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Estado de Minas

Cultivo de 'sempre-vivas' garante agricultura que protege a natureza

Programa criado pela FAO identifica sistemas agr�colas que preservam t�cnicas ancestrais de manejo e mant�m uma rela��o sustent�vel com a natureza. Brasil est� prestes a entrar na lista


postado em 28/02/2020 04:00 / atualizado em 28/02/2020 08:20

Sempre-vivas garantem sustento para centenas de famílias em Minas Gerais. Apanhadores de flores esperam conquistar título de patrimônio da humanidade pela FAO (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Sempre-vivas garantem sustento para centenas de fam�lias em Minas Gerais. Apanhadores de flores esperam conquistar t�tulo de patrim�nio da humanidade pela FAO (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
S�o Paulo – A Serra do Espinha�o, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, abriga 100 esp�cies de flores t�picas do cerrado. Chamadas de sempre-vivas (porque demoram para perder a colora��o mesmo depois de colhidas), elas garantem h� mais de um s�culo o sustento das comunidades locais.

A coleta de flores se d� na �poca da seca e � um grande acontecimento. Fam�lias inteiras v�o para o alto da serra e permanecem l� de tr�s a seis meses, combinando a colheita das sempre-vivas com o manejo do gado. Nesse per�odo, residem em “lapas”, como s�o chamadas as grutas de forma��o rochosa caracter�sticas da regi�o do Espinha�o.

No alto da montanha, entre uma colheita e outra, as fam�lias se unem para comemorar sua tradi��o e at� casamentos s�o celebrados (porque a serra d� sorte, segundo acreditam). Agora, os apanhadores de flores esperam conquistar um feito extraordin�rio: serem reconhecidos pela FAO, a Ag�ncia das Na��es Unidas para a Agricultura e Alimenta��o, como patrim�nios da humanidade.

Nos �ltimos 17 anos, a FAO, Ag�ncia das Na��es Unidas para a Agricultura e Alimenta��o, tem se dedicado a identificar atividades agr�colas que preservam t�cnicas ancestrais de manejo da terra e que mant�m uma rela��o sustent�vel com a natureza.

Os lugares reconhecidos com essas caracter�sticas recebem o selo GIAHS, sigla em ingl�s para Sistema Agr�cola Tradicional Globalmente Importante, e passam a ser considerados “guardi�es mundiais da biodiversidade.” De certa forma, a chancela GIAHS � a vers�o agr�cola da lista “Patrim�nio Mundial da Humanidade”, criada pela Unesco para destacar locais de grande valor hist�rico, cultural e cient�fico.

“O conceito GIAHS � mais complexo do que um local chamado de �rea protegida”, diz a FAO. “Um GIAHS � um sistema vivo e em evolu��o de comunidades humanas que, ao longo de gera��es, preservam um intrincado relacionamento com seu territ�rio. Ele � constitu�do por paisagens de impressionante beleza que combinam biodiversidade agr�cola, ecossistemas resilientes e um valioso patrim�nio cultural.”
 
 
Técnica milenar dos terraços de arroz de Honghe Hani, na China, é empregada até hoje (foto: Fao/Divulgação)
T�cnica milenar dos terra�os de arroz de Honghe Hani, na China, � empregada at� hoje (foto: Fao/Divulga��o)

Ao criar a distin��o, a FAO n�o estava interessada apenas em conceder um selo de reconhecimento. A inten��o maior � aumentar a conscientiza��o sobre a import�ncia desses sistemas agr�colas e estimular a��es capazes de preserv�-los. Segundo a FAO, eles est�o amea�a dos por uma s�rie de desafios, incluindo urbaniza��o crescente, mudan�as nas estruturas sociais e econ�micas, neglig�ncia pol�tica e falta de incentivos para a sua conserva��o. A lista da FAO, portanto, � a prova definitiva que � poss�vel conciliar produ��o agr�cola com preserva��o ambiental.

Desde 2002, quando o programa foi lan�ado, 52 locais em 21 pa�ses mereceram a honraria. Por enquanto, nenhum projeto brasileiro est� na lista – a comunidade de apanhadores de flores da Serra do Espinha�o pode ser a primeira. H� dois anos, o rigoroso comit� cient�fico da FAO avalia o sistema brasileiro, que passou por v�rias etapas seletivas que inclu�ram a an�lise de um dossi� com dados hist�ricos e a visita in loco dos especialistas das Na��es Unidas. A decis�o final dever� ser tomada at� julho de 2020.

Os sistemas escolhidos pela FAO como guardi�es da biodiversidade s�o surpreendentes.

No s�culo 15, agricultores do Vale Souf, na prov�ncia de El Oued, na Arg�lia, tiveram uma ideia engenhosa para cultivar palmeiras em pleno Saara argelino, regi�o de recursos h�dricos escassos e que frequentemente � atingida por violentas tempestades de areia.

As ra�zes s�o plantadas pr�ximas do len�ol fre�tico, em crateras de 80 a 200 cent�metros de di�metro e cinco metros de profundidade. Assim, elas t�m f�cil acesso � �gua, sem precisar de chuva ou irriga��o, e as �rvores crescem mesmo em um ambiente hostil.

Para evitar que a areia fustigue as palmeiras, elas s�o posicionadas de acordo com a dire��o e velocidade dos ventos. A t�cnica secular transformou a aridez das dunas em uma constela��o de jardins, tornando-se um marco das habilidades agr�colas humanas. Quando as plantas prosperam, animais s�o atra�dos para o lugar e, assim, nasce o que verdadeiramente pode se chamar de o�sis. Segundo o governo local, existem atualmente 9,5 mil ghouts moldando a paisagem �nica de El Oued.

A hist�ria milenar chinesa prova que a agricultura pode ser parceira da sustentabilidade.

Poucas atividades agr�colas s�o t�o tradicionais e permaneceram imunes � passagem do tempo quanto os terra�os de arroz de Honghe Hani, na prov�ncia de Yunnan, no sudoeste chin�s, quase na fronteira com o Vietn�.

Os primeiros registros do cultivo do gr�o nas montanhas locais datam de 1,3 mil anos. Desde ent�o, quase nada mudou. Os Hani, como s�o chamados os moradores da regi�o, desenvolveram um complexo sistema de canais para levar a �gua abundante das florestas que ficam no topo das montanhas para os terra�os logo abaixo.
 
 
Em pleno Deserto do Saara, agricultores plantam palmeiras no Vale Souf, na província de El Oued, na Argélia(foto: Fao/Divulgação)
Em pleno Deserto do Saara, agricultores plantam palmeiras no Vale Souf, na prov�ncia de El Oued, na Arg�lia (foto: Fao/Divulga��o)
As planta��es que ocupam a totalidade das encostas �ngremes fizeram surgir um emaranhado de recortes nas montanhas que, de acordo com a posi��o do sol e da �poca do ano, formam um conjunto de luzes e cores �nicos no mundo. Durante a Dinastia Ming (1368-1644), o Imperador deu ao povo de Hani o t�tulo de “Escultores da Montanha M�gica.”

No Ir�, t�neis subterr�neos milenares s�o um exemplo �nico da capacidade agr�cola humana.

Nenhuma atividade consome tanta �gua quanto a agricultura. Por essa raz�o, a humanidade foi obrigada a desenvolver ao longo dos s�culos t�cnicas capazes de superar as dificuldades impostas por ambientes in�spitos.

Na antiga P�rsia, atual Ir�, agricultores ancestrais criaram o Qanat, sistema de distribui��o e gest�o de �gua nascido no primeiro mil�nio antes de Cristo. O Qanat consiste na escava��o de po�os verticais que levam �gua de um local com reservas abundantes para outros mais secos. Entre os po�os, s�o escavados t�neis de liga��o, atrav�s dos quais a �gua corre pela for�a da gravidade.

Ainda hoje, quase 3 mil anos depois dos primeiros registros dos Qanats, o processo de escava��o dos t�neis � manual, feito com ferramentas simples como martelos e talhadeiras. Atualmente, essas estruturas subterr�neas est�o presentes em 34 pa�ses, a maioria deles na �sia e �frica. No Ir�, existem 40 mil Qanats ativos, que perfazem uma extens�o total de 220 mil quil�metros.

A lista da Fao tamb�m destaca o povo massai, do Qu�nia e Tanz�nia, os inventores da agricultura sustent�vel. Os massai desenvolveram um sistema pastoril que, ao longo dos s�culos, se adaptou ao escasso suprimento de �gua e � falta de disponibilidade de �reas de pastagens.

Para otimizar os recursos, combinam a combinam a cria��o de b�falos, cabras e ovelhas com o cultivo de milho e feij�o, revezando a explora��o do solo para n�o permitir que as pastagens ocupem espa�os indevidos, ou que as lavouras saturem as �reas destinadas ao animais.

Ou seja: muito antes de as grandes empresas agr�colas falarem em uso sustent�vel do solo, os massai j� faziam isso, sem jamais perceber que, de certa forma, estavam antecipando o futuro do agroneg�cio. Semin�mades, os massai s�o reconhecidos por sua �ntima conex�o com a natureza  – outra li��o que deixaram para as futuras gera��es.
 


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