
O Brasil viver�, nas pr�ximas d�cadas, secas cada vez mais prolongadas, temperaturas mais altas e extremos clim�ticos que ter�o um profundo impacto na forma como sobrevivemos e produzimos energia e comida.
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E a responsabilidade disso recai sobre o avan�o do desmatamento, aliado �s (e potencializado pelas) mudan�as clim�ticas no mundo inteiro.
A avalia��o � do cientista do clima Carlos Nobre, que j� foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coordena o Instituto Nacional de Tecnologia para Mudan�as Clim�ticas e � um dos principais especialistas do tema no Brasil.
Nobre conversou com a BBC News Brasil para comentar os dados rec�m-divulgados pela organiza��o MapBiomas, que mostram que a superf�cie de �rea com �gua no Brasil ficou 15% menor desde o in�cio dos anos 1990 - esses 3,1 milh�es de hectares perdidos equivalem a uma vez e meia � superf�cie de �gua de todo o Nordeste.
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A maior perda (absoluta e proporcional) de superf�cie de �gua na s�rie hist�rica analisada pelo MapBiomas ocorreu no Mato Grosso do Sul, com uma redu��o de 57%.
Enquanto isso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais identificou que os focos de inc�ndio neste ano at� agora cresceram, em rela��o ao mesmo per�odo no ano passado, na Mata Atl�ntica, no Cerrado e na Caatinga - neste �ltimo, o aumento foi mais de 100%.
Na Amaz�nia, o Instituto Imazon aponta que o acumulado do desmatamento na floresta nos �ltimos 12 meses at� julho atingiu a pior marca dos �ltimos dez anos.
Todos esses dados est�o interligados: quanto mais avan�a o desmatamento - em conjunto com o aumento das temperaturas globais -, menores ficam as temporadas de chuva no Brasil.

"H� estudos que mostram claramente que as chuvas est�o diminuindo em �reas altamente desmatadas, e as esta��es secas est�o mais longas", explica Nobre.
"No sul da Amaz�nia, as secas j� est�o de tr�s a quatro semanas mais longas, com menos chuvas e temperaturas cerca de 3°C mais altas."
O grande problema � que, em �reas desmatadas, perde-se a capacidade de reciclar �gua, o que intensifica as secas. "H� menos vegeta��o e ra�zes para absorver a �gua, transpir�-la e jog�-la de volta � atmosfera", diz o cientista.
Portanto, quanto mais inc�ndios e florestas derrubadas, mais seco e quente o clima ficar� no curto e no longo prazo.
Embora ainda n�o seja poss�vel saber se esses efeitos ser�o permanentes, a secura do clima vivida neste momento em grande parte do Brasil - parte de uma tend�ncia j� observada nos �ltimos anos - � uma esp�cie de "fotografia do que ser� o clima do Brasil no futuro", observa Nobre.
No "melhor dos cen�rios", diz ele, a redu��o das chuvas ser� de 10%.
"Mesmo que consigamos manter o m�ximo de aumento da temperatura (global) em 1,5°C, que � o plano mais ambicioso da Conven��o das Mudan�as Clim�ticas (o chamado Acordo de Paris), devemos estar preparados para uma esta��o de chuvas mais curta e uma esta��o de secas mais longa na maior parte do Brasil."
Os impactos disso foram observados pelo coordenador do MapBiomas �gua, Carlos Souza Jr.
"As evid�ncias vindas do campo j� indicam que as pessoas j� come�aram a sentir o impacto negativo com o aumento de queimadas, impacto na produ��o de alimentos, e na produ��o de energia, e at� mesmo com o racionamento de �gua em grandes centros urbanos", afirmou Souza no comunicado emitido pela organiza��o.
Semi-deserto no Nordeste e savana na Amaz�nia
As regi�es do Brasil a serem mais afetadas pelas secas prolongadas ser�o o Norte, o Centro-Oeste e o Nordeste, segundo Nobre.
No Nordeste, caso a temperatura global continue aumentando, o perigo � "mais de 50% da regi�o virar um semi-deserto", em vez do semi�rido atual, explica o cientista.
O alerta j� havia sido dado, no in�cio de agosto, pelo relat�rio mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC na sigla em ingl�s):
"O Nordeste brasileiro � a �rea seca mais densamente povoada do mundo e � recorrentemente afetado por extremos clim�ticos", destacou o texto.
O impacto ser� direto na vida de ao menos 10 milh�es de pessoas que vivem atualmente na agricultura e pecu�ria nordestinas. Isso porque um Nordeste semi-des�rtico "n�o ter� agricultura como se pratica hoje. Poderia haver s� um pouco de agricultura � beira do rio S�o Francisco, mas mesmo a vaz�o do S�o Francisco vai diminuir, afetando tamb�m o potencial de gera��o de energia el�trica", diz Nobre.
� um exemplo da crise h�drica vivida em todo o Brasil e que j� impacta a produ��o de energia pelas hidrel�tricas do pa�s, leva a aumento nos custos das contas de luz pagas pelos consumidores e for�a o uso de usinas termel�tricas - que, por sua vez, s�o mais poluentes e contribuem para mais emiss�o de gases do efeito estufa.
Enquanto isso, na Amaz�nia, o perigo identificado por pesquisadores como Carlos Nobre � com o iminente risco de a regi�o virar uma savana - perdendo, portanto, as caracter�sticas �nicas de uma floresta tropical.

"V�rios estudos mostram que se continuarmos a desmatar, vamos passar do que chamamos de ponto de n�o retorno - um ponto irrevers�vel de savaniza��o", diz Nobre. Esp�cies animais e vegetais �nicas do Brasil ser�o perdidas no processo. "Antes, v�amos uma mega-seca a cada 20 anos na Amaz�nia; agora s�o duas secas por d�cada."
Em julho, um estudo publicado na revista Nature, que teve participa��o do Inpe, apontou que, por conta do desmatamento e das queimadas, a Amaz�nia j� est� emitindo mais CO2 do que consegue absorver.
"Precisamos zerar o desmatamento a jato (rapidamente), em poucos anos, no que talvez seja o maior desafio que o Brasil pode enfrentar", opina Nobre.
Sa�de humana e agricultura
Se sentimos (literalmente) no corpo os efeitos do clima mais seco na sa�de, a produ��o agr�cola tamb�m vai viver os impactos da escassez de �gua, explica Nobre.
"(Produ��o de) gr�os, pecu�ria - toda essa estrutura que s�o importantes elementos econ�micos (do Brasil) j� est� sendo prejudicada pelo aumento dos extremos clim�ticos", afirma.

"Por mais que empresas de pesquisas, universidades e Embrapa (ag�ncia de pesquisas agr�colas) tentem desenvolver variedades de gr�os mais adaptadas a secas prolongadas e a temperaturas mais elevadas, o clima est� ganhando a guerra. A agricultura tem que se preparar para isso", prossegue.
"E temos que torcer para (o aumento global da) temperatura n�o passar de 1,5°C, porque se n�s continuarmos com este ritmo de emiss�es e n�o tivermos sucesso em zer�-las at� 2050, na segunda metade do s�culo, o Brasil tropical deixar� de ser uma pot�ncia agr�cola - ficar� muito quente e seco e inapropriado para esse tipo de agricultura", prossegue.
Ele cita como exemplo a queda na produtividade da soja na regi�o conhecida como Matopiba (que re�ne Maranh�o, Tocantins, Piau� e Bahia) em decorr�ncia do ar mais quente que tem sido soprado da Amaz�nia.
Boletim de julho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontou efeitos mistos da crise h�drica no m�s passado: de um lado, prejudicou a irriga��o de lavouras; de outro, ajudou na matura��o das safras de milho e algod�o.
Eventos clim�ticos extremos
E se no centro e no norte do Brasil as chuvas ficar�o mais escassas, a tend�ncia � de que o mesmo n�o se repita em parte do Sudeste e Sul do pa�s - que podem, na verdade, ver sua quantidade de chuvas aumentar nas pr�ximas d�cadas, diz o pesquisador.
Com isso, essas regi�es (onde o clima �, por si s�, mais ameno que no restante do pa�s, por sua localiza��o geogr�fica) podem acabar ganhando for�a na produ��o agr�cola nacional.
O que n�o significa, por�m, que n�o sofrer�o com os devastadores efeitos dos chamados eventos clim�ticos extremos, como chuvas torrenciais, secas prolongadas e ondas de calor.
Esses eventos clim�ticos t�m se tornado mais frequentes em todo o mundo s�o tamb�m consequ�ncia direta do aquecimento global, como apontou o relat�rio do IPCC divulgado no in�cio de agosto.
"Com o aumento gradual do n�vel do mar, os eventos extremos que ocorreram no passado apenas uma vez por s�culo ocorrer�o com mais frequ�ncia no futuro", disse, na ocasi�o do lan�amento do relat�rio, Val�rie Masson-Delmotte, copresidente do grupo de trabalho do IPCC que produziu o texto.
No Brasil, segundo Carlos Nobre, mesmo que - hipoteticamente - n�o houvesse um aquecimento global em curso no mundo, os sucessivos recordes de desmatamento na Amaz�nia e no Pantanal j� estariam tendo impactos nocivos sobre o clima brasileiro.
Na pr�tica, os dois fen�menos - desmatamento e aumento das temperaturas - t�m ocorrido juntos, potencializando um ao outro.
"Mesmo no ano passado, quando a maioria dos pa�ses reduziu suas emiss�es (de gases do efeito estufa) por conta da pandemia, o Brasil aumentou suas emiss�es por culpa do desmatamento", diz Nobre.
Embora ele destaque que, nos �ltimos anos, o Brasil avan�ou em construir uma matriz energ�tica mais limpa - cerca de 11% da nossa energia vem de fontes e�licas ou solares, diz ele -, o Brasil, at� o momento, "est� na contram�o dos compromissos assumidos" de participar do esfor�o contra o aquecimento global.
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