
Depois de ter recebido cr�ticas por n�o ter conseguido detectar as transa��es financeiras fraudulentas investigadas pela Opera��o Lava-Jato, a Receita Federal decidiu endurecer as regras para negocia��o em dinheiro. Em vigor desde 1º de janeiro, a Declara��o de Opera��es Liquidadas com Moeda em Esp�cie (DME) precisa ser feita pelos contribuintes que receberem valores acima de R$ 30 mil — em real ou moeda estrangeira — em dinheiro vivo, independentemente da origem — se proveniente de presta��o de servi�os, venda ou aluguel.
Rastrear o caminho do dinheiro � o objetivo do fisco, que instituiu mais uma obriga��o fiscal para o contribuinte. Com ela, foi criada fonte adicional para o cruzamento de informa��es que a Receita faz na declara��o anual do Imposto sobre a renda (IRPF), que o contribuinte tem que entregar entre mar�o e abril. Para especialistas em tributa��o ouvidos pelo Estado de Minas, trata-se de mais uma ferramenta em cumprimento � legisla��o internacional, para tentar evitar a lavagem de dinheiro e facilitar a persegui��o das trilhas por onde escoam o dinheiro sujo, obtido de maneiras ilegais.
O alvo da obriga��o fiscal s�o contrabandistas, traficantes, corruptos e sonegadores de todo tipo. Para peg�-los, o contribuinte comum tamb�m tem de ser envolvido no cerco, como entende o fisco. As opera��es feitas fora da rede banc�ria geram informa��o obrigat�ria das institui��es financeiras, que devem tamb�m denunciar o fato ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coafi), quando ocorrer saques em dinheiro vivo em valores acima ou equivalente a R$ 50 mil, segundo o Banco Central.
Al�m disso, os bancos informam � Receita, semestralmente, o valor global movimentado pelo cliente acima de R$ 2 mil mensais, sem detalhamento. Nesse caso, � informado s� o valor financeiro. A nova regra, baixada em novembro de 2017, deixa claro que o fisco busca saber a origem, quem � o dono do dinheiro – que pode n�o ter sido declarado ao Imposto de Renda, por exemplo. Mas tal ca�a vem por via transversa, isto �, quem recebeu � quem dar� as informa��es para o Le�o poder ir atr�s da fonte.
“A Receita Federal usa informa��es de diversas fontes e vai ficando com uma base cada vez mais robusta, que pode evidenciar o que algu�m est� tentando omitir do Le�o”, avalia a especialista em contenciosos tribut�rios, Sandra Batista, membro do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
Assim, empresas ou pessoas f�sicas que se enquadrarem nessa situa��o passam, agora, a ter que preencher a DME, at� o �ltimo dia �til do m�s seguinte ao recebimento do dinheiro em esp�cie, sob pena de ser multado, pesadamente. � o mesmo prazo hoje exigido para o envio de declara��es de ganho de capital ou carn�-le�o (alugu�is, pens�o aliment�cia), mas a Receita n�o est� facilitando para o contribuinte. A DME s� poder� ser feita por via eletr�nica, e com certificado digital, regra que vale tanto para a pessoa f�sica quanto para as empresas.
Informalidade
Para Jo�o Altair Caetano do Santos, tamb�m membro do CFC, n�o h� d�vida de que o objetivo da Receita Federal � ir atr�s do dinheiro sujo. “Cruzando as informa��es de quem recebeu, vai seguir o caminho do dinheiro que n�o foi declarado e nem tributado, para saber se quem repassou tinha capacidade financeira de pagar”, explica. “Ficar� f�cil encontrar os laranjas”, aquelas pessoas de poucas posses, normalmente usadas por sonegadores para esconder grandes quantias amealhadas de forma n�o declarada �s autoridades.
No escrit�rio em Porto Velho (RO), onde trabalha, Jo�o Altair ainda n�o registrou nenhuma demanda dessa ordem. “N�o apareceu nenhum candidato, mesmo porque quem teve algum caso desses em janeiro, ter� at� o dia 28 deste m�s para enviar a DME”, informa.
O contador espera receber pedidos. “O caminho virtual para encontrar a DME e preencher � bem f�cil, simples”, esclarece. Diante a necessidade do certificado digital, segundo ele, deve levar muitos contribuintes a procurar a ajuda de um profissional para cumprir a obriga��o.
“Imagine se voc� vendeu um carro por R$ 40 mil. Recebeu R$ 5 mil em cheque pr�-datado e R$ 35 mil em dinheiro vivo. Vai ter que enviar a DME para a Receita, e os cheques ficar�o para fiscaliza��o do banco”, cita como exemplo.
� id�ntica a obriga��o de um hotel que recebeu em d�lares de um h�spede, em valor cuja cota��o do dia �til anterior ao pagamento correspondeu a mais de R$ 30 mil. Ter� que “informar o valor total da opera��o e o valor liquidado em esp�cie”, diz o fisco. O conselheiro do CFC lembra que quem recebeu informar� os dados, inclusive, do estrangeiro, “vai dizer tudo certinho como �”. Mas ele tem alguma d�vida sobre a efic�cia de todo esse procedimento. “Pode dificultar a lavagem do dinheiro sujo, sim. Mas acredito que quem est� na informalidade, vai continuar”, opina.
No caminho da sujeira
Paulo Cirilo, coordenador geral de programa��o e estudos da Subsecretaria de Fiscaliza��o da Receita Federal, confirma que o objetivo da DME � dar ao fisco mais um instrumento para tentar seguir a trilha do dinheiro ilegal e da sonega��o. Outro fator � que a ferramenta ajuda no confronto de informa��es que � feito na declara��o do imposto sobre a renda.
Ele n�o arrisca proje��es de arrecada��o, porque at� agora n�o tem sido muito f�cil para o Le�o descobrir opera��es dos corruptos de plant�o, por exemplo. H� contribuintes que declaram ter dinheiro em casa, “debaixo do colch�o”.
“A regra � para tentar pegar quem est� lavando dinheiro, por meio de quem est� recebendo, de boa f�, aqueles recursos de origem duvidosa”, diz. Ele faz quest�o de repetir que a DME ser� feita por quem est� recebendo o dinheiro vivo, n�o por quem est� pagando. � o outro lado da moeda. Porque, ao receber, a pessoa f�sica ou a empresa ter� que pedir identifica��o e repassar ao fisco os dados de quem pagou.
O auditor fiscal lembra ainda que, no momento em que faz a DME, o declarante n�o vai pagar imposto algum. “Vamos formar um hist�rico. Vamos discutir se aquele dinheiro j� tem suporte naquilo que foi oferecido � tributa��o”, diz.
Cirilo explica que o piso de R$ 30 mil para cada opera��o com dinheiro em esp�cie foi definido porque a Receita quer pegar opera��es de valores relevantes. “N�o estamos interessados em opera��es de menor valor tribut�rio, mas em transa��es significativas, que nos levar�o a ver se h� ou n�o sonega��o”, diz Cirilo.
Ele explica que muita gente informa na rela��o de bens e direitos da declara��o do Imposto de Renda, que tem dinheiro em esp�cie, em casa, fora dos bancos. “N�o tem problema nenhum ter dinheiro debaixo do colch�o, mas tem que declarar”, avisa.
Para evitar a lavagem de dinheiro e facilitar o trabalho das autoridades fiscalizadoras, a tend�ncia mundial � controlar e limitar o uso do dinheiro em esp�cie, e estimular o dinheiro de pl�stico. Cirilo conta que h� pa�ses que j� limitam valores em esp�cie que podem ser recebidos, sem identifica��o de origem, pelas empresas, por exemplo.
“H� uma preocupa��o em todo o mundo com o uso do dinheiro em esp�cie”, comenta. Segundo ele, h� no Congresso um projeto de lei propondo acabar com a circula��o de dinheiro vivo no Brasil. (AR)
Presta��o de contas
Pela Instru��o Normativa 1.761, a Receita Federal discrimina que a DME deve conter identifica��o de quem fez o pagamento (CNPJ ou CPF), c�digo do bem ou servi�o (o programa vai dispor), descri��o do bem ou direito alienado, valor, a moeda da opera��o e a data da opera��o. Se houver v�rias pessoas envolvidas, elas ter�o que ser identificadas. Em caso de erros, pode-se enviar DME retificadora, como ocorre com a declara��o de Imposto de Renda.
Se apresentada com erros, fora do prazo, incorre��es ou omiss�es, o declarante estar� sujeito a multas, que v�o desde R$ 100 por m�s de atraso para pessoas f�sicas, R$ 500 em caso de empresa cadastrada no programa tribut�rio Simples; a R$ 1.500 para as demais categorias.
O contribuinte pessoa jur�dica fica sujeito a pagar at� 3% do valor da opera��o, nunca inferior a R$ 100, se n�o entregar a DME. O fisco identificar� omiss�es ou incorre��es feitas para esconder sonega��o, e assim pode fazer den�ncia ao Minist�rio P�blico Federal para abertura de inqu�rito judicial. A institui��o disponibiliza orienta��es em seu site na internet (www.receita.fazenda.gov.br).