
Desde crian�a, a empreendedora Kelma Zenaide, de 44 anos, sente que tem talento para os neg�cios. Mas s� agora, depois de mais de 20 anos de experi�ncias no ramo da culin�ria, � que ela se aproximou do seu sonho e em dezembro coloca nas ruas e pra�as de Belo Horizonte o Kitutu, uma “food kombi”, onde planeja vender pratos autoriais da culin�ria africana. O projeto de Kelma tomou forma depois que a empreendedora mineira foi uma das selecionadas, entre mais de 180 candidatos de todo o Brasil, para participar do Inova Capital, programa do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID) de apoio aos empreendedores afro-brasileiros.
Pesquisa desenvolvida pelo Sebrae que avaliou dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domic�lios (PNAD) entre 2003 e 2013 mostra que programas como o Inova Capital podem ajudar a reduzir desigualdades. De acordo com o estudo, existe uma grande dist�ncia entre os donos de neg�cios negros, pardos e brancos. “H�, de fato, um abismo, resultado de muitos anos de aus�ncia de pol�ticas p�blicas para essa parcela da popula��o”, aponta o analista do Sebrae Rafael Malaquias.
Para se ter ideia, no Brasil, 52% dos donos de pequenos neg�cios s�o negros e pardos. No entanto, esses empreendedores t�m rendimento, em m�dia, duas vezes e meia menor que o dos brancos. E o n�vel de escolaridade deles tamb�m � mais baixo. Entre os empregadores, 9% s�o negros ao passo que a taxa mais que dobra entre os brancos, 22%.
O empurr�ozinho que o Kitutu recebeu foi decisivo. Fez o neg�cio tomar forma, com caracter�sticas inovadoras e boas chances de crescimento. At� ent�o, Kelma criava seus pratos e como aut�noma trabalhava em feiras e eventos, mas agora tem planos de se transformar em uma franquia.

O programa desenvolvido pelo BID tem como objetivo ajudar a reduzir desigualdades entre os empreendedores brasileiros. A iniciativa vai contar com investimentos de US$ 500 mil at� 2017, para quando est� prevista a segunda fase do programa. Ao todo, 30 empreendimentos de pequeno porte do pa�s participaram da capacita��o, que contou com a parceria da Endeavor. Al�m de aprender a planejar e gerir o neg�cio, buscar cr�dito, travar o networking, os empreendedores tamb�m tiveram aulas de orat�ria, aprenderam como apresentar seu neg�cio a investidores do mercado de capital.
“O acesso a financiamento e as capacidades de gerir um neg�cio sem d�vida persistem como importantes barreiras ao crescimento de todas as empresas. Contudo, os empreendedores afrodescendentes muitas vezes enfrentam obst�culos adicionais em decorr�ncia de arranjos discriminat�rios hist�ricos”, observa Luana Marques Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divis�o de G�nero e Diversidade do BID. Segundo a especialista, nessa primeira etapa do programa foram selecionados projetos com alto potencial de crescimento, inova��o e impacto social e ambiental.
“Hoje valorizo itens do neg�cio, como a marca por exemplo, que antes deixava em segundo plano. O Inova Capital foi muito importante para o meu neg�cio. As condi��es de acesso ao conhecimento e ao cr�dito s�o ainda mais dif�ceis para os negros”, observa Kelma.
O jornalista mineiro Anderson Gon�alves, de 35, tamb�m faz parte do grupo de 30 empreendedores que participou do Inova Capital. Ele tem uma ag�ncia de not�cias, a Valinor, e agora se prepara para migrar do patamar de microempreendedor individual (MEI) para se tornar uma microempresa. Para ele, a participa��o no programa lhe abriu novas perspectivas. “Hoje compreendo que n�o h� neg�cios de brancos ou negros. O que existem s�o neg�cios.” Segundo o empreendedor, entre os pontos mais positivos do programa est� o networking, que ampliou o seu relacionamento, ajudou a conquistar novos clientes e parcerias, assim como o estreitamento do contato com empresas que participam do seu mercado.

CR�DITO LIMITADO Em dezembro, a Kitutu deve ganhar as ruas. Al�m da gest�o do neg�cio, outra barreira enfrentada por Kelma Zenaide foi o acesso ao cr�dito. Ela teve que deixar de lado o seu projeto inicial de um food truck e migrar para uma “food kombi”, ajustando os investimentos ao capital dispon�vel. Por j� ter usado uma linha de cr�dito do banco e ter demonstrado ser uma boa pagadora, ela foi elevada a um segundo patamar. Ainda assim, os R$ 4,8 mil que conseguiu � tr�s vezes inferior aos R$ 15 mil que precisava.
“Na kombi terei pratos como o feij�o-tropeiro com temperos e torresmo especial desenvolvido por mim; o arroz de crioula, com leite de coco, dend�, camar�o e amendoim; e um de meus carros-chefes, o angu de mina, com fub� de moinho d’�gua, su� ao vinho, legumes e almeir�o”, descreve. Depois do Inova Capital, Kelma, que buscava um meio para inovar o seu neg�cio, se sente animada: “Meu projeto � transformar o Kitutu em uma franquia.”
Segundo Rafael Malaquias o Sebrae trabalha em um levantamento para montar projeto de acelera��o de neg�cios afrodescendentes, no qual haver� suporte para gest�o e ainda uma linha de cr�dito espec�fica para os empreendedores.
Vil�es
Em pesquisa realizada pelo Procon de S�o Paulo em 2010, sobre Discrimina��o Racial nas Rela��es de Consumo, 56,43% dos entrevistados reporta haver presenciado atitude discriminat�ria de cor/ra�a, no momento da compra de um produto ou na contrata��o de um servi�o. Os bancos e institui��es financeiras estavam entre os tr�s primeiros setores nos quais os consumidores mais se sentiam discriminados, depois das lojas e shopping centers.
Tr�s perguntas para Rafael Malaquias, analista do Sebrae
Quais os maiores desafios enfrentados pelo empreendedor afrodescendentes no Brasil?
Os desafios que envolvem a gest�o do neg�cio e o acesso ao cr�dito muitas vezes podem ser maiores para os afrodescendentes. A pesquisa “os donos do neg�cio”, do Sebrae com dados da PNAD, mostrou que ainda existe uma dist�ncia muito grande entre negros e brancos, embora o empreendedorismo seja um recurso utilizado pelos afrodescendentes desde a �poca do imp�rio. A aus�ncia de pol�ticas p�blicas contribuiram para manter as desigualdades.
Quais os indicadores demonstram com maior clareza essa desigualdade?
Podemos apontar a escolaridade, os rendimentos e os empregadores do neg�cio. Quando observamos a escolaridade, por exemplo, entre aqueles com o ensino fundamental incompleto 54% s�o negros e 35% brancos. Os rendimentos dos brancos s�o praticamente duas vezes e meia maiores. Entre os que ganham mais de cinco sal�rios m�nimos, por exemplo, 6% s�o negros e 19% brancos. Entre os brancos, 49% contribuem com algum tipo de previd�ncia. Entre os negros, o percentual cai para 22%
Existem projetos para atuar na redu��o da desigualdade?
O Sebrae est� trabalhando no levantamento de dados para identificar quais s�o as �reas de maior vulnerabilidade. A inten��o � desenvolver um projeto com apoio para a gest�o e tamb�m uma linha de cr�dito para os afrodescendentes.