
Serro e Ouro Preto – O tacho centen�rio, passado de gera��o para gera��o, est� vazio e encostado ao fundo das casas.
Os baldes de leite j� n�o s�o carregados com tanto entusiasmo e assumem novos usos na fazenda. A retra��o na economia afeta duramente dois exemplares da produ��o artesanal de Minas Gerais, eleitos patrim�nio imaterial. O queijo e a goiabada feitos pelas m�os de gente simples do interior mineiro sentem os efeitos da crise brasileira, tanto no processo de fabrica��o quanto nas vendas diretas. A tradicional sobremesa de sabor incompar�vel, batizada de romeu e julieta, encareceu e enfrenta, agora, dias de preocupa��o e ansiedade em conhecidos polos produtores da Regi�o Central de Minas, o Serro e S�o Bartolomeu, distrito de Ouro Preto.
Sem conseguir repassar os custos mais altos, em raz�o da infla��o elevada, 40% dos produtores do famoso queijo do Serro dever�o abandonar a atividade neste ano. Em S�o Bartolomeu, doceiros lamentam a queda superior a 80% do com�rcio da goiabada casc�o – �cone do local – e parte deles come�a a abandonar a arte. A iguaria que une o queijo e a goiabada � mesa viveu nos �ltimos anos dias de gl�ria, com vendas em alta lembradas com muito orgulho por quem permaneceu trabalhando no tacho ou no campo. O avan�o dos pre�os e o aperto do or�amento das fam�lias brasileiras, no entanto, abalaram o sonho de levar a tradi��o adiante. O doce perde espa�o na programa��o dos turistas, que reduziram compras, assim como entre os grandes revendedores. Produtores do queijo artesanal tamb�m d�o adeus �s formas, pressionados pela seca que castiga o pasto. A duras penas, nas fazendas e nas cozinhas dos doceiros, h� quem tente sobreviver � turbul�ncia na economia, para n�o abandonar a arte a que se dedicou nos �ltimos 50 anos.
Detalhada no papel, a conta n�o fecha, tirando o sono dos produtores do t�o famoso queijo do Serro. Eles recebem, por meio da cooperativa da cidade, R$ 10,50 pelo queijo de cerca de 1kg produzido, mas neste ano a situa��o financeira apertou. Os insumos ficaram cerca de 40% mais caros, a falta de chuva castigou o gado, que exige cada vez mais ra��o, e o trabalho � �rduo demais para pouco retorno. No balan�o entre despesas e ganhos, os gastos j� t�m ultrapassado os lucros. A cooperativa alega que, num momento de retra��o da economia, em que a produ��o diminuiu 30%, em m�dia, aumentar o pre�o da del�cia seria um retrocesso para a tradicional atividade.
Sem dinheiro e endividados, homens e mulheres do campo come�am a repensar a vida de dedica��o a esse patrim�nio imaterial nacional. “Temos uma d�vida de R$ 5 mil que o trabalho com o queijo n�o cobre”, lamenta a produtora Valdirene de Oliveira dos Santos. Ela diz que vai quitar o que deve, mas j� n�o tem esperan�a para o mercado da iguaria. “A nossa vida ficou cara demais, e n�o temos tido lucros. Ent�o, fica dif�cil continuar”, desabafa.
O des�nimo n�o � s� dela. De acordo com a Associa��o dos Produtores Artesanais do Queijo Serro (Apaqs), 11 munic�pios t�m identidade cultural e direito de produzir essa iguaria mineira, o que engloba cerca de 800 produtores. Em 2008, o modo de produ��o recebeu o t�tulo de patrim�nio cultural e imaterial do Brasil. Jorge Brand�o Sim�es, um dos dirigentes da Apaqs, conta que, com a seca enfrentada no ano passado, muitos produtores estocaram �gua, que acabou neste semestre. O medo, agora, � que a crise arraste 40% deles do neg�cio at� o fim do ano.
Maria �ngela Pereira Lomba, de 30, � uma das produtoras que v�o abandonar a queijaria montada na fazenda. Desde menina, ela est� no of�cio e chegou a fazer 80 pe�as diariamente. Todo dia, assim como outros produtores que se dedicam � iguaria, ela acorda �s 4h para retirar leite e passa o dia por conta da fabrica��o da del�cia. “� um trabalho que exige demais, a �nica renda que temos, mas n�o d� mais retorno”, compara.
Um dos maiores custos � o de manuten��o do gado. Maria �ngela diz que ainda neste ano sai do mercado do queijo artesanal. “N�o d� mais, j� foi o tempo em que o queijo era valorizado”, afirma. Jorge Brand�o explica o conflito que ela vive nas contas. Em linhas gerais, se a produtora vender 10 litros de leite, receber� R$ 11. Para produzir um queijo de um quilo, ela precisa de 9 litros do insumo, ou seja, o custo ser� de R$ 9,90, restando a ela R$ 1,10. “N�o d�”, diz Jorge, acrescentando que falta aux�lio ao campo, diante da restri��o e do encarecimento do cr�dito nos bancos.
A situa��o se complica no munic�pio, ante o receio dos produtores com os efeitos do encolhimento da economia em 2015. Segundo o presidente da Cooperativa dos Produtores Rurais do Serro (CooperSerro), Carlos Drumont, em mar�o deste ano, a entidade se reuniu com os seus 140 associados e apresentou o balan�o referente ao ano de 2014. “Tivemos um resultado de R$ 500 mil e foi decidido em assembleia que esse valor seria dividido para todos. As pessoas tinham medo do que o ano poderia reservar”, comenta Carlos. Os pre�os pagos aos produtores pelo queijo acabaram reduzidos de R$ 11 em 2014 para os atuais R$ 10, 50. Carlos afirma que, se houver corre��o, a produ��o perder� clientela.
ILUS�O
A Cooperativa informou que houve queda de 20% na produ��o, em decorr�ncia da seca enfrentada na regi�o. O volume ofertado pelos produtores caiu para 50 toneladas mensais. “Levamos a iguaria para grandes redes e temos um custo operacional com isso. Os pre�os da gasolina e da energia subiram”, destaca Carlos. A ra��o para o gado corresponde � metade dos custos de produ��o e, neste ano, encareceu cerca de 30%.
“A gente vive de ilus�o”, define o produtor Jo�o Magno. Ele diz que, com a seca, vem gastando mais com a compra de ra��o e o pre�o baixo do queijo n�o compensa a dedica��o necess�ria � atividade. “Sabemos que uma iguaria de um quilo � vendida na capital por cerca de R$ 30. Aqui, recebemos R$ 10. H� uma explora��o que, com a situa��o econ�mica brasileira, ficou mais intensa para n�s”, afirma.
Jo�o n�o pode pensar em abandonar a produ��o de queijo, por ser a �nica fonte de renda da sua fam�lia. Ele investiu cerca de R$ 20 mil em 2008 na queijaria que montou na fazenda, incluindo as medidas necess�rias para cumprir as normas do Instituto Mineiro de Agropecu�ria (IMA). “ Foi uma quantia muito alta e, agora, estamos sem saber o que ser� de n�s”, lamenta.