
O Nubank apareceu em 2013 com a proposta de transformar em neg�cio a ideia de que muitos brasileiros sentiam que pagavam caro aos bancos tradicionais por servi�os ruins.
Em 2014, o banco digital lan�ou um cart�o de cr�dito sem anuidade, seu primeiro produto. A inscri��o, por meio de um aplicativo, era feita pelo celular com a submiss�o da imagem de um documento e uma selfie do futuro cliente, aprovado ap�s uma an�lise de cr�dito. Anos depois, vieram a conta corrente sem taxas e com TED gratuita, o programa de fidelidade, a conta PJ, produtos de seguro.
Foram bilh�es em rodadas de investimento, com recursos de diferentes fontes - inclusive o fundo do superinvestidor Warren Buffett, o Berkshire Hathaway -, e, menos de um d�cada depois da funda��o, a empresa do tipo fintech conseguiu formar uma base de 40 milh�es de clientes e expandir os servi�os para pa�ses como M�xico e Col�mbia.
Neste ano, a Nubank chega � bolsa de valores, mas n�o a brasileira - a B3, que fica em S�o Paulo. Previsto para acontecer em algumas semanas, no in�cio de dezembro, o IPO (sigla para Initial Public Offering, ou oferta p�blica inicial) vai acontecer em Wall Street, na New York Stock Exchange (NYSE).A decis�o n�o � in�dita. Na realidade, � parte de uma tend�ncia que vem se consolidando desde 2017.
Nos �ltimos quatro anos, pelo menos outras 11 empresas brasileiras optaram pelas bolsas dos EUA. Na NYSE, al�m do Nubank, h� outras tr�s: a mineradora Nexa Resources, ligada ao grupo Votorantim, que chegou em 2017 (tamb�m � bolsa de Toronto, no Canad�); a companhia de meios de pagamentos PagSeguro (2018) e a empresa de software de com�rcio eletr�nico VTEX (2021).
Na Nasdaq, outra bolsa de valores com sede em Nova York, conhecida por listar big techs como Google e Facebook, est�o Stone (2018), de meios de pagamentos, a XP Investimentos (2019) e as gestoras de recursos Vinci Partners (2021) e P�tria Investimentos (2021).
Al�m de quatro empresas do setor de educa��o: Arco Platform (2018), ligada ao grupo cearense Ari de S�, Afya Educacional (2019), focada no segmento de medicina, a Vasta Educa��o (2020), subsidi�ria do grupo Cogna (antiga Kroton), e Vitru (2020), companhia catarinense de ensino � dist�ncia.

B3 vs. Wall Street
Ao comunicar a decis�o de abrir o capital na bolda de Nova York, o Nubank foi econ�mico. Afirmou que a empresa j� vinha se internacionalizando e que, portanto, "fazia sentido que o IPO tamb�m fosse global". � semelhan�a de outras empresas, contudo, o banco vai emitir no Brasil as chamadas BDRs, sigla para Brazilian Depositary Receipts - certificados que representam as a��es que est�o l� fora -, e que foram oferecidas aos correntistas nas �ltimas semanas.
Mas a internacionaliza��o n�o � a �nica raz�o que tem levado empresas brasileiras para os EUA. A XP, por exemplo, admitiu que o fato de a legisla��o americana ser mais flex�vel pesou e chegou a falar que n�o queria "colocar em risco o controle da empresa".
"Optamos pela listagem na NYSE porque acreditamos que nos conectar� com os principais investidores do mundo, trazendo as melhores pr�ticas internacionais para a nossa empresa, al�m de nos dar espa�o para novas emiss�es de a��es, sem colocar em risco o controle da empresa e a sua total independ�ncia - fato esse que n�o seria poss�vel por meio da legisla��o brasileira atual", disse em comunicado na �poca.
Nos EUA existe a figura das "super voting stocks", a��es com maior peso nas vota��es, que podem fazer com que acionistas com um percentual pequeno dos pap�is tenha um peso maior nas tomadas de decis�o.
Isso n�o acontece hoje no Brasil. As empresas listadas no segmento de Novo Mercado da B3 - uma esp�cie de "selo de qualidade" que indica que a companhia segue uma s�rie de boas pr�ticas de governan�a - t�m de emitir apenas a��es ordin�rias, em que uma a��o significa um voto das assembleias de acionistas.
Sob a regra de "uma a��o, um voto", com a chegada � bolsa de valores e a entrada de novos investidores, os fundadores podem acabar virando voto vencido nas assembleias gerais de acionistas, por exemplo.
Esse � um tema controverso no mundo da governan�a corporativa, que discute as boas pr�ticas na gest�o de empresas. Se, de um lado, os fundadores podem perder influ�ncia sobre decis�es-chave para o crescimento de longo prazo da empresa, de outro acionistas minorit�rios podem se ver prejudicados por uma concentra��o excessiva de poder nas m�os desses mesmos fundadores.
� o caso do Facebook, listado na Nasdaq. Apesar de ter apenas 14% das a��es da empresa, Mark Zuckerberg det�m 58% dos pap�is com direito a voto. Em 2018 e 2019, parte dos acionistas minorit�rios chegou a lan�ar uma campanha para tentar remover Zuckerberg da presid�ncia do conselho do grupo e limitar seus poderes, sem sucesso.
"Acredito no direito dos acionistas e os acionistas, ou acionistas menos o Mark, h� anos pedem por uma a��o, um voto. E a raz�o pra isso �, estou bem segura de que eles escolheriam outra lideran�a se tivessem op��o", disse recentemente a ex-funcion�ria que denunciou o Facebook ao Senado americano, Frances Haugen, ao jornal Observer.
"Sob a �tica de governan�a, essa quest�o da concentra��o de votos � bastante critic�vel", ressalta a coordenadora do Centro de Estudos em Finan�as da FGV-EAESP, Claudia Yoshinaga.
Em sua vis�o, a raz�o que tem levado as empresas brasileiras �s bolsas americanas tem mais rela��o com a visibilidade que elas conseguem alcan�ar nos EUA.
"� um mercado com muito mais investidores, n�o s� com mais recursos, mas alguns estrat�gicos", avalia.
Enquanto a B3 tem cerca de 400 empresas listadas e 3,8 milh�es de investidores pessoa f�sica, nos Estados Unidos cerca de metade da popula��o, ou cerca de 160 milh�es de pessoas, tem algum tipo de investimento, direto ou indireto, na bolsa. A NYSE contabiliza 2,8 mil empresas, e a Nasdaq, 3,3 mil.
"� poss�vel acessar mais bolsos e bolsos mais fundos", ressalta Caio Cossermelli, s�cio de mercado de capitais do Mattos Filho Advogados, com experi�ncia no assessoramento de diversos IPOs de empresas brasileiras.
Dadas essas caracter�sticas, "os m�ltiplos" nos EUA s�o significativamente maiores, diz o analista da �rama Investimentos Phil Soares, referindo-se � rela��o entre o pre�o das a��es das companhias e seus indicadores operacionais, como receita e lucro.
Ou seja, conseguir acessar as bolsas americanas pode ser uma chance de vender as a��es por pre�os maiores - e em d�lar.
"Acaba sendo mais rent�vel estar l�", diz Cossermelli.

A rea��o e o futuro
A diretora de emissores da B3, Fl�via Mouta, lembrou que, em agosto, o Congresso brasileiro aprovou uma mudan�a na legisla��o para permitir o chamado "voto plural", mecanismo semelhante �s "super voting stocks" americanas, que deve ser institu�do no mercado brasileiro em algum momento.
"A B3 participou ativamente das discuss�es acerca das mudan�as na lei e acredita que a autoriza��o para o voto plural pode impactar positivamente o n�mero de aberturas de capital de empresas no pa�s, trazendo mais flexibilidade e mantendo a solidez do mercado."
"Se de um lado h� alguns casos de companhias que est�o mirando o exterior, h� casos contr�rios tamb�m. J� tivemos 45 IPOs no mercado brasileiro s� em 2021", acrescenta.
Ainda assim, de acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, pelo menos no curto prazo, a tend�ncia � que a bolsa brasileira fique ainda menos interessante para algumas empresas.
A atual crise pol�tica e econ�mica pode diminuir significativamente o apetite dos brasileiros por a��es. Com a taxa b�sica de juros em 7,75% e caminhando para os dois d�gitos, investimentos com menor risco, como os de renda fixa, passam a pagar mais e podem se tornar mais atraentes.
Assim, o Brasil vai criando um cen�rio em que cada vez menos as empresas da chamada "nova economia" - inovadoras e ligadas � tecnologia - s�o incentivadas a abrir capital no pa�s, reflete a professora Claudia Yoshinaga, da FGV.
"Quando a gente olha nossa B3, � essencialmente velha economia, � ind�stria, utilities [�gua e esgoto e energia, por exemplo]. As boas empresas que t�m ganhado visibilidade est�o indo pra fora."
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