falar sobre isso. Mas posso dizer que o caso est� em segredo de Justi�a e que o que se divulgou at� agora n�o passa de especula��o". Ele deveria ter enviado sua defesa � Corregedoria at� sexta-feira. O Tribunal diz que ela n�o foi entregue, mas o advogado do magistrado, Renato Tonini, garante que protocolou a defesa. Na pr�xima quinta-feira, 26, o �rg�o decidir� se abre ou n�o um processo administrativo contra o juiz, cujas penas podem ir de advert�ncia � demiss�o. Em paralelo, est� em curso no MPF um inqu�rito que apura, entre outras coisas, a suspeita de lavagem de dinheiro.

Fl�vio Roberto de Souza n�o tem medo de ir preso. "Se isso acontecer, estou tranquilo. J� pus muita gente na cadeia. Se meu carma for esse, aceitarei tranquilamente", disse o magistrado. "N�o estarei perdendo minha liberdade, apenas terei mais espa�o para repousar minha mente." Ele defende, no entanto, que n�o h� pressuposto legal para isso.

Sobre o Porsche, o piano, o bloqueio de bens, Souza n�o acha que tenha cometido qualquer equ�voco. E, se pudesse voltar no tempo, mudaria apenas uma coisa: "faria tudo mais r�pido". Sua ideia inicial era concluir o processo e dar a senten�a num prazo de tr�s meses, mas, segundo ele, uma s�rie de "atropelos" atrasaram a tramita��o: como o fato de o Minist�rio P�blico de S�o Paulo tamb�m ter feito den�ncias contra Eike e a audi�ncia ter quer ser remarcada porque as testemunhas estavam impedidas de depor.

No dia seguinte � entrevista, o juiz quis complementar sua resposta. "Eu voltaria atr�s, sim. Pequei por excesso de zelo ao levar os carros para casa. Deveria t�-los deixado sujeitos a danos no p�tio da Justi�a", afirmou. "Acho que me expus demais nesse processo e ele acabou virando um confronto pessoal."

Trajet�ria

Esse n�o foi o primeiro confronto nem a primeira vez que Fl�vio Roberto de Souza se exp�s. Em 2007, quando trabalhava como juiz titular de uma Vara Federal no interior do Esp�rito do Santo, em Colatina, o magistrado mandou prender o ent�o secret�rio estadual de sa�de, Anselmo Tose, porque o governo n�o havia fornecido, no prazo estabelecido, o medicamento para o tratamento de c�ncer de uma menina de cinco anos. O caso repercutiu na imprensa nacional. "Foi constrangedor. Fiquei oito horas detido", lembra Tose, que s� se deu conta de que se tratava do mesmo juiz de Eike Batista depois do epis�dio com o Porsche. "T�nhamos um bom di�logo com a Justi�a e com o Minist�rio P�blico, por isso n�o entendemos a atitude arbitr�ria do juiz." Souza se orgulha em dizer que foi o primeiro do Pa�s a prender um secret�rio de sa�de e que, em poucas horas ap�s a pris�o, o medicamento foi entregue � fam�lia.

De Colatina, o juiz partiu para Cachoeiro do Itapemirim, onde diz ter vivido os piores anos de sua vida. Seus relatos sobre esse per�odo t�m um tom dram�tico e de revolta. Ele diz que come�ou a ser amea�ado depois de atuar numa investiga��o da Pol�cia Federal contra empres�rios do setor de granito na regi�o. "Eu e minha fam�lia passamos a andar com seguran�a particular e minha casa virou um bunker." Na mesma �poca, a filha mais nova caiu de um balan�o e fraturou gravemente o rosto. "Comecei a beber, virei diab�tico, hipertenso e desenvolvi uma depress�o cr�nica, al�m de ter comprometido meu f�gado."

Pessoas pr�ximas ao juiz confirmaram que sua sa�de � fr�gil. Ele est� de licen�a m�dica desde que foi afastado do caso de Eike Batista pela corregedoria mas, segundo a assessoria de imprensa do tribunal, o laudo m�dico n�o indica qualquer comprometimento de sua sa�de mental. O juiz diz que est� tomando dez comprimidos controlados por dia e que, como forma de sair da depress�o, tem se dedicado a compor. Ele j� tem algumas m�sicas escritas, est� trabalhando nos arranjos e faz planos de lan�ar um CD. "S� preciso de um produtor."

Quando era universit�rio, dava aulas de m�sica para ganhar um dinheiro. Tem viol�o, guitarra e um piano, que n�o � de cauda. Antes de estudar Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Souza cursou Comunica��o Social, com habilita��o em Cinema. Filho de uma dona de casa e de um marceneiro de Cruzeiro do Sul, no Acre, ele se mudou para a capital fluminense aos 17 anos para estudar. Seu sonho era ser jornalista, mas mudou de ideia. Morou com uma tia e depois com os pais at� se casar com uma ju�za federal, com quem teve tr�s de seus quatro filhos. Eles est�o divorciados h� cinco anos.

Depois de ser formar em Direito, Fl�vio Roberto de Souza come�ou a advogar e chegou a ser procurador do Minist�rio P�blico Federal. "Trabalhei em casos relevantes, mas estava insatisfeito. A maioria dos ju�zes n�o respondiam ao esfor�o que coloc�vamos nas investiga��es." Ele desistiu da carreira como procurador e em abril de 2001 tomou posse como juiz federal substituto.

O desembargador aposentado Paulo Barata participou da banca que o aprovou como magistrado e acompanhou a carreira de Souza at� aqui. "Dif�cil saber o que aconteceu. N�o havia nada na corregedoria contra ele antes desse fato. Nenhuma den�ncia de atos il�citos e duvidosos", afirma. Uma fonte pr�xima ao juiz que preferiu n�o se identificar contou que ele vinha tratando o processo contra Eike Batista como "o grande caso" de sua vida. "Ele acabou fazendo as coisas de forma atabalhoada, sem respeitar formalidades."

"Pra mim, era s� mais um caso", retruca o magistrado. Ainda assim ele gosta de frisar o ineditismo do processo que tinha nas m�os, e que agora est� sendo conduzido por seu substituto. "N�o havia jurisprud�ncia, seria a primeira senten�a de um crime dif�cil."

Os acionistas minorit�rios que processam Eike Batista lamentam os desdobramentos e o atraso decorrente deles. "Mas melhor descobrir agora (os problemas envolvendo o juiz) que daqui a cinco anos", avalia M�rcio Lobo, advogado que representa acionistas minorit�rios da OGX. "Parece hist�ria de novela das oito." De fato, o ex-juiz do caso acabou se mostrando um personagem t�o novelesco quanto o protagonista Eike Batista. Agora, em casa, longe da toga, e de todos, ele aguarda por sua senten�a. Colaboraram Mariana Sallowicz e Mariana Dur�o, do Rio.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)