
Enquanto a imagem do Brasil se deteriora diante do aumento acelerado do desmatamento na Amaz�nia, o pa�s corre o risco de ficar ainda mais isolado com o avan�o do democrata Joe Biden nas pesquisas para a corrida presidencial dos Estados Unidos contra o republicano Donald Trump, que busca a reelei��o.
Na avalia��o de especialistas ouvidos pelo Correio, uma vit�ria de Biden exigir� mudan�as na condu��o da atual pol�tica externa que, ali�s, ainda n�o tem uma estrat�gia clara. Outro ponto que for�ar� altera��es do governo Bolsonaro � na quest�o ambiental.
A preserva��o entrou na pauta das prioridades de governos europeus e da sociedade internacional, e o Brasil j� corre risco de retalia��o na conclus�o do acordo de livre com�rcio entre Mercosul e Uni�o Europeia. Maior conscientiza��o da necessidade de produtos que n�o agridem o meio ambiente est� mudando os padr�es de consumo e de investidores pelo mundo. “As certifica��es socioambientais das empresas podem ter impacto maior do que retalia��es entre governos. Entes privados e consumidores internacionais geram uma esp�cie de san��o branca que poder� fazer com que os produtos brasileiros n�o acessem determinados mercados estrat�gicos”, alerta o cientista pol�tico Leandro Consentino, professor do Insper.
Fundos de investimentos e empresas j� se mobilizaram e exigiram uma atitude mais respons�vel do governo brasileiro no campo socioambiental. Em carta aberta � sociedade, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central defenderam uma agenda ambiental e provid�ncias para zerar o desmatamento. O vice-presidente Hamilton Mour�o vem conversando com todos, e o governo publicou um decreto proibindo queimadas por 120 dias na quinta-feira.
Mas o sinal de alerta est� ligado. Enquanto Trump abandonou o Acordo de Paris, que tra�a meta de redu��o das emiss�es de carbono, amea�a deixar a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e tenta maquiar os n�meros da pandemia de covid-19, Biden sinaliza o contr�rio e ganha for�a na campanha em estados-chaves, lembram os analistas.
Semana passada, o democrata anunciou um plano de investimentos ambicioso de US$ 2 trilh�es em quatro anos, com propostas de combate �s mudan�as clim�ticas, que incluem ampliar o uso de energia limpa nos setores de transporte, de eletricidade e de constru��o civil. Em pesquisa recente divulgada por NBC News e The Wall Street Journal, Biden est� com 51% das inten��es de voto, enquanto Trump, 40%.
Para o cientista pol�tico norte-americano David Fleischer, professor em�rito da Universidade de Bras�lia (UnB), est� praticamente certa a vit�ria do democrata, porque a rejei��o ao republicano cresce enquanto ele conduz mal o enfrentamento da pandemia. “Bolsonaro e integrantes do governo est�o preocupados com o avan�o de Biden e j� estudam o que fazer. E, caso o democrata ven�a, o presidente vai ter de trocar os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Ara�jo (Rela��es Exteriores)”, destaca.
Christopher Garman, diretor para as Am�ricas do Eurasia Group, � mais cauteloso em apostar em uma vit�ria de Biden. “O sistema eleitoral dos EUA � bastante complexo e ainda n�o d� para cravar a derrota de Trump, quando ele ainda tem 40% das pretens�es de voto”, pondera o cientista pol�tico norte-americano. Contudo, ele reconhece que o Brasil j� est� pagando o custo reputacional por negligenciar as quest�es sustent�veis. “A pauta ambiental est� ganhando corpo na Europa devido �s press�es da opini�o p�blica e, com Biden mais comprometido com essa agenda, a tend�ncia � de o Brasil ficar na defensiva daqui para a frente”, avalia.
“O Brasil j� est� isolado do mundo nesse movimento crescente de preocupa��o ambiental, porque esse tema passou a pesar nas avalia��es das empresas, mexe com o pre�o das a��es, e empresas europeias e norte-americanas j� est�o fazendo”, frisa a economista e especialista em rela��es internacionais Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas (Ibre-FGV). Ela destaca que, ap�s as cr�ticas, o governo tenta sinalizar mudan�as, mas, ainda, n�o h� garantias. “Meio ambiente � um fator que est� pesando na competitividade das empresas, e acionistas est�o mais preocupados com a quest�o da responsabilidade socioambiental. � um ativo importante, porque as mudan�as clim�ticas mexem com o ecossistema mundial, e o peso disso est� muito claro. N�o � toa, est� havendo rea��es de investidores, empres�rios e ex-ministros em rela��o ao aumento das queimadas no pa�s.”
Na opini�o do ex-embaixador e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, o cen�rio de vit�ria de Biden “parece bem realista, at� prov�vel”, mas, tudo pode acontecer nesses quatro meses. Ele foi um dos 17 ex-ministros que assinaram a carta aberta � sociedade defendendo uma agenda mais respons�vel do ponto de vista socioambiental.
“O problema n�o � o Brasil ficar isolado, mas o governo Bolsonaro. Isso se d� porque, em vez de manter a linha de uma pol�tica externa que reflete os interesses nacionais permanentes do pa�s, o atual governo abra�ou um tipo de diplomacia na qual o crit�rio definidor � a afinidade ideol�gica entre governos, n�o os interesses permanentes dos pa�ses”, destaca Ricupero. Segundo ele, a dificuldade de Bolsonaro ser� maior com o Partido Democrata caso Biden ven�a.
O ex-ministro recorda a carta recente do Congresso opondo-se a qualquer acordo comercial com o Brasil. “Mais recentemente, uma deputada prop�s emenda � lei sobre ajuda externa, proibindo, especificamente, qualquer coopera��o militar com nosso pa�s. Como se v�, antes mesmo de uma eventual vit�ria democrata, os problemas concretos j� come�aram. N�o se trata, portanto, de uma hip�tese futura, mas de uma realidade presente”, afirma Ricupero.
Torcida
Na quinta-feira, em transmiss�o nas redes sociais, Bolsonaro disse que torce pela reelei��o de Trump e disse que, em caso de derrota do republicano, tentar� aprofundar as rela��es comerciais com os americanos.
De acordo com o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, � importante esse tipo de sinaliza��o, porque a diplomacia institucional entre os governos deve prevalecer acima de prefer�ncias ideol�gicas. “A rela��o pessoal n�o tem nada a ver com a as rela��es institucionais entre dois pa�ses. Os EUA tomaram uma s�rie de medidas restritivas em rela��o ao Brasil, apesar do bom relacionamento entre Trump e Bolsonaro”, ressalta.
Barbosa lembra que, apesar de os EUA serem um dos maiores parceiros comerciais brasileiros, o Brasil n�o est� entre as prioridades de Washington, porque “n�o tem representa��o econ�mica expressiva”.
Vale lembrar que Biden tem hist�rico de ser um bom apaziguador com o Brasil. Durante a crise de espionagem da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013, o ent�o vice de Barack Obama foi escalado para resolver o problema e aparar as arestas entre os dois pa�ses.