Com flexibiliza��o da quarentena, desemprego bate novo recorde
Fechamento de empresas na pandemia pressionou a taxa de desocupa��o a 14,4%, pior resultado desde 2012; agora, trabalhadores voltam a buscar vagas. S�o 13,8 milh�es na fila no trimestre encerrado em agosto
"Preciso de um emprego para ajudar minha m�e e estou orando para conseguir"
Alice da Cruz Rodrigues, estudante, de 17 anos
O desemprego no Brasil chegou ao seu pior n�vel dos �ltimos nove anos. O pa�s convive com 13,8 milh�es de pessoas procurando trabalho, representadas numa taxa recorde de desocupa��o de 14,4% no trimestre encerrado em agosto, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, divulgada nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
� a maior propor��o j� verificada no hist�rico do levantamento, iniciado em 2012. Na compara��o com o mesmo per�odo de junho a agosto de 2019, houve aumento de 2,6 pontos percentuais. Em Minas Gerais, a taxa estimada pelo IBGE para agosto � de 12,3%, correspondendo a 1,260 milh�o de desempregados.
Especialistas em mercado de trabalho consideram que o novo recorde de desempregados no Brasil est� associado � flexibiliza��o do isolamento social que o pa�s adotou para conter a prolifera��o do novo coronav�rus, ao fechamento de empresas durante a pandemia e � proximidade do t�rmino, anunciado para dezembro pelo governo federal, do aux�lio emergencial.
O Brasil j� havia registrado taxa recorde de desemprego, de 12,9%, no trimestre de maio a julho. No �ltimo trimestre fechado em agosto pela Pnad Cont�nua, foram perdidos 4,3 milh�es de empregos, sob o impacto da crise da sa�de e da economia, com o Brasil entrando em recess�o no segundo trimestre do ano, e embora o governo aposte na retomada do crescimento neste segundo semestre.
A analista do IBGE Adriana Beringuy destacou, ao apresentar os dados, que o aumento da desocupa��o no trimestre m�vel de junho a agosto se deve ao n�mero maior de pessoas procurando trabalho, � medida que o pa�s gradualmente come�a a abandonar as medidas de confinamento adotadas para conter o avan�o da COVID-19. “No meio do ano, havia um isolamento maior, com maiores restri��es no com�rcio, e muitas pessoas tinham parado de procurar trabalho por causa desse contexto. Agora, percebemos um maior movimento no mercado de trabalho em rela��o ao trimestre m�vel encerrado em maio”, explica.
A queda da taxa de participa��o, que saiu no trimestre m�vel de mar�o a maio de 56,8% e chegou a 54,7% no trimestre encerrado em agosto, levanta outras raz�es para o aumento na taxa de desemprego. � o que aponta M�rio Rodarte, economista e professor de economia e demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A taxa de desemprego subiu, mas eu me permito discordar de certos analistas que dizem que ocorreria aumento de pessoas procurando trabalho pela redu��o do n�vel de isolamento. A taxa de pessoas na for�a de trabalho caiu, ent�o est� diminuindo a quantidade de pessoas procurando trabalho tamb�m”, disse o especialista.
O n�vel de ocupa��o foi de 46,8%, tamb�m o mais baixo da s�rie hist�rica, com queda de 2,7 pontos percentuais ante o trimestre anterior (49,5%), quando, pela primeira vez na hist�ria da pesquisa, o �ndice ficou abaixo de 50%. No mesmo per�odo, o n�mero de empregados com carteira assinada caiu 6,5%, chegando a 29,1 milh�es de pessoas, o menor contingente da s�rie. Trata-se de retra��o de 2 milh�es de pessoas com carteira assinada.
"Tentei por v�rios sites que divulgam vagas e n�o consigo. Est� muito dif�cil"
La�s de Sousa Alves Dias, auxiliar de escrit�rio, desempregada
SEM MELHORA
Na an�lise setorial da pesquisa por setor de atividade econ�mica, houve retra��o do n�vel de ocupa��o em quase todos as �reas. “Talvez o setor p�blico, por estar menos afeito a essas mudan�as de humores do mercado (financeiro), manteve-se. Mas houve redu��o muito acentuada no n�mero de trabalhadores com carteira”, destaca Rodarte. A popula��o ocupada da ind�stria caiu 3,9%, perdendo 427 mil trabalhadores, enquanto com�rcio, repara��o de ve�culos automotores e motocicletas tiveram retra��o de 4,7%, ou menos 754 mil pessoas.
“Tivemos tamb�m retra��o da categoria de empregadores em 10%. Pode ser fal�ncia de empresas ou fechamento”, analisa o professor da UFMG. “Uma queda tamb�m dos trabalhadores por conta pr�pria, em especial sem CNPJ, que deve ser de muitos trabalhadores que trabalham para o p�blico”, acrescenta Rodarte.
O especialista ressalta ainda a queda da massa de rendimentos do trabalho na an�lise anual dos dados da Pnad Cont�nua, com retra��o de 5,7%, segundo sua an�lise. “Isso � indicativo de que a economia anda numa espiral de decrescimento”, comenta M�rio Rodarte.
As �ltimas proje��es do governo federal indicam para 2020 contra��o de 4,7% da produ��o de bens e servi�os medida pelo Produto Interno Bruto (PIB) e crescimento de 3,2% em 2021. O Fundo Monet�rio Internacional (FMI) estima retra��o do PIB da Am�rica Latina e do Caribe de 8,1% neste ano. “Infelizmente, na minha an�lise, n�o estou conseguindo ver cen�rio de melhora”, lamenta o economista.
"A pandemia fez muita coisa fechar. N�o sei como ser� meu futuro"
Gabriel de Menezes Oliveira, estudante em est�gio, 25 anos
DURA REALIDADE
Indicadores do mercado de trabalho no Brasil
Taxa de desocupa��o
Jun/jul/ago de 201911,8%
Mar/abr/mai de 202012,9%
Jun/jul/ago de 202014,4%
Desempregados
Jun/jul/ago de 201912,565 milh�es
Mar/abr/mai de 202012,710 milh�es
Jun/jul/ago de 202013,794 milh�es
Empregados
Jun/jul/ago de 201962,796 milh�es
Mar/abr/mai de 202057,608 milh�es
Jun/jul/ago de 202054,293 milh�es
Trabalhadores com carteira no setor privado
Jun/jul/ago de 202029,067 milh�es
Trabalhadores sem carteira no setor privado
Jun/jul/ago de 20208,755 milh�es
Trabalhadores por conta pr�pria
Jun/jul/ago de 202021,521 milh�es
Trabalhadores dom�sticos
Jun/jul/ago de 20204,559 milh�es
Empregados no setor p�blico
Jun/jul/ago de 202011,912 milh�es
Fonte: IBGE
Jovens s�o os mais sacrificados
A dificuldade das pessoas na busca por trabalho se agrava com a falta de oportunidades de recoloc��o. Houve dispensa de muitos trabalhadores por causa das incertezas impostas pela pandemia da COVID-19. O economista M�rio Rodarte, professor da UFMG, acredita que, para os mais rec�m-chegados ao mercado de trabalho, a tend�ncia � ainda mais sombria. “Os jovens, em especial, s�o geralmente os mais afetados nesses per�odos de crise”, afirmou.
Em Belo Horizonte, n�o � dif�cil encontr�-los nas ruas, com carteira de trabalho e curr�culo nas m�os, em busca de conquistar as poucas vagas dispon�veis. A estudante Alice da Cruz Rodrigues, de 17 anos, est� h� dois meses procurando emprego, j� que a m�e tamb�m ficou desempregada durante a pandemia. “L� em casa somos eu, minha m�e e meus dois irm�os mais novos. Ent�o, tenho que trabalhar para o nosso sustento. Preciso de um emprego para ajudar minha m�e a comprar as coisas e estou orando para conseguir ainda este ano”, disse.
A crise econ�mica tamb�m afetou La�s de Sousa Alves Dias, de 21. Ela trabalhava como auxiliar de escrit�rio em um consult�rio oftalmol�gico e se lembra de quando foi demitida, em 28 de mar�o. “Dispensaram muitas pessoas por causa do coronav�rus porque o paciente ficava muito pr�ximo da gente, ent�o era perigoso”, conta.
Hoje, ela mora com o marido, que tamb�m est� sem trabalho. Com isso, a dificuldade s� aumenta para manter a casa e o curso de administra��o. “Tentei por v�rios sites que divulgam as vagas e n�o consigo. � muito complicado porque o emprego n�o � s� aprendizado. Trabalhar � uma forma de sobreviv�ncia. Se n�o trabalho, n�o tenho como pagar as contas. Est� bastante dif�cil”, lamenta La�s.
Na contram�o da estat�stica e com uma pitada de esperan�a, Gabriel de Menezes Oliveira, de 25, conseguiu est�gio na semana passada. Estudante de biblioteconomia na UFMG, ele estava desempregado desde 2016. “Fiquei muito feliz por conseguir esta oportunidade porque complementa a minha renda e me deixa mais tranquilo”, disse o jovem, repleto de incertezas com a previs�o de formatura para 2021. “Vou me formar ano que vem e tenho muito medo de n�o conseguir emprego porque estamos em um momento ruim para todo mundo. A pandemia fez muita coisa fechar. N�o sei como ser� meu futuro”, comenta Gabriel.