
Com o apoio do governo, a C�mara dos Deputados dever� votar nesta quinta-feira (28/10) uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera regras do chamado teto de gastos e cria novas normas para o pagamento de precat�rios.
A medida � vista por especialistas e parlamentares de oposi��o como uma manobra do governo para abrir espa�o fiscal e financiar, entre outras coisas, o pagamento do Aux�lio Brasil, um novo programa social. O que pouca gente sabe � que a aprova��o da PEC pode afetar n�o s� a confian�a do mercado, mas professores da rede p�blica de Estados e munic�pios.
Precat�rios s�o d�vidas da Uni�o com diversos tipos de credores que a Justi�a j� reconheceu e sobre as quais n�o h� possibilidade de recurso. Todos os anos, tribunais de todo o Brasil enviam uma rela��o dos precat�rios (d�vidas) que a Uni�o dever� pagar. A pol�mica em torno do assunto come�ou no segundo semestre deste ano quando o governo passou a procurar formas de abrir espa�o no or�amento de 2022 para financiar um novo programa social, agora batizado de Aux�lio Brasil.
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A previs�o � de que o governo deveria pagar R$ 89,1 bilh�es em precat�rios em 2022. O governo procurou alternativas para evitar o pagamento desse valor, mas vem encontrando resist�ncia em diversos setores, especialmente de agentes econ�micos que criticam a medida e classificam como uma esp�cie de "calote".
Mesmo assim, o governo apoiou a PEC nº 23/2021, que ficou conhecida como PEC dos Precat�rios. Na pr�tica, ela abre espa�o no or�amento do ano que vem de duas formas. Se for aprovada na C�mara, ela ainda precisa passar pelo Plen�rio do Senado antes de ser promulgada e entrar em vigor.
De um lado, a proposta altera a forma de corre��o do teto de gastos do governo. At� agora, a corre��o do teto de um ano era feito pela infla��o calculada pelo IPCA entre julho e junho do ano anterior. O texto do relator Hugo Motta (MDB-PB) muda a regra e prop�e a corre��o para o per�odo de janeiro a dezembro e de forma retroativa a 2017, quando o teto entrou em vigor. Segundo dados do Instituto Fiscal Independente (IFI), essa mudan�a abriria uma margem de gastos para o governo federal em R$ 47,4 bilh�es.
A segunda parte da PEC � que a muda as regras para o pagamento de precat�rios. E � essa que pode acabar afetando os professores — possivelmente provocando atrasos para docentes da rede estadual e municipal em alguns lugares.
Rolar a d�vida
Em 2022, o governo deveria pagar R$ 89,1 bilh�es, um aumento de 64% em rela��o ao valor previsto para 2021, que foi de R$ 54 bilh�es. Esse crescimento foi classificado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como um "meteoro" nas contas p�blicas.
A PEC prev� o estabelecimento de um "teto" anual para o pagamento de precat�rios. Em 2022, esse valor seria de R$ 41 bilh�es. Considerando a d�vida de R$ 89,1 bilh�es, isso deixaria em aberto um total de R$ 48,1 bilh�es para o ano seguinte.
O problema � que desses R$ 89,1 bilh�es, pelo menos R$ 16 bilh�es s�o referentes a d�vidas que a Uni�o tem com os Estados da Bahia, Cear�, Pernambuco e Amazonas por conta de um erro do governo no repasse de recursos do antigo Fundo de Manuten��o e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valoriza��o do Magist�rio (Fundef), que depois foi substitu�do pelo Fundo de Manuten��o da Educa��o B�sica (Fundeb).

Pela legisla��o, o governo federal deveria fazer uma complementa��o ao sal�rio dos professores da rede p�blica por meio do Fundef. Alguns Estados e munic�pios, no entanto, processaram a Uni�o alegando que o c�lculo usado por ela para fazer os repasses era incorreto, ocasionando preju�zos.
Os casos foram levados ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, nos �ltimos anos, v�m dando ganho de causa contra a Uni�o.
Uma lei de 2020 prev� que 60% dos valores de precat�rios devidos pela Uni�o como pagamento de d�vidas dos tempos do Fundef deveriam ser direcionados aos professores dos Estados e munic�pios que receberem os valores.
O texto da PEC, por�m, prev� mecanismos que dificultam que esses entes recebam as d�vidas, o que, em �ltima inst�ncia, prejudica os professores.
Um desses mecanismos prev� que se a d�vida n�o for paga dentro do teto estabelecido pela PEC, o Estado ou munic�pio credor pode optar por receber no final do ano seguinte com um desconto de at� 40%. Na pr�tica, isso poderia diminuir o valor a ser pago aos professores.
Outro dispositivo prev� que o credor que n�o quiser optar pelo desconto de 40%, pode receber a d�vida em at� 10 anos, o que tamb�m afetaria os professores.
Um terceiro mecanismo � o chamado "encontro de contas". Neste caso, a Uni�o poder� propor ao credor que a d�vida da Uni�o (precat�rio) seja abatida do total de d�bitos que ele possa vir a ter com o governo federal.
Um exemplo � o do governo da Bahia que, em 2020, tinha uma d�vida com a Uni�o de R$ 5,3 bilh�es. Em maio deste ano, o STF deu ganho de causa o governo baiano e determinou que a Uni�o pagasse R$ 8,7 bilh�es em precat�rios relativos ao Fundef. Se a PEC for aprovada, o governo federal poder� propor uma esp�cie de abatimento da d�vida, o que, ao final, reduziria o valor a ser recebido pelo Estado da Bahia, afetando, tamb�m, o quanto os professores receberiam.
'Tudo ou nada'
Para o presidente da Confedera��o Nacional dos Trabalhadores da Educa��o (CNTE), Heleno Ara�jo, a PEC � "absurda" e permite que o governo fa�a pol�tica assistencialista com recursos que n�o lhe pertencem.
"A PEC � absurda e ilegal. O que o governo quer � fazer pegar um dinheiro que n�o � seu para fazer pol�tica assistencialista em ano eleitoral. Se isso passar, vai desestruturar qualquer confian�a que se tenha em decis�es da justi�a contra a Uni�o", afirmou.

A pol�tica assistencialista � qual Ara�jo se refere � o programa Aux�lio Brasil, lan�ado pelo governo e que prev� o pagamento tempor�rio de R$ 400 a pessoas em situa��o de extrema pobreza. Estima-se que o benef�cio vai atender a 17 milh�es de fam�lias. A expectativa era de que o benef�cio come�asse a ser pago a partir de novembro deste ano, a partir do fim do aux�lio emergencial referente � Covid-19.
O economista e fundador e secret�rio-geral da organiza��o n�o-governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, avalia a PEC como uma manobra eleitoreira e que pode prejudicar n�o apenas os professores, mas o pa�s como um todo.
"A PEC permite o estouro do teto e compromete a confian�a do mercado na pol�tica fiscal do pa�s. O governo foi para o tudo ou nada de olho nas elei��es. � ruim para os professores, que tinham uma expectativa de ganho, mas � ruim tamb�m para a popula��o em geral porque isso pode causar crise que afeta a economia", afirmou o economista.
Procurado pela BBC News Brasil, o Minist�rio da Economia enviou nota afirmando que n�o iria comentar o assunto.
Na semana passada, por�m, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, a mudan�a nas regras do pagamento de precat�rios e na corre��o do teto de gastos.
"Eu falei: 'Olha, furamos o teto ano passado para atender a sa�de. Os efeitos econ�micos sobre os mais fr�geis foram devastadores, todo mundo est� dizendo que os mais pobres est�o sem comida, sem g�s, tendo que cozinhar com lenha. Ora, ningu�m quer tirar 10 em (pol�tica) fiscal e deixar os mais fr�geis passarem fome", afirmou o ministro.
Castelo Branco diz ainda que, apesar do discurso do governo, o estouro do teto gerado pela PEC dos Precat�rios n�o vai financiar apenas o Aux�lio Brasil, mas tamb�m ser� usado para bancar as chamadas "emendas de relator", um tipo de emenda parlamentar mais dif�cil de rastrear em que a destina��o dos recursos � feita pelo relator-geral do or�amento.
Reportagens publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo ao longo deste ano mostraram que esse tipo de mecanismo estaria sendo usado irregularmente pelo governo para beneficiar parlamentares da base. O governo, por sua vez, se defende afirmando que pol�ticos de oposi��o tamb�m teriam recebido recursos das emendas de relator.
O diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto, avalia que a PEC dos Precat�rios poder� custar caro ao pa�s porque o estouro do teto dever� afetar a confian�a do mercado nas contas p�blicas.
"O que est� acontecendo � que o governo quer abrir espa�o no or�amento para prioridades eleitorais. O governo quer fazer espa�o para emendas de relator e gasto social, que � importante, mas que poderia ser feito dentro do teto. Essa hist�ria � uma inova��o que vai custar caro ao pa�s porque vai afetar a credibilidade no governo", explicou.
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