
S�o Paulo – O staff do Grupo Enel, maior operadora privada do setor de energia no mundo, estava reunido em Mil�o para o evento mais importante do ano, a divulga��o do Plano Estrat�gico 2020-2022, na �ltima ter�a-feira (26), quando o presidente da companhia, o italiano Francesco Starace, foi abordado por jornalistas brasileiros durante a confer�ncia de imprensa. Em pauta, um assunto que tem tirado o sono n�o apenas dos executivos da companhia no Brasil, mas tamb�m vem causando estranheza entre os investidores.
Starace interrompeu o clima festivo que predominava durante o an�ncio sobre o pacote de investimentos – previs�o de aportes da ordem de 28,7 bilh�es de euros at� 2022, equivalente a um crescimento de 11% em rela��o ao plano para o per�odo entre 2019 e 2021 – para comentar sobre a situa��o de uma de suas concession�rias, a Enel Distribui��o Goi�s, que est� sob forte press�o nos �ltimos meses, diante da amea�a do governador Ronaldo Caiado (DEM), de retomar a opera��o.
Caiado tem declarado que pretende rescindir o contrato com a Enel. Na �ltima sexta-feira (22), em entrevista a uma r�dio local, o governador afirmou que t�o logo o projeto de lei que autoriza o governo a suspender a concess�o da Enel seja aprovado na Assembleia Legislativa (Alego), a san��o ser� imediata. O projeto de lei � do presidente da Casa, Lissauer Vieira (PSB). Um projeto de decreto legislativo foi apresentado na C�mara pelo por Elias Vaz (PSB-GO), que pede que o contrato seja sustado.
Provocativo, Caiado disse, ainda, que a san��o ocorrer� em frente � sede da concession�ria de energia el�trica, durante uma manifesta��o, que ele acredita que ser� grande e para a qual o governador teria convocado a participa��o da popula��o do estado, que se sente prejudicada com os problemas relacionados � queda no fornecimento de eletricidade nos �ltimos meses.
A subsidi�ria goiana da multinacional atende a 237 munic�pios do estado, equivalente a 98,7% do territ�rio de Goi�s e cobertura de uma �rea de 336.871 quil�metros quadrados. Do total de 3 milh�es de clientes, a maior parte se concentra na Regi�o Metropolitana de Goi�nia.
Starace, da Enel, disse, em Mil�o, que n�o existe caminho legal para o governo de Goi�s suspender a concess�o da antiga Celg. O executivo garantiu que est�o sendo feitos investimentos na moderniza��o do sistema da Enel Distribuidora Goi�s. Apesar dos recursos, at� agora se passaram poucos meses desde que o grupo assumiu a opera��o, o que impede a recupera��o do neg�cio depois de anos sem investimentos.
"Recebemos a Celg em um estado muito ruim. Desde que assumimos a empresa, investimos, em m�dia, 3,5 vezes mais por ano do que era feito durante a gest�o anterior. Estamos trabalhando para resolver os problemas do sistema. Mas uma situa��o que resulta de anos de falta de investimento n�o pode ser resolvida em meses. Leva anos, infelizmente”, declarou o executivo.
Apesar da pendenga com o governo de Goi�s, Starace garante que o problema n�o influencia os planos de investimento da companhia no Brasil, para onde ser�o destinados R$ 24,4 bilh�es no per�odo entre 2020 e 2022, especialmente na produ��o de energia renov�vel. Tamb�m est� no radar do presidente da Enel a possibilidade de aquisi��es e oportunidades na �rea de distribui��o.
Caiado, por sua vez, acusa a empresa de m� qualidade na presta��o de servi�o. O pol�tico do DEM dize ter participado de 14 audi�ncias oficiais que tiveram representantes da Enel, da Ag�ncia Nacional de Energia El�trica (Aneel) e do Minist�rio das Minas e Energia (MME). A concession�ria assumiu um termo de compromisso, em agosto, garantindo que faria melhorias nas subesta��es e nos servi�os de manuten��o. Ainda assim, cerca de tr�s meses depois do acordo, os problemas continuaram, garante o governador.
LEIL�O
"A performance da Enel Goi�s subiu e j� est� dentro dos padr�es pedidos pelo regulador. Estamos focados em fazer o sistema funcionar. O governador (Caiado) tamb�m est� no papel dele, quer pressionar a companhia a ir mais longe”, ponderou Starace.
A Enel comprou a antiga Celg em novembro de 2016 e assumiu a companhia em fevereiro de 2017. Essa foi a primeira distribuidora vendida pela Eletrobras, at� ent�o respons�vel pela gest�o da empresa, com a miss�o de adequ�-la em termos de governan�a corporativa para ent�o marcar o leil�o.
Um advogado de um grande escrit�rio de S�o Paulo explicou aos Di�rios Associados, sob anonimato, que a iniciativa da Assembleia Legislativa de Goi�s e do governador Caiado n�o faz sentido do ponto de vista legal. “A distribui��o de energia el�trica � um servi�o p�blico de compet�ncia da Uni�o, segundo a Constitui��o.”
Segundo o especialista, em projetos de infraestrutura, a decis�o final sobre uma poss�vel rescis�o desse tipo de contrato de concess�o � do Minist�rio de Minas e Energia (MME), depois de cumpridos todos os tr�mites pela Aneel, que tem o papel de �rg�o fiscalizador.
A declara��o de caducidade s� � emitida depois de o �rg�o regulador enviar notifica��es � concession�ria sobre os motivos do descumprimento dos padr�es de qualidade previstos em contrato. “Precisa-se respeitar o direito de defesa e, depois do processo, pode ser emitido um parecer da Aneel para o MME, de que a concession�ria n�o cumpriu com a obriga��o prevista em contrato. A partir da�, o MME toma a decis�o”, explica. De acordo com o advogado, a lei estadual at� pode ser aprovada pela Assembleia e sancionada pelo governador, mas ser� inconstitucional.
Embora este ano o �ndice de chuvas esteja inferior ao verificado em 2018, em Goi�s, o n�mero de casos registrados de quedas no fornecimento de energia � cinco vezes maior. “S�o cidades inteiras ficando o dia todo sem energia el�trica”, reclamou o governador. Ele recorreu ao chamado “Direito Recorrente”, que consta da Constitui��o Federal, para dizer que deve atuar na busca de uma solu��o para o problema energ�tico que Goi�s enfrenta. E que, segundo ele, � “inadmiss�vel e inaceit�vel”.
SOLU��O
Apesar da inconstitucionalidade, o governador de Goi�s vem declarando que o estado tem o direito de intervir para a retomada do servi�o, por se tratar de um “estado de calamidade p�blica”. Segundo Caiado, h� falhas no servi�o de atendimento aos consumidores e no fornecimento de energia, al�m de problemas quanto a inclus�o de clientes rurais.
Em um evento no Rio de Janeiro, na noite de segunda-feira (25), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, declarou que a anula��o do contrato de concess�o da Enel � juridicamente imposs�vel. Segundo o titular da pasta, reuni�es t�m ocorrido com o governo de Goi�s e a Aneel para buscar uma solu��o.
Assim como declarou o presidente da multinacional italiana, Albuquerque lembrou que a situa��o da distribuidora se deteriorou por conta da falta de investimentos em manuten��o antes de a concess�o ser feita.
Por meio de nota, a Enel declara ter recebido a Celg-D, em fevereiro de 2017, "em situa��o prec�ria, ap�s 10 anos de falta de investimentos da gest�o estatal, o que levou a companhia a ser vendida em um processo de privatiza��o".
Desde que assumiu a gest�o da empresa, informa a nota, a Enel investiu cerca de R$ 2 bilh�es na rede el�trica de Goi�s at� setembro deste ano. O valor, segundo a companhia, � cerca de 3,5 vezes mais do que os n�veis hist�ricos aportados antes da privatiza��o.
Os recursos teriam contribu�do para a melhoria nos �ndices de qualidade medidos pela Aneel, como a redu��o da dura��o m�dia das interrup��es por cliente (DEC) de 46%, de dezembro de 2015 a setembro de 2019, enquanto o n�mero m�dio de interrup��es por cliente (FEC) melhorou, declara a distribuidora, 52%. Em setembro de 2019, o DEC alcan�ou 23,5 horas. J� o FEC, afirma a multinacional, chegou a 12,1, o que teria superado as metas contratuais para 2019, que s�o, respectivamente, de 30,33 horas e 20,22 vezes.
A Aneel, procurada pela reportagem, informou que n�o comentaria o assunto. O governador Caiado n�o tinha agenda at� o fechamento desta edi��o.

Caso � "extremamente preocupante"
Professor de administra��o do Insper e pesquisador na �rea de mercados ementeis e rela��es entre empresas privadas e setor p�blico, S�rgio Lazzarini avalia como “extremamente preocupante” o que est� ocorrendo em Goi�s.
Para o estudioso, a rea��o do governador de Goi�s se assemelha ao que se viu no passado, na �poca do governo da presidente Dilma Rousseff, que Lazzarini classifica como "interven��es grotescas”.
"Tudo que vem sendo falado n�o ajuda. Depois, n�o sabe porque o investimento n�o volta, porque o pa�s n�o cresce. � muito ruim o governador de um estado importante fazer esse tipo de amea�a”, ressalta o professor do Insper.
Lazzarini alerta para o risco de os investidores n�o reagirem bem � amea�a ao descumprimento do contrato de concess�o em Goi�s. "As pessoas que entendem como os mercados funcionam e a import�ncia das regras sabem que n�o podem dar qualquer declara��o." Para o acad�mico, em um caso como esse, o caminho � procurar a Aneel e o MME, j� que se trata de um setor regulado. “Que sejam acionados os canais competentes e as preocupa��es sejam manifestadas dentro de um esp�rito institucional, n�o populista”, analisa.
PREJUDICIAL
Para Lazzarini, situa��es como a de Goi�s acabam servindo para contaminar a percep��o dos investidores sobre o pa�s, apesar do esfor�o, segundo ele, para melhorar o clima. O professor defende que este seja um per�odo para serem dados sinais positivos, em vez de a��es e declara��es que podem prejudicar a percep��o sobre o Brasil.
“A tend�ncia � de se criar normalidade, mas atitudes assim atrapalham. Um investidor em Nova York sabe do que o Caiado est� dizendo, vai ter de contratar um consultor para entender melhor e isso leva tempo. Isso pode levar a um cont�gio, mesmo que o plano do governo de Goi�s n�o se concretize, e afetar a percep��o em rela��o ao setor p�blico de uma forma geral”, alerta.