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Estado de Minas

'Quando meu pai chegava, era como se fosse um estranho', diz filha de lavrador

Migra��o para trabalhar em canaviais deixa novas gera��es de '�rf�os de pai vivo' no Jequitinhonha


postado em 15/04/2018 06:00 / atualizado em 15/04/2018 19:34


“Quando meu pai chegava no fim do ano, eu tinha vergonha de chegar perto dele. Era como se fosse um estranho”, conta Joelma Nunes da Silva, de 23 anos, moradora da comunidade de Muqu�m, na zona rural de Minas Novas, ao relatar como foi a (pouca) conviv�ncia dela durante toda a inf�ncia com o pai, Jos� Soares Nunes, ex-cortador de cana. Ele morreu em 2014, de c�ncer, mas, na pr�tica, pode-se dizer que ele deixou os seus 10 filhos “�rf�os” h� mais tempo. Jos� passou a maior parte do tempo longe deles, nas usinas de a��car e �lcool de S�o Paulo, onde trabalhou durante 30 anos.

O drama atinge milhares de famílias, como a de Francisca Soares da Silva, cujo marido, foi cortador de cana(foto: Solon Queiroz/Especial EM)
O drama atinge milhares de fam�lias, como a de Francisca Soares da Silva, cujo marido, foi cortador de cana (foto: Solon Queiroz/Especial EM)


“Ele s� vinha aqui praticamente para ‘fazer menino’ e depois voltava para a usina”, relata a lavradora Francisca Soares da Silva, a “dona Chiquinha”, de 54, vi�va de Jos�. “A vida aqui sempre foi muito dif�cil. Sempre tive que me virar sozinha com o marido longe”, reclama a mulher.


Joelma lembra que o pai viajava para o corte de cana em fevereiro e s� costumava retornar em dezembro. “Viver sem o pai da gente � muito ruim. Quando chegava o Dia dos Pais, a gente parabenizava nossa m�e, pois ela era pai e m�e”, afirma a jovem. Ela tamb�m recorda que a fam�lia j� passou necessidades. “Muitas vezes, quando meu pai estava fora, n�o tinha comida para todo mundo em casa. Os irm�os mais velhos ficavam sem comer para deixar para os mais novos.”


Francisca, que recebe R$ 180 do Programa Bolsa-Familia, comemora que, apesar de tanta dificuldade, hoje tem os filhos criados. Mas, num processo de heran�a para novas gera��es, os netos dela tamb�m sofrem com a mesma condi��o de serem “�rf�os de pais vivos”.


Homens da segunda gera��o da fam�lia, filhos e genros de dona Francisca, continuam saindo em busca do sustento em regi�es distantes. Na casa, a reportagem encontrou somente mulheres e crian�as pequenas, sem nenhum homem adulto.

Wilma Soares vê sua história se repetir com os filhos Lavínia e Rafael (foto: Solon Queiroz/Especial EM)
Wilma Soares v� sua hist�ria se repetir com os filhos Lav�nia e Rafael (foto: Solon Queiroz/Especial EM)

Outra filha de Francisca, Wilma Nunes Soares, de 28, recorda como foi criada sem a presen�a do pai. Seus dois filhos pequenos – Lav�nia, de 6, e Rafael, de 4 –, passam pela mesma situa��o. Conta que desde que se casou, h� seis anos, o marido dela, Gumercindo Lopes de Souza, de 31, passa a maior parte do tempo fora, no trabalho duro nas usinas. Gumercindo viajou no in�cio de mar�o para o corte de cana no Paran�. Ao partir, ele n�o teve como se despedir da mulher e do filho Rafael, pois, na ocasi�o, Wilma estava em Diamantina, acompanhando o menino, que ficou internado durante 26 dias, com leishmaniose.


A mulher conta que o menino se recuperou e fica sempre perguntando pelo pai, que s� dever� voltar para casa em outubro ou novembro. A saudade � diminu�da pelos contatos pelo  WhatsApp, feitos semanalmente. Para isso, Wilma tem que se deslocar a uma pequena distancia at� a casa da m�e, onde pega o sinal de telefonia celular, embora muito fraco, raz�o pela qual os moradores da regi�o recorrem somente ao aplicativo, sem o uso dos aparelhos para falar.

DESPEDIDA Na pequena escola municipal de Muqu�m, que tem uma �nica sala multisseriada (das s�ries iniciais ao quinto ano do ensino fundamental), a professora Nirla Sara Rodrigues, de 24, testemunha a aus�ncia da figura paterna na vida dos alunos por causa da migra��o. “Somente as m�es aparecem nas reuni�es. Nem temos comemora��o do Dia dos Pais”, observa. “Percebemos que as m�es s�o muito sobrecarregadas. Os pais fazem falta na educa��o dos filhos”, afirma a professora.

O drama atinge milhares de famílias, como a de Francisca Soares da Silva, cujo marido, foi cortador de cana(foto: Solon Queiroz/Especial EM)
O drama atinge milhares de fam�lias, como a de Francisca Soares da Silva, cujo marido, foi cortador de cana (foto: Solon Queiroz/Especial EM)

Luan Leite Borges, de 10, do quinto per�odo, � um dos alunos que se tornaram “�rf�os da cana”. No �ltimo dia 6, seu pai, o lavrador Marivaldo Borges de Souza, de 39, deixou a fam�lia e para trabalhar no corte de cana na �rea de uma usina de a��car e �lcool no interior da Bahia.


A reportagem do EM testemunhou a emo��o da despedida do canavieiro. “Eu nem queria ir para longe. A gente fica triste. Vou porque � preciso. Sabe como �, n�? A gente que � pai tem que ter compromisso com a fam�lia”, afirmou Marivaldo, que completa 17 anos seguidos de “trabalho fora”.


Al�m de Luan, ele deixou para tr�s a filha Leidiane, de 16, e a mulher, Dalva Soares Leite, de 37. S� vai retornar em outubro ou novembro e at� l� os contatos com a fam�lia ser�o poucos, por telefone. “N�o uso ‘esses neg�cios’”, disse o trabalhador, referindo-se ao WhatsApp. Os trabalhadores recebem R$ 20 da empresa contratante para o lanche durante a viagem.

ROTINA CONHECIDA Em outro ponto da zona rural de Minas Novas,  em Campinho de Cansan��o, a realidade dos “�rf�os da cana” � enfrentada na casa da lavradora Eva Nunes dos Santos, de 46. Eva tem seis filhos, dois com o primeiro marido, que trabalhava no corte de cana, j� falecido. O atual, Jos� Nunes da Silva, de 49, h� mais de 20 anos deixa a fam�lia e vai em busca do sustento na atividade canavieira. Foi o que ele fez, tamb�m no dia 6, deixando na casa Eva com os filhos mais novos do casal: Camila Gabriela, de 12, e Ramon, de 5.


“Toda vez que meu pai sai, fica muito ruim. A casa fica mais vazia”, lamenta Camila. Eva diz que j� se acostumou com a aus�ncia do marido. “Mas toda vez que ele vai, d� aquele aperto no cora��o. Entrego pra Deus. A gente fica sem saber se vai reencontrar de novo, com medo de que aconte�a alguma coisa ruim”, confessa a mulher.


Pauliano Alves dos Santos, de 27, filho de Eva com o primeiro marido, revela que seguiu o mesmo destino do pai e j� trabalhou no corte de cana em outros estados durante seis anos. “Mas o servi�o � pesado. Tive um problema no bra�o e nos �ltimos dois anos n�o consegui viajar mais. Est� muito dif�cil porque aqui na regi�o n�o consigo outro emprego”, reclamou o lavrador, que � casado e pai de um menino. (LR)


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