
Coloca a panela no fog�o, acende, p�e um fio de �leo e quebra um ovo. Este se tornou o novo h�bito di�rio da aposentada Maria Jos� de Ara�jo, de 73 anos, e de milhares de brasileiros nos �ltimos meses na hora de preparar as refei��es.
Com o agravamento da crise financeira causada pela pandemia do coronav�rus e as constantes altas do pre�o da carne, aliados � perda da renda e do emprego, o ovo tornou-se a principal fonte de prote�nas de muitas fam�lias.
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"Eu sempre comprava costela, bife ou frango. Mas hoje bife � para rico. Aqui em casa, nem pensar. Quando compro alguma coisa diferente, � coxa e sobrecoxa. At� o p� do frango est� caro", afirmou Maria Jos�, que mora com o marido e a filha na Brasil�ndia, zona norte de S�o Paulo.
Um estudo do grupo de pesquisas Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy (Comida por Justi�a: Poder, Pol�tica e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia, em tradu��o livre), da Universidade Livre de Berlim, apontou que o ovo foi o alimento que teve maior aumento no consumo dos brasileiros durante a pandemia: 18,8%.
Na avalia��o dos pesquisadores, esse crescimento no consumo de ovos aponta para uma clara substitui��o no consumo de carne, que teve redu��o de 44%.
O n�mero de pessoas que disse ter comido mais carne, entre novembro e dezembro de 2020, foi de apenas 3,2%.
'Olha o ovo!'

O vendedor de ovos Leonardo Carlos Ribeiro Cabral, de 37 anos, sentiu essa mudan�a. Suas vendas dispararam.
Antes da pandemia, ele vendia cerca de 1,5 mil a 2 mil caixas de ovos por m�s. "Hoje, eu vendo 4 mil", disse.
Tr�s vezes por semana, ele percorre os 70 km que separam a Freguesia do �, na zona norte de S�o Paulo, e a cidade de Mairinque, para buscar ovos.
Cabral entrou nesse mercado h� seis anos como ambulante, vendendo cartelas de porta em porta e anunciando o produto por meio de um alto-falante, em uma Kombi.
Mas a perda de renda e a fome durante a pandemia fizeram o neg�cio de Cabral prosperar. Hoje, ele tem tr�s funcion�rios que vendem o alimento em carros nas ruas.
"A gente mudou da �gua para o vinho. Eu tinha duas peruas velhas que usava para vender ovos. Hoje, comprei uma van, comprei um carro novo e estou construindo quatro casas para investimento porque n�o sei at� quando vai durar essas vendas", afirmou.
Cabral contou que percebeu uma mudan�a no perfil de seus clientes no �ltimo ano.
"Antes, as pessoas de classe m�dia n�o compravam. Hoje, elas s�o as que mais compram, principalmente quando a Prefeitura fecha os com�rcios e as pessoas n�o podem sair de casa. Se eu soubesse que vender ovo seria t�o bom, hoje eu teria um galinheiro", afirmou sorrindo.
Ele cita um de seus clientes, que compra ovos para revender: um taxista que deixou de fazer corridas e encheu o carro com o produto para comercializar na zona norte da capital paulista.
Agnaldo Machado dos Santos, de 34 anos, tem hist�ria parecida. Ele trabalhava como motorista de aplicativo, mas foi alertado por um amigo sobre o aquecimento do mercado de venda de ovos e agora usa o carro para vender o produto na rua.
"Eu encho o porta-malas com caixas de ovos, abro em um lugar com grande movimento e fico ali com uma placa por uns 20 minutos. Depois vou mudando de lugar ao longo do dia. Chego a ganhar 50% a mais do que fazendo corridas", contou Santos.
Inseguran�a alimentar cresce na pandemia
O economista Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social, afirmou que a queda na renda provocada pela pandemia agrava uma tend�ncia crescente de inseguran�a alimentar que o Brasil atravessa nos �ltimos anos.
A Food for Justice apontou que, em abril de 2021, 59,4% dos domic�lios do pa�s se encontravam em situa��o de inseguran�a alimentar. Isso ocorre quando uma fam�lia diz ter preocupa��o com a falta de alimentos em casa ou j� enfrenta dificuldades para conseguir fazer todas as refei��es.
De acordo com o estudo da Food for Justice, os mais altos percentuais de inseguran�a alimentar s�o registrados em fam�lias com apenas uma fonte de renda (66,3%). Isso se acentua ainda mais quando essa respons�vel � uma mulher (73,8%) ou uma pessoa parda (67,8%) ou preta (66,8%).
Uma pesquisa feita pelo Data Favela, uma parceria entre Instituto Locomotiva e a Central �nica das Favelas (Cufa), em fevereiro, apontou que, entre os 16 milh�es de brasileiros que moram em favelas, 67% tiveram de cortar itens b�sicos do or�amento com o fim do aux�lio emergencial, como comida e material de limpeza.
Outros 68% afirmaram que, nos 15 dias anteriores � pesquisa, em ao menos um dia faltou dinheiro para comprar comida. Oito em cada dez fam�lias disseram que, se n�o tivessem recebido doa��es, n�o teriam condi��es de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas b�sicas durante os meses de pandemia.

Consumo de carne caiu ao menor patamar da hist�ria
A crise fez o consumo de carne no Brasil chegar ao menor patamar em 25 anos, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), desde o in�cio da s�rie hist�rica, em 1996.
Hoje, cada brasileiro consome, em m�dia, 26,4 kg de carne por ano. Isso significa uma queda de quase 14% na compara��o com 2019, um ano antes da pandemia. A queda em rela��o a 2020 � de 4%, segundo o Conab.
Economistas apontam que, com a alta do d�lar, os produtores preferem vender a carne para outros pa�ses, como a China, que paga em d�lares.
Mas nem o ovo escapou ileso da crise. De acordo com o �ndice de Pre�os ao Consumidor da Funda��o Get�lio Vargas, no �ltimo ano, seu pre�o teve uma alta acumulada de 11,45%, enquanto a infla��o do consumidor foi de 6,35%.
"Se o ovo n�o tivesse ficado mais caro, eu estaria vendendo ainda mais", disse Leonardo Cabral.
O pre�o da sua caixa de ovos, com 30 unidades, passou de R$ 10 para R$ 15, um aumento de 50%.
A aposentada Maria de Ara�jo conta que, onde ela mora, o ovo encareceu bastante tamb�m. A cartela com uma d�zia, que custava R$ 8, hoje sai por R$ 13.
"Se continuar assim, at� ovo vai ser dif�cil comprar", afirmou � BBC News Brasil.

'Sa�da � aumentar a renda', aponta economista
O economista Marcelo Neri, da FGV, diz que a procura maior pelo ovo causou essa subida repentina do pre�o.
"O aumento do pre�o das commodities e a varia��o cambial causaram uma alta nos alimentos", afirmou o professor da FGV.
Isso faz com que as fam�lias procurem por prote�nas que tenham um custo mais baixo. Mas Neri pondera que o mercado deve se ajustar e os pre�os devem diminuir, seguindo tend�ncias hist�ricas.
"O aumento das commodities � uma boa not�cia para a macroeconomia brasileira, mas ruim para o consumidor. A not�cia boa � que esse aumento n�o veio para ficar. O pre�o das commodities flutua, e eu diria que isso n�o � um choque permanente", afirmou Neri.
Mas o economista ressalta que h� uma tend�ncia de piora da inseguran�a alimentar desde 2014. Um fen�meno, segundo ele, ligado ao aumento da desigualdade e pobreza.
Neri explica que o aux�lio emergencial ajudou a reduzir esse problema, mas que parte desse benef�cio foi anulado pelo encarecimento dos alimentos.
Para o economista, a melhor solu��o hoje para amenizar o impacto na alta dos pre�os � investir na melhoria de renda da popula��o e aguardar para que os valores voltem a patamares pelo menos mais pr�ximos dos anteriores.
"As outras alternativas, como o controle de pre�os, n�o s�o boas. A gente j� experimentou isso no passado e viu que causa escassez porque as pessoas consomem e gera uma corrida que n�o chega a lugar nenhum. Temos que pensar em pol�ticas estruturais e de melhora de renda da popula��o", afirmou Neri.
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