Glamour e decad�ncia se encontram na despedida do Othon Palace Hotel

“O Othon � um cl�ssico!”, comenta a mo�a na fila do check-in do ic�nico hotel, erguido h� quatro d�cadas na Avenida Afonso Pena, e que fechou suas portas ontem. Dita na sexta-feira ao rapaz que acompanhava a h�spede, a frase expressa o tom de surpresa que dominou as conversas sobre o Belo Horizonte Othon Palace Hotel nos �ltimos 30 dias, desde que a rede carioca anunciou o fim de suas atividades em Belo Horizonte.

A empresa n�o informou o motivo do fechamento, o que, em parte, justifica o espanto com que h�spedes e funcion�rios encararam a not�cia, no momento em que a empresa completa 40 anos de atua��o. Os n�meros apresentados pelos �ltimos demonstrativos financeiros da rede, que � de capital aberto, v�o na contram�o dos atributos de atemporalidade que caracterizam a capacidade de sobreviv�ncia dos empreendimentos cl�ssicos.

Somente no ano passado, o preju�zo acumulado pela rede Othon foi de R$ 40 milh�es. O passivo total – sobretudo em tributos – j� soma R$ 527,1 milh�es. Some-se a isso as sucessivas crises enfrentadas pelo setor hoteleiro de BH, que, segundo informa a Associa��o Brasileira da Ind�stria de Hot�is (ABIH), fechou outros 26 hot�is desde 2014.

A ABIH estima ainda que o “check-out” do Othon Palace deixa outros preju�zos a serem compartilhados com o mun�cipio: 170 funcion�rios demitidos, menos R$ 1,2 milh�o em recolhimento de tributos, al�m do impacto provocado em mais de 64 �reas da economia fomentadas pela hotelaria. A reportagem do Estado de Minas acompanhou as �ltimas e derradeiras horas de vida do tradicional hotel. Os rep�rteres Cec�lia Emiliana e Alexandre Guzanshe se hospedaram num dos 273 apartamentos do pr�dio que fez hist�ria na capital mineira. Os �ltimos cap�tulos s�o certamente mais prosaicos, divertidos e complexos que muita gente imagina.

A narrativa glamourosa com que o hotel se instalou na cidade foi a escolhida pelo p�blico na despedida do gigante charmoso da Afonso Pena, mas houve tamb�m momentos de tristeza, uma certa melancolia na despedida. O clima da recep��o do hotel na tarde de sexta j� mostrava um qu� de “�ltimo baile”.

Alheio � impiedosa crise indicada pelas planilhas financeiras da empresa, e at� mesmo � progressiva decad�ncia experimentada pelo Othon desde meados de 1996, quando a chegada do Ouro Minas Palace Hotel come�ou a apagar o brilho das cinco estrelas do Othon, o p�blico se despediu ainda curtindo a vista majestosa da cidade pelos janel�es e varandas. Houve at� casamento na despedida.

�ltima refei��o

A derradeira edi��o da tradicional feijoada servida aos s�bados no buffet do restaurante Varand�o, instalado no 25º andar, teve clima de nostalgia. Entre os clientes do dia, estava um grupo especial para a hist�ria do quarent�o, formado por 35 profissionais da hotelaria, incluindo donos de hot�is e ex-empregados do Othon Palace, que se despediram da antiga casa.

Javier Chabot, gerente nacional da rede Vert hot�is, define a rede Othon como a empresa em que aprendeu a trabalhar. Ele foi gerente do Belo Horizonte Othon Palace por 12 anos e, no s�bado, levou a mulher – a quem foi apresentado no estabelecimento – e as filhas para a feijoada de despedida. “Fico pensando como os funcion�rios v�o reagir nesta segunda-feira, quando se derem conta de que n�o t�m mais de acordar para trabalhar no Othon”, lamenta.

O momento mais triste do adeus ao pr�dio, sem d�vida, foi durante a �ltima refei��o de ontem, quando uma fornecedora da rede aproveitou o momento para agradecer publicamente aos funcion�rios do Othon, – que estavam trabalhando pela �ltima vez. Alguns gar�ons e cozinheiros choraram. M�rcio Alves, gerente-geral da hospedaria, que come�ou a trabalhar no Othon h� 37 anos como caixa de restaurante, estava visivelmente emocionado, mas segurou as l�grimas. O hotel, para quem n�o sabe, � tamb�m a casa de todas as pessoas que ocupam esse cargo.

Varandas que fizeram hist�ria

Quem nunca se hospedou no Othon, mas j� subiu ao 25º andar para tomar caf�, almo�ar ou jantar no restaurante Varand�o sabe que, h� mais de um ano, o card�pio se limita a oferecer buffet self-service trivial. Mais que a gastronomia, a visita valia para ver a cidade de um ponto privilegiado. A culin�ria sofisticada que j� serviu personalidades ilustres, como os ex-presidentes Jo�o Baptista Figueiredo e Tancredo Neves, al�m de celebridades de paladar exigente como o cantor Roberto Carlos, permaneceu enterrada no passado.

A reportagem do EM tentou recuperar da mem�ria do hotel algum gosto dos tempos antigos num papo com o chef Manuel Pinheiro, que h� mais de 36 anos comanda a cozinha do hotel. Sem sucesso. A ger�ncia geral proibiu o staff de dar informa��es sobre qualquer assunto envolvendo o Othon n�o s� a jornalistas, como a qualquer pessoa.

A roupa de cama n�o � macia, mesmo nos quartos de categoria mais luxuosa. O frigobar tem menos itens que os de alguns hot�is simples do entorno do Hipercentro de BH. Isso n�o quer dizer que a di�ria de R$ 300 cobrada na recep��o seja um desperd�cio. Ao menos uma vez na vida, valeria pagar para usufruir daquelas su�tes de espa�o impressionante, de 30 metros quadrados, em m�dia (hoje, metade disso), e ricamente decoradas em estilo art d�co – incluindo lindos biombos feitos em metal e madeira robusta.

A su�te presidencial, outrora palcos de decis�es pol�ticas que envolveram ex-presidentes, tornou-se, com o tempo, espa�o reservado �s n�pcias e ensaios fotogr�ficos de muitas noivas belo-horizontinas. L�gia Alves foi a �ltima h�spede que escolheu o espa�o e n�o foi de prop�sito. A reserva para ontem foi feita meses antes, e a coincid�ncia com a data anunciada recentemente para o fechamento do hotel quase a fez desistir do neg�cio.

“Eu e minha m�e tememos que os funcion�rios aproveitassem o �ltimo dia de trabalho para nos tratar com desleixo ou de qualquer jeito. Mas n�o nos arrependemos de ter mantido a reserva”, confessou. A hospedagem de luxo custava at� R$ 6 mil.

Caf� com desabafo

Cada vez que a reportagem do EM tentava conversar com os funcion�rios do hotel sobre a centena de demiss�es que se aproximavam, ouvia uma esp�cie de resposta padr�o.

“O hotel est� nos ajudando com a recoloca��o no mercado. Al�m disso, nossa passagem por aqui aumenta muito nossas chances de empregabilidade. O Othon � refer�ncia em treinamento para a hotelaria. Muitos funcion�rios j� est�o com vagas garantidas ao sa�rem daqui”. Dois colaboradores acabaram fazendo um desabafo no derradeiro caf� da manh�. “Dos 170 demitidos, cerca de 50 chegaram a ser absorvidos por outros hot�is. Muita gente est� sem perspectiva. Eu, inclusive”, confessou um gar�om. “‘Estamos com medo de receber as indeniza��es parceladas”, disse uma camareira.

Lembran�as

Eust�quio Pereira, de 61 anos, come�ou a trabalhar no Belo Horizonte Othon Palace antes mesmo da inaugura��o do local, em 4 de outubro de 1978, que ocorreu com pompa, circunst�ncia e a presen�a de convidados ilustres e pol�ticos como Aureliano Chaves e Newton Cardoso. O capit�o-porteiro do hotel foi contratado como mensageiro. “Eu cheguei um pouquinho antes da festa de apresenta��o do hotel � sociedade, na primeira leva de funcion�rios contratados”, conta Eust�quio.

Ap�s 40 anos de servi�os prestados, ele lamenta o encerramento das atividades do Othon. “� uma pena, mas segue a vida. Ainda tenho esperan�a de que outra empresa assuma e contrate de novo todo o pessoal. Eu quero continuar trabalhando, mas ainda n�o comecei a procurar emprego. Primeiro, vou descansar um pouco.”

A analista de Recursos Humanos Danielle Alves, que se hospedou numa das su�tes mais caras do Othon, optou pela despedida com a vista majestosa da cidade proporcionada pelas janelas do 23º andar do pr�dio. “Sempre gostei muito do Othon e quis me despedir. Assim que soube do fechamento, fiz reserva.”