"Tanto a mulher quanto o homem podem fazer qualquer servi�o. Est� havendo um preconceito enorme"
Pollyana Vieira,trabalhadora experiente em vendas, �reas administrativa e culin�ria � procura de emprego
Os efeitos da crise da economia brasileira, amplificados pela instabilidade pol�tica no pa�s e o machismo estrutural na sociedade se refletem num impressionante descolamento da taxa de desemprego entre as mulheres comparada � dos homens. Elas sofrem mais com n�vel de desocupa��o de 17,1%, frente a 11,7% para eles, segundo os dados mais recentes do segundo trimestre do ano da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). A diferen�a entre as taxas medidas pelo sexo do trabalhador, de 5,4 pontos percentuais a mais no caso da m�o de obra feminina, s� perde para a pontua��o de 5,7 pp. apurada de janeiro a mar�o, quando as mulheres enfrentavam desemprego de 17,9%, pior resultado da hist�ria da pesquisa desde 2016, e os homens, de 12,2%.
A falta de oportunidades, em geral, que deixa 14,7 milh�es de brasileiros sem emprego, atinge, sobretudo, mulheres como Pollyana Vieira, de 38 anos. Ela vive numa casa com mais cinco pessoas e apenas uma delas tem renda, proporcionada por aposentadoria rec�m-conquistada. As taxas de desemprego medidas de abril a junho pelo IBGE ultrapassaram os n�veis de desocupa��o observados durante a recess�o de 2016 no Brasil, tanto para mulheres quanto para homens. Naquele ano, os maiores percentuais foram de 13,8% para as trabalhadoras e de 10,7% entre eles, ambos no �ltimo trimestre.

Pollyana Vieira trabalhou at� dezembro do ano passado numa loja de roupas na Rua Contagem, no Bairro Boa Vista, Regi�o Leste de Belo Horizonte. Desde ent�o, procura, sem sucesso, uma chance de voltar a trabalhar. “N�o consigo encontrar nada. Em todo lugar que voc� pode imaginar eu j� deixei curr�culo. Tenho experi�ncia com vendas e j� trabalhei como auxiliar de cozinha, com topografia e na �rea administrativa”, conta.
A reportagem chegou at� Pollyana por meio de uma postagem em rede social. Ela pedia doa��es para comprar ra��o para animais dos quais cuida no Bairro Boa Vista. A dificuldade de conseguir vaga, para ela, tamb�m tem conex�o com o fato de ser mulher. “Tem hora que eles (os empregadores) acham que para homem � mais f�cil porque eles t�m mais for�a (f�sica). N�o tem nada a ver. Tanto mulher quanto homem podem fazer qualquer servi�o. Est� havendo um preconceito enorme”, reclama.
Na casa de Pollyana vivem os pais dela, dois irm�os e um sobrinho. A m�e � a �nica a dispor de rendimento, uma aposentadoria como faxineira. “A �nica renda que tem � da minha m�e. Estamos passando muita dificuldade”, afirma a vendedora.
H� um problema estrutural que dificulta a vida das mulheres na hora de buscar emprego, na avalia��o do professor M�rio Rodarte, da Faculdade de Ci�ncias Econ�micas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “� uma quest�o que gera espanto quando voc� analisa o perfil dos homens e das mulheres, o estrutural. As mulheres t�m que procurar um trabalho que se adequa �s necessidades que elas j� t�m dentro de casa, com jornadas duplas e at� triplas. Enquanto o homem est� mais 'livre' para escolher jornadas de trabalho, est� sempre dispon�vel”, analisa.
Segundo Rodarte, o machismo estrutural avan�a at� mesmo sobre as camadas com maior condi��o financeira da sociedade. “Em algumas situa��es, h� uma cultura de que o homem � um arrimo de fam�lia, e a mulher pode escolher o seu trabalho. Ent�o, ela pode recusar uma ou duas ofertas para ter o emprego que ela realmente quer. Digo em uma situa��o mais favor�vel, mas na maior parte das vezes o que gera esse desemprego maior (entre elas em compara��o a eles) � o preconceito”, diz o professor da UFMG.
“Voc� tem filho?”
As limita��es citadas pelo economista da UFMG dificultam a vida de Vivian Rauzane, de 25, moradora do Bairro Alto Vera Cruz, Zona Leste de BH. Na casa em que ela vive, moram tamb�m uma irm�, o tio e a m�e. Como trabalhadora dom�stica, a m�e det�m a principal renda da fam�lia. “Se n�o fosse a minha m�e, realmente n�o sei como far�amos. Estou desempregada h� dois anos e meio e tento algo para conciliar com meus estudos. Mas, o que aparece � com carga-hor�ria muito extensa e sal�rio muito baixo”, lamenta a estudante de direito.
Se os processos seletivos s�o um desafio para a maioria das pessoas, uma pergunta Vivian j� sabe que ser� feita pela equipe de recursos humanos das empresas: “voc� tem filho?”. Ela n�o tem filhos, mas reclama da postura das empresas. “Tenho amigas que vivem isso na pele. Se a resposta � afirmativa, j� dizem que entrar�o em contato depois. Nunca mais ligam. � um preconceito muito grande, porque o homem tamb�m precisa cuidar do filho”, diz.
Durante a pandemia, Vivian diz que a fam�lia teria passado dificuldades caso a prefeitura n�o distribu�sse cestas b�sicas. “Com as cestas, o dinheiro que minha m�e ganha fica para as verduras e as carnes. Se n�o fosse essa ajuda, a gente teria que comer salsicha e hamb�rguer”, destaca. Com idade avan�ada, o tio dela ajuda a fam�lia com a rende de um bico que conseguiu no m�s passado, ap�s longo tempo sem trabalhar.
Pol�ticas p�blicas A manuten��o e incremento de pol�ticas p�blicas de assistencialismo s�o fundamentais em realidades como as da moradora do Alto Vera Cruz, segundo o economista M�rio Rodarte. “Independentemente de qual governo esteja no poder, essas pol�ticas s�o important�ssimas. Primeiro, por que muitas delas n�o est�o no mercado de trabalho devido � falta de condi��es de entrar (por outros compromissos). Voc� tem que trabalhar nas duas pontas: dando oportunidades e mudando a perspectiva dos empregadores para que haja mais aceita��o das mulheres”, explica.
Rodarte afirma que a falta de projeto social e econ�mico do governo federal se reflete no aumento da defasagem entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Declara��es machistas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de ministros, como Paulo Guedes (Economia) e Damares Alves (Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos), trabalham para ampliar esse problema, na opini�o do professor da UFMG.
“Pode-se atuar em v�rios n�veis. Um deles � o da fala. Quando o l�der m�ximo n�o d� o exemplo, fica dif�cil superar essas barreiras. � um governo que vive de maneira id�lica, que s� existe na sua cabe�a, no caso a do governante”, diz Rodarte.
Fen�meno hist�rico
Publicada pelo IBGE a cada trimestre, a Pnad Cont�nua produz estat�sticas sobre o mercado de trabalho do pa�s por meio de um estudo amostral. Os pesquisadores selecionam cerca de 211 mil domic�lios de aproximadamente 3,4 mil cidades brasileiras para realizar o estudo. Todos os estados e o Distrito Federal entram no levantamento. Em Minas, s�o 15 mil im�veis visitados por trimestre.
No entanto, durante a pandemia n�o h� recorte dos dados por unidade federativa. Desde 2012, portanto ao longo de 38 divulga��es, as maiores defasagens de desemprego entre mulheres e homens no pa�s ocorreram nos dois �ltimos trimestres: 5,4 e 5,7 pontos percentuais. Das sete maiores diferen�as, seis ocorreram durante o governo Bolsonaro.

Desigualdade cresceu na pandemia
A diferen�a que j� era historicamente grande da taxa de desocupa��o das mulheres, diante da dos homens, foi ampliada durante a crise sanit�ria, de acordo com Gustavo Fontes, coordenador da Pnad Cont�nua em Minas Gerais. “A gente percebe que setores historicamente muito ocupados por mulheres sofreram um impacto maior durante a pandemia, como servi�os pessoais (cabelereiros e manicures, por exemplo) e dom�sticos remunerados, o com�rcio em geral, alimenta��o e alojamento”, explica o pesquisador.
Para Gustavo Fontes, a defasagem entre as taxas de desemprego n�o � a �nica constata��o de que h� preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho. “Em geral, as mulheres t�m uma taxa de desocupa��o maior que a dos homens, apesar de elas serem mais da metade das pessoas com idade para trabalhar. Ou seja, elas est�o menos empregadas mesmo formando a maioria”, afirma.
Outro dado que chama a aten��o � a escolaridade. “As mulheres t�m escolaridade m�dia maior que a dos homens. Ainda assim, elas t�m rendimento menor. � uma desigualdade estrutural”, afirma Gustavo Fontes. Apesar disso, a Pnad n�o tem divulgado, durante a pandemia, a diferen�a salarial medida pelo sexo. A maior defasagem ocorreu justamente no primeiro trimestre de 2020, �ltima vez e que esse levantamento foi feito: R$ 579.
O IBGE n�o faz proje��es. Mas, h� dados que indicam uma recupera��o da economia, ainda que aqu�m do cen�rio pr�-coronav�rus. O n�vel de desocupa��o das mulheres, por exemplo, caiu de 17,9% para 17,1% na compara��o entre os dois �ltimos trimestres. No entanto, era de 14,5% antes da pandemia.
A taxa total m�dia, incluindo homens e mulheres, diminuiu de 14,7% para 14,1% entre os dois �ltimos balan�os. Para os homens, era de 12,2% antes da crise sanit�ria. Desde o segundo trimestre de 2020, o IBGE n�o calcula as taxas de desemprego por sexo do trabalhador nos estados. A divulga��o mais recente dispon�vel para Minas Gerais se refere ao per�odo de janeiro a mar�o do ano passado, quando o n�vel de desocupa��o entre as mulheres era de 13,4% e entre os homens de 10%. A m�dia era de 12,2%. (GR)