
O ano mal come�ou para valer e dois grandes acontecimentos espalharam p�nico no principal centro industrial do pa�s, o ABC paulista. O primeiro, logo nos primeiros dias de 2019, surgiu com a amea�a escancarada do presidente da GM no pa�s, Carlos Zarlenga. Sem meias palavras, o executivo distribuiu um comunicado dizendo que este ser� um ano decisivo para a f�brica de S�o Caetano do Sul (SP), que est� no vermelho h� anos, apesar da lideran�a da marca.
Curiosamente, o sindicalismo � um dos fatores apontados como respons�veis pela decad�ncia da regi�o – quest�o que tamb�m tem afugentado investimentos em outras regi�es altamente industrializadas no pa�s, como Betim (MG) e Cama�ari (BA). “O sindicalismo radical e irrespons�vel ditou o ritmo da ind�stria durante d�cadas em regi�es importantes”, afirma o economista Jorge Afonso Bellido, especialista em economias regionais pela Funda��o Getulio Vargas (FGV), em S�o Paulo. “A velha ideologia do confronto de classes, que colocou patr�es e empregados frente a frente, atravancou o desenvolvimento de v�rias regi�es brasileiras e hoje mostra sua face mais cruel.”
O fechamento da f�brica da Ford em S�o Bernardo do Campo vai diminuir em R$ 18,5 milh�es a arrecada��o municipal por ano, de acordo com estimativa da prefeitura. Os cofres p�blicos da cidade v�o perder R$ 14,5 milh�es em repasse de ICMS – referente a 1,7% do total arrecadado com o imposto estadual – e R$ 4 milh�es de ISS. Mas o problema maior ser� na retra��o da m�o de obra. Pelos c�lculos do Sindicato dos Metal�rgicos, cada vaga fechada na Ford vai extinguir outras nove em empresas fornecedoras. Na ponta do l�pis, 30 mil pessoas devem ficar sem trabalho. “O efeito ser� devastador”, acrescenta Santana, do sindicato.
Os estragos ser�o percebidos em toda a economia da regi�o. O Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese) projeta uma perda de R$ 4,8 bilh�es para a economia do ABC ao ano com o fechamento da f�brica, sendo R$ 3 bilh�es do setor de caminh�es e R$ 1,8 bilh�o de autom�vel. O n�mero ainda est� sujeito a revis�es, mas s�o quase R$ 5 bilh�es que v�o deixar de serem movimentados na cidade para pagamento de sal�rios, contrata��o de servi�os e convers�o em arrecada��o para o munic�pio, segundo Lu�s Paulo Bresciani, t�cnico do Dieese.
Os estragos provocados pela desindustrializa��o cresceram como nunca nas duas �ltimas d�cadas. A guerra fiscal levou muitas empresas atr�s de incentivos no interior paulista ou mesmo em distantes lugares do pa�s, especialmente do Norte e Nordeste. O ABC paulista tamb�m assumiu a conta negativa. De janeiro de 2002 a dezembro de 2018, os avan�os registraram 88,82%, aqu�m da infla��o de 212,98% no per�odo. O PIB industrial da regi�o perdeu um ter�o da for�a que mantinha na Regi�o Metropolitana de S�o Paulo. Saiu de R$ 12 bilh�es, em 2002, para R$ 24,1 bilh�es, no ano passado. Mas, na corre��o pelo IPCA, o PIB de 2002 atingiu R$ 29,2 bilh�es. Portanto, o preju�zo bateu e m R$ 5,1 bilh�es na diferen�a entre o �ndice real e o deflacionado.
CONJUNTURA POSITIVA Apesar da nuvem de incertezas que paira sobre o ABC paulista, os indicadores econ�micos mais recentes da regi�o s�o positivos. De acordo com o Observat�rio Econ�mico da Universidade Metodista de S�o Paulo, com sede em S�o Bernardo do Campo, no acumulado entre janeiro e novembro de 2018 (�ltimo dado dispon�vel), o ABC registrou um super�vit de US$ 417,4 milh�es em sua balan�a comercial. As exporta��es, que somaram US$ 5,02 bilh�es, subiram 3%. As importa��es cresceram 23%, para US$ 4,6 bilh�es.
Houve um salto de 11,9% na corrente de com�rcio exterior, o que exp�e a sintonia entre a economia regionalizada e a internacional. “Poucas regi�es de industrializa��o mais recente, como alguns locais no interior de S�o Paulo, por exemplo, t�m conseguido se inserir em um padr�o mais flex�vel de produ��o”, afirma o professor Sandro Renato Maskio, coordenador de pesquisa do Observat�rio Econ�mico da Universidade Metodista de S�o Paulo (leia mais na entrevista abaixo).
Em 2018, a massa de renda dos trabalhadores formais do ABC subiu 2,3% comparativamente a 2017 – ou R$ 2,3 bilh�es. A renda m�dia era de R$ 3.164,79 a cada trabalhador formal, o equivalente a 6,13% acima de igual m�s de 2017. Nesse mesmo per�odo, a economia brasileira subiu 1,3%, bem inferior � expectativa inicial de 3,5%, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Entrevista

“Temos perdido a capacidade competitiva”
Existe uma decad�ncia econ�mica no ABC paulista?
O ABC tem perdido participa��o no PIB nacional e no PIB estadual desde o come�o da d�cada de 1980. Em parte pelo esfor�o do governo paulista em estimular o avan�o da ind�stria e da atividade econ�mica para o interior do estado de S�o Paulo.
Os an�ncios de Ford e GM simbolizam isso?
Enxergo os casos da GM e da Ford de forma diferente. O caso da Ford, no meu entender, est� atrelado � estrat�gia de competi��o da empresa, em especial no setor de caminh�es. A Scania est� praticamente dobrando o tamanho da unidade produtiva instalada na regi�o, ap�s fechar as opera��es nos Estados Unidos, e trouxe ao Brasil um produto para competir com os caminhos pesados, de uso urbano e dist�ncias menores, que compete diretamente com os caminh�es da Ford, assim como da Mercedes-Benz. Al�m dos caminh�es da linha superpesada tamb�m trabalhada pela Scania. A Mercedes Bens tamb�m est� realizando investimentos e ampliando as opera��es na planta no Grande ABC, trazendo novas plataformas de caminh�es para o Brasil. Este cen�rio ampliou a competi��o no segmento de caminh�es, o que exigiria um amplo investimento da Ford para competir neste mercado. Na decis�o da Ford pesou bastante a avalia��o do montante de investimentos que deveria se realizado, bem como da viabilidade do mesmo.
Mas a empresa estava no vermelho...
Claro que h� outros fatores que tamb�m impactaram na decis�o, como custos operacionais na regi�o. Os terrenos s�o caros, os impostos s�o altos e custo m�dio da m�o de obra acima de outras regi�es, como em Cama�ari, na Bahia.
E a GM?
No caso da GM, avalio que o grande determinante da decis�o, ao menos o declarado, foram os custos, o que os levou a barganhar, enquanto estrat�gias, algumas op��es que pudessem reduzir estes custos. Seja com rela��o � m�o de obra, assim como custos tribut�rios. O que tem sido negociado com a Prefeitura de S�o Caetano do Sul e com o governo do estado de S�o Paulo, assim como com os sindicatos dos trabalhadores da categoria. Em especial em momentos de desemprego elevado, com o pr�prio governo declarando que os custos tribut�rios s�o punitivos ao processo produtivo, a capacidade de barganha das grandes empresas se amplia, aumentado pela realiza��o de press�es como o anuncio da possibilidade de encerrar a s opera��es, frente a um ambiente produtivo e comercial globalizado.
Onde entra o peso da conjuntura nacional, que tamb�m sufoca o setor produtivo?
N�o s� o peso da conjuntura, mas da pr�pria op��o de a��es estruturantes da economia nacional, em especial a falta de uma pol�tica industrial eficaz. Ao menos desde meados da d�cada de 1970, apesar de algumas a��es que se tentou realizar na d�cada de 2000, mas com resultados limitados. Temos perdido a capacidade competitiva frente ao cen�rio global, o que estabelece condi��es de competi��o desfavor�vel ao nosso setor produtivo, incluindo o Grande ABC, com seus problemas pr�prios tamb�m. Algumas poucas regi�es de industrializa��o mais recente, como alguns locais no interior de S�o Paulo, por exemplo, tem conseguido se inserir em um padr�o mais flex�vel de produ��o, al�m de ter buscado criar compet�ncias tecnol�gicas e de desenvolvimento que tem possibilitado o surgimento de novas oportunidades de neg�cios.
No caso regional, um levantamento do Observat�rio da Universidade Metodista de S�o Paulo destaca sinais positivos na economia do Grande ABC. O senhor se baseia em qu�?
Enquanto se fala sobre o fechamento da Ford, poucos est�o observando a amplia��o da Scania e da Mercedes-Benz, por exemplo. Com rela��o ao caso da GM, como expus acima, a briga � por redu��o e flexibiliza��o de custos, que em parte tem origem em quest�es estruturais do Brasil. O problema do ABC n�o foi gerado agora. � um problema de longo prazo. Para remedi�-lo, tamb�m levar� muito tempo. O que � importante observar � que a din�mica competitiva � muito diferente daquela existente quando o Brasil, e o ABC, se industrializaram.
Qual � a sa�da?
� necess�rio que as regi�es criem mecanismos que ampliem suas vantagens competitivas, frente a outras regi�es. Se n�o conseguirmos reunir vantagens e compet�ncias no campo tecnol�gico, da capacidade inovativa em produtos e processo, a ponto de atrair novas oportunidades de neg�cios, tanto para as empresas aqui estabelecidas quanto para atra��o de novas empresas, a regi�o ser� pressionada a competir via pre�os. Isso representa redu��o e flexibiliza��o do custo da m�o de obra e oferta de benef�cios tribut�rios. N�o s� no ABC, mas para todo o processo de desenvolvimento da economia, precisamos compreender que a gera��o e manuten��o do emprego ocorrem a partir do crescimento econ�mico, da amplia��o da produ��o, da gera��o de riqueza. Da mesma forma, a melhora das condi��es de trabalho depende, ao longo do tempo, da melhoria da efici�ncia do processo produtivo.
O senhor acha que h� exageros nas previs�es apocal�pticas?
Acho que a situa��o � preocupante sim, mas n�o concordo com as avalia��es apocal�pticas em curto prazo. Entretanto, reconhe�o que, se n�o conseguirmos realizar uma reorienta��o eficaz ao processo de desenvolvimento da regi�o do ABC, h� o risco de continuarmos a apresentar a mesma trajet�ria desde a d�cada de 1980. Julgo ser importante o governo estadual estar atento a esta quest�o, e fornecer � regi�o do ABC o apoio que gerou ao interior do estado, e n�o estava errado ao fazer, � s� ver os resultados ben�ficos gerados.
