
Formatar curr�culos e enfrentar as filas nas ag�ncias de emprego ocupam boa parte do tempo de Michele Adriane Tem�teo de Souza, de 23 anos, ex-empregada de uma empresa de telemarketing de Belo Horizonte que encerrou as atividades em mar�o. Na espera por uma vaga dif�cil de ser conquistada, a rotina dela n�o difere do dia a dia de J�ssica Cristiane dos Santos Silva, de 25, formada em marketing, tamb�m � procura de uma oportunidade de voltar ao mercado de trabalho, mas, desta vez, j� disposta a aceitar um cargo de menor complexidade, como o de atendente. Michele e J�ssica batalham numa disputa cruel. Elas fazem parte do grupo de brasileiros que, hoje, mais sofre com o desemprego no Brasil.
Sem rosto na estat�stica dos 11,1 milh�es de pessoas que buscam atualmente uma ocupa��o no pa�s, mais da metade dos desempregados no Brasil � de mulheres, universo de 50,8% do total, ou seja, 5,638 milh�es de trabalhadoras, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). A luta �, da mesma forma, dura para os desempregados em duas faixas de idade que somam quase 70% dos desempregados – a de 25 a 39 anos, portanto em plena idade de trabalhar, e os jovens de 18 a 24 anos. Quando os curr�culos chegam aos departamentos de Recursos Humanos completam o perfil dos brasileiros mais sacrificados pela falta de trabalho: 38% t�m o ensino m�dio completo.

“Para onde voc� vai, h� mulheres buscando emprego. O medo � de que, com essa realidade, voltemos a ser como antigamente, com riscos de perder tudo aquilo que conquistamos”, lamenta Michele Adriane. O receio tem sentido. A taxa de desocupa��o no primeiro trimestre de 2016 no pa�s foi estimada em 9,5% para os homens e 12,7% para as mulheres. Na m�dia, o desemprego no pa�s alcan�ou 10,9%, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, referente ao primeiro trimestre do ano.
Em Minas Gerais, onde h� 1,2 milh�o de desocupados, s�o 606 mil (50,3%) mulheres jovens sem emprego e na Grande BH h� 194 mil (51,3%) desempregadas. Preocupadas por estarem engrossando as estat�sticas, elas temem um retrocesso na grande conquista feminina: a entrada para o mercado de trabalho. O Estado de Minas encontrou Michele numa ag�ncia de recrutamento da capital, enquanto ela participava de uma entrevista para o cargo de atendente, disputada por 15 mulheres.
“Passei a distribuir meu curr�culo e at� agora n�o consegui nada fixo. A disputa est� mais acirrada e os sal�rios mais baixos”, comenta Michele. Ela mora com m�e, dom�stica, que � quem paga as despesas da casa. Concorria com ela � vaga J�ssica Cristine Silva, de 25 anos, formada em marketing. Ela procura trabalho h� um m�s, depois que a empresa na qual trabalhava faliu. “Distribuo cerca de 10 curr�culos por dia e metade deles me leva a alguma entrevista”, diz J�ssica.
Por causa da dificuldade de conseguir emprego, J�ssica decidiu ampliar as �reas de busca pela ocupa��o, tentando a vaga de atendente que oferecia sal�rio mensal de R$ 900. “O maior sal�rio para vagas que j� disputei foi de R$ 3 mil, mas tudo est� muito concorrido e n�o d� mais para procurar s� na minha �rea”, lamenta. A situa��o feminina �, para a coordenadora de carreiras da escola de administra��o e neg�cios Ibmec, Cynara Bastos, um sinal preocupante. “Essa realidade � fruto de uma hist�ria antiga, em que no momento de crise elas pagam o pato”, comenta, dizendo que, como tem tido pouca ofertas de trabalho, muitas mulheres podem optar por ficar em casa cuidando dos filhos.
“Elas j� recebem menos que os homens e, diante de um desemprego e de um custo de vida mais alto, elas podem recuar’”, diz. Cynara recorda que a mulher entrou para o mercado de trabalho mais tarde, o que foi uma conquista �rdua. Segundo o IBGE, as mulheres s�o maioria (52,2%) da popula��o em idade de trabalhar. No entanto, entre as pessoas ocupadas, no primeiro trimestre de 2016, a predomin�ncia foi de homens (57,4%). Al�m disso, foi constatado tamb�m que o n�vel da ocupa��o dos homens, no Brasil, est� estimado em 65,8% e o das mulheres, em 44,6%.
Chefes de fam�lia
Apesar de a pesquisa do IBGE mostrar que o desemprego, que � generalizado, pesa mais entre aqueles com ensino m�dio completo, o sufoco tamb�m � grande para as pessoas com forma��o de n�vel superior. Que o digam as irm�s engenheiras S�lvia Coelho, de 38, e Elisa, de 27. Elas contam que na �rea em que atuam n�o h� sequer an�ncio de vagas. Elisa est� sem trabalhar desde junho do ano passado e S�lvia, que tem o filho Pedro, de 2 anos, busca uma oportunidade desde dezembro. “O setor de engenharia n�o est� contratando ningu�m, j� at� pensei em mudar de �rea. Por�m, n�o vejo que h� uma predomin�ncia feminina nesse cen�rio. Est� ruim para todos, homens e mulheres”, diz S�lvia.
O alto desemprego feminino, contudo, preocupa inclusive pelo fato de que boa parte das mulheres tem fun��o central no sustento da fam�lia. No ano passado, uma an�lise do IBGE mostrou que as brasileiras est�o tendo filhos mais tarde e se tornando chefes de fam�lia em mais domic�lios do pa�s. O levantamento englobou uma d�cada e comparou dados dos censos de 2000 e 2010. No per�odo, a propor��o de brasileiras com ao menos um filho diminuiu em todas as faixas et�rias mais jovens, o que, segundo o instituto, seria um dos reflexos do aumento da escolariza��o delas, que passaram a postergar a maternidade para continuar os estudos.
Em 2000, elas comandavam 24,9% dos 44,8 milh�es de domic�lios particulares. Em 2010, essa propor��o cresceu para 38,7% dos 57,3 milh�es de domic�lios – um aumento de 6,1 pontos percentuais. Ao analisar o tipo de composi��o familiar, as mulheres aparecem como chefes de 87,4% das fam�lias de pessoas sem c�njuge e com filhos. Com a crise pol�tica e econ�mica no Brasil que vem impactando o mercado de trabalho, elas, de fato, est�o perdendo espa�o.
Curr�culos se multiplicam nas ag�ncias
Diante da disputa acirrada de vaga pelas mulheres e n�o menos dif�cil para os homens, onde est� a resposta que eles procuram? H� muita demanda para pouca oferta, confirmam tradicionais ag�ncias de emprego na capital mineira. Segundo empresas de recrutamento de m�o de obra ouvidas pelo EM, em dois anos o n�mero de vagas ofertadas tanto para profissionais com curso superior quanto para aqueles de baixa escolaridade caiu cerca de 80%, e as poucas coloca��es que hoje existem combinam baixo sal�rio com exig�ncia de comprova��o da experi�ncia na �rea.
H� mais de 40 anos no ramo, Jos� Carlos Teixeira, diretor e fundador da Conape Recursos Humanos, diz que o Brasil tem assistido � maior crise do mercado de trabalho. “Est� realmente ruim. T�nhamos aqui, em 2014, por exemplo, cerca de 200 vagas por dia. Hoje, s�o 25”, aponta, dizendo que, dessas ofertas, grande parte � dirigida a ocupa��es em �reas operacionais. “Oportunidades para quem tem curso superior est�o raras. At� para estagi�rio a demanda est� fraca”, lamenta. Ele conta que empres�rios t�m demitido funcion�rios que ganham sal�rios melhores para contratar outros que fazem o mesmo servi�o por menos. “� a lei da sobreviv�ncia. As empresas precisam sobreviver e est�o fazendo isso”, diz.
O n�mero de curr�culos que batem � porta das ag�ncias mais que duplicou neste ano. “� tanto que n�o consigo nem ler todos”, diz Teixeira. Para Thiago Fuscaldi, um dos s�cios da empresa Gente e gest�o RH, quem contrata atualmente est� mais criterioso e selecionando mais. “O mercado mudou, tanto na parte de redu��o de vagas quanto no perfil de quem contrata”, diz. Na �ltima ter�a-feira, havia 33 vagas abertas na ag�ncia, cerca de 80% menos do que o observado em 2014, quando surgiam, por dia, 200 vagas. Ele tamb�m ressalta que a maior oferta tem sido para a �rea operacional, com destaque para as fun��es de atendente e frentista. “Com um n�mero maior de candidatos, muitos mandam curr�culos que n�o se encaixam no perfil de determinada vaga. �s vezes, de 10 curr�culos que recebo, cinco se enquadram naquilo que a empresa pediu”, afirma.
Fuscaldi destaca que os sal�rios pagos tamb�m est�o achatados. “Hoje, as vagas que oferecem sal�rio abaixo do m�nimo, ou pagam o m�nimo desde que o profissional tenha experi�ncia de dois ou tr�s anos.” Na ag�ncia, das 33 vagas dispon�veis na �ltima ter�a-feira, somente 15% eram destinadas a candidatos com forma��o de n�vel superior. Ele conta que tem aumentado a procura de pessoas que fizeram o curso superior por vagas operacionais. “As empresas n�o aceitam esses candidatos porque sabem que o trabalhador n�o vai ficar muito tempo no emprego.” A ag�ncia recebe 500 curr�culos por dia, cinco vezes mais em rela��o ao volume que recebia em 2014.
A Selpe, uma das empresas pioneiras em recrutamento em Minas Gerais, oferecia, na �ltima ter�a-feira, 23 vagas para BH e 31 cidades do interior do estado. “A oferta est� pulverizada. J� observamos que os projetos de vagas de n�vel operacional est�o menores, assim como para cursos superiores” comenta a coordenadora de recrutamento de sele��o do Grupo Selpe, Keith Lee. Ela compara que, em 2014, n�o havia m�o de obra especializada no mercado, j� que “todo mundo estava empregado”.
“Naquela �poca, o que dificultava a coloca��o de profissionais era a pretens�o salarial, que, em raz�o do aquecimento do mercado de trabalho, era alta. Os candidatos, hoje, est�o mais flex�veis, tanto que uma vaga s�nior para a engenharia, por exemplo, tem sal�rio inicial de R$ 7,5 mil, sendo que antes os interessados pediam R$ 9 mil”, analisa a coordenadora da Selpe. Keith afirma que as empresas est�o buscando pessoas mais experientes e mais dispostas a ganhar menos.