
Se em Caet�, antiga Vila Nova da Rainha, as bordadeiras querem ver o of�cio centen�rio reconhecido como patrim�nio imaterial do munic�pio, em Barra Longa, na Zona da Mata do estado, o t�tulo enche a popula��o de 5 mil habitantes de orgulho desde 2005. “Representa um resgate da nossa cultura”, diz Ana Maria Pereira, presidente da Associa��o Barra-longuense de Bordadeiras e Artes�os.

Nesta mat�ria, a terceira da s�rie "Reinven��o das nossas tradi��es", que o Estado de Minas publica desde domingo, asrtes�s mostram que palavra e obra t�m relev�ncia para quem entende do riscado. “Bordado deve ser escrito com letra mai�scula e sempre visto como patrim�nio imaterial, pois � a cultura do saber, do fazer”, ressalta Maria do Carmo Guimar�es Pereira, fundadora e diretora do Maria Arte e Of�cio, em Belo Horizonte, espa�o de refer�ncia e de ensino da atividade que remonta, no pa�s, aos tempos coloniais.
Em plena campanha para instala��o do Memorial do Bordado, na capital, que ser� mantido pela Associa��o pela Prote��o da Arte do Bordado (Apab), Maria do Carmo vai expor 9 mil pe�as, ao lado de moldes centen�rios, projeto que foi atropelado pela pandemia e ter� sede no Bairro Cruzeiro, na Regi�o Centro-Sul de BH. “Estamos catalogando pe�a por pe�a, e as informa��es v�o alimentar um banco de dados”, adianta Maria do Carmo, que tem participado de lives para falar dos bordados.
Encontros Em Minas, os fios da cultura se entrela�am e tecem a atividade de beleza, encantamento e for�a artesanal impressa em toalhas, bolsas, capas de almofada, panos de copa, enxoval completo e in�meros outros produtos. � ver para curtir cada cent�metro de criatividade e crer na reinven��o do of�cio. “Da noite para o dia, tivemos que aprender a ‘mexer’ com a internet, com a plataforma Zoom, enfim, aprender as novas tecnologias”, conta, bem-humorada, a pedagoga aposentada e apaixonada pelo of�cio dos bordados L�da das Gra�as Costa Ferreira, de Caet�.
Dona de um ateli� e integrante da rec�m-criada Associa��o das Bordadeiras e Artes�os de Caet� – Historiarte, que re�ne 12 mulheres, L�da fala sobre o desafio e a reinven��o positiva em quase um ano e meio de pandemia: “Devido ao isolamento social, fomos obrigadas a manter os encontros pelo modo virtual, cada uma em sua casa. No in�cio n�o foi f�cil, mas nos acostumamos. Afinal, � fundamental trocar informa��es, acompanhar o risco dos bordados, dar palpites.”
Com o ateli� fechado desde mar�o de 2020 e vendendo para quem bate na sua porta, L�da sabe que, em certas situa��es, fazer do lim�o uma limonada se torna a melhor sa�da. E puxa daqui, espreme dali, o grupo de bordadeiras conseguiu progressos, embora com as dificuldades impostas pela quarentena. “N�o vendemos, mas nos organizamos”, contou ela, ao lado das colegas de of�cio Helo�sa Helena Urias Pinto C�ndido e Karina Aparecida Gomes – o trio se reuniu de forma especial no ateli� localizado na Avenida Dr. Jo�o Pinheiro, perto do Centro Hist�rico de Caet�.

Flores campestres
Entusiasmada, a bordadeira Helo�sa Helena mostra a nova cole��o inspirada em flores nativas da regi�o, muitas delas encontradas ao longo dos caminhos da Serra da Piedade, na beira de chafarizes e outros cantos da cidade: cosmos, flor do guaruj� e camar�. “S�o plantas que nascem sem ser semeadas pela m�o humana. As sementes s�o levadas pelo vento e as flores brotam. Essa � a ess�ncia da cole��o: a espontaneidade da cria��o.”A variedade dos produtos e a delicadeza dos bordados livres enchem os olhos: do vaiv�m da linha sobre o linho e da agulha que mergulha no algod�o brotam os pontos cheio, atr�s e ajour, corrente, n� franc�s, matiz e outros. Do grupo, que re�ne mulheres dos 23 aos 80 anos, a maioria na faixa dos 50, Karina Aparecida � das mais jovens, aprendeu a bordar com a m�e, Wanda Lima C�ndida Gomes, e sentiu a dificuldade da perda de renda durante a pandemia.
“Fiz muitas m�scaras e agora estou vendendo o artesanato pela internet, sempre confiante na associa��o para fortalecer o trabalho”, afirma. Os homens, se quiserem, ser�o bem-vindos, convidam as associadas, tanto que deixaram a palavra artes�os no nome para facilitar o ingresso da ala masculina.
Um estado criativo
As m�os talentosas puxam as linhas do tempo e da vida – nos tempos pr�-pand�micos, as bordadeiras de Caet�, na Grande Belo Horizonte, se reuniam para fazer seus trabalhos sem desprezar a companhia dos bolos, biscoitos e caf� bem quentinho e contar hist�rias. E n�o veem a hora de retomar as atividades presenciais com muito gosto.
Em outros cantos de Minas, a atividade ganha terreno nas casas ou em associa��es, com grupos reconhecidos em Turmalina, Berilo e Veredinha, no Vale do Jequitinhonha; Tiradentes, na Regi�o do Campo das Vertentes, e Ipanema, no Vale do Rio Doce. A pesquisa mais recente, de 2014, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) mostra que a atividade gera emprego e renda em 4.243 munic�pios do pa�s ou 76% do total.
Com dedicados artes�os e artes�s em todos os estados, os bordados t�m Sergipe como polo n�mero um, seguindo, empatados, Minas Gerais e Goi�s. Dos 853 munic�pios mineiros, 714 t�m registros de desenvolvimento do bordado, representando 83,7% do estado. O artesanato da renda, em particular, est� disseminado em 44 cidades de Minas, o que eleva essa m�dia mineira a 88,9% dos munic�pios. No estudo anterior, de 2012, a atividade estava presente em 81,5% das cidades mineiras. (GW)
De Barra Longa para a passarela
Com 5 mil habitantes, Barra Longa, na Zona da Mata mineira, n�o tem estat�stica sobre o n�mero de pessoas dedicadas aos bordados. “Toda casa tem um pessoa. Os homens tamb�m bordam, mas s�o mais t�midos. Acho que bordam escondidos”, brinca a presidente da Associa��o Barra-longuense de Bordadeiras e Artes�o, Ana Maria Pereira. Com seu jeito bem mineiro, ela diz que a pandemia “deu um couro” em todo mundo, principalmente nos moradores de Barra Longa, na Bacia do Rio Doce, que ainda nem sequer se recuperaram da trag�dia provocada em novembro de 2015 pelo rompimento da Barragem da Mina do Fund�o, da Samarco, na localidade de Bento Rodrigues, em Mariana, na Regi�o Central de Minas. “Barra Longa ficou coberta de lama”, recorda-se.
Sem se deixar abater, as 20 integrantes da associa��o esbanjam criatividade e chamaram a aten��o do estilista Ronaldo Fraga, que usou os bordados em desfile no S�o Paulo Fashion Week. “Foi muito bom, nos ajudou muito, deu visibilidade e fortaleceu nosso trabalho, que � diferenciado”. O ‘diferenciado” significa tradi��o e talento para mostrar a beleza dos bordados, que, conforme os estudos, come�aram na regi�o com duas fam�lias portuguesas vindas da Ilha da Madeira na �poca da coloniza��o.
A exemplo de Ana Maria, Ros�ngela Maria Trindade, de 65, conhecida como Zanja, tem paix�o pelo que faz. Funcion�ria p�blica aposentada, vi�va, com tr�s filhos e cinco netos, a bordadeira considera o of�cio uma terapia. “Al�m de gostoso de fazer, ajuda na renda de muitas fam�lias”, revela Ros�ngela, que aprendeu a trabalhar com vizinhas e amigas, ainda muito jovem, e se esmera no pontos richilieu e matiz. Para complementar, as bordeiras enfeitam os trabalhos com renda e croch�. (GW)