
Cristina Costa, de 50 anos e moradora h� 20 deles de Marlborough, no Estado americano de Massachusetts, conta que nunca esteve t�o vantajoso mandar dinheiro de volta ao Brasil.
"Hoje tenho uma empresa de limpeza, uma de paisagismo e tamb�m trabalho em tempo parcial num supermercado", conta a mineira de Belo Horizonte.
"Eu sempre mando US$ 4 mil a US$ 5 mil por m�s ao Brasil e ultimamente est� melhor ainda para mandar, com o d�lar na faixa de R$ 5,50, R$ 5,40", diz a empreendedora, que no Brasil investe em cavalos da ra�a Quarto de Milha, al�m de ajudar familiares.
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Na pandemia, com os neg�cios indo bem nos Estados Unidos e a situa��o econ�mica se agravando no Brasil, ela enviou dinheiro tamb�m para ajudar fam�lias mineiras com a compra de cestas b�sicas.
Cristina n�o est� sozinha ao aproveitar o real desvalorizado para enviar dinheiro ao Brasil.

Segundo o Banco Central, de janeiro a setembro deste ano, as transfer�ncias pessoais com origem em outros pa�ses e destino ao Brasil j� somam US$ 2,84 bilh�es (R$ 15,9 bilh�es), maior valor da s�rie hist�rica com in�cio em 1995 e alta de 18% sobre igual per�odo de 2020.
No ano passado inteiro, o Brasil recebeu US$ 3,31 bilh�es em transfer�ncias pessoais vindas do exterior, recorde para o indicador at� ent�o, que dever� ser superado em 2021.
Conforme especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, uma combina��o de fatores explica as transfer�ncias recordes em meio � pandemia.
A forte desvaloriza��o do real em rela��o a moedas como d�lar, euro e libra; a recupera��o mais r�pida das economias de pa�ses desenvolvidos do que a brasileira; o desemprego elevado no Brasil; e a nova onda de emigra��o de brasileiros, particularmente aos EUA, est�o entre as causas citadas.
Os EUA foram respons�veis pelo maior crescimento no volume de remessas, somando US$ 1,47 bilh�o entre janeiro e setembro, alta de 33% na compara��o anual.
De acordo com o Minist�rio das Rela��es Exteriores, a comunidade brasileira no exterior ultrapassou os 4,2 milh�es em 2020, crescimento de 17% sobre 2018, quando o �ltimo levantamento havia sido feito. Desse total, 42% ou 1,78 milh�o viviam nos EUA, seguidos por Portugal (276 mil), Paraguai (240 mil), Reino Unido (220 mil) e Jap�o (211 mil).
Segundo dados da Receita Federal, de janeiro a novembro deste ano, 15,5 mil brasileiros entregaram declara��es de sa�da definitiva do pa�s ao Fisco. No ano todo de 2020, foram 20,9 mil, mesmo em meio � pandemia. Entre 2017 e 2019, as declara��es superaram 23 mil a cada ano, quase o dobro da m�dia anual de 12,8 mil declara��es entregues nos seis anos anteriores.
D�lar em alta de 40%
Para Leonardo Cavalcanti, professor da Universidade de Bras�lia (UnB) e coordenador do Observat�rio das Migra��es Internacionais (OBmigra), a desvaloriza��o da moeda brasileira � o principal motivo para o recorde de remessas vindas do exterior em 2020 e 2021.
Desde o fim de 2019, o d�lar passou de R$ 4,019 a R$ 5,609 (cota��o de sexta-feira, 26/11), uma alta de 40% em rela��o ao real.
No per�odo mais recente, a desvaloriza��o da moeda brasileira tem sido refor�ada pelo aumento da incerteza nas contas p�blicos, devido ao avan�o da PEC dos Precat�rios, proposta que muda o c�lculo do teto de gastos e permite ao governo dar um calote em algumas obriga��es financeiras.
O d�lar tamb�m ganha for�a diante dos temores do mercado com rela��o � nova variante �micron do coronav�rus.
"Se voc� est� ganhando em d�lar, para converter isso em real, o ganho que voc� obt�m � quase o dobro de anos atr�s, quando a moeda americana n�o superava os R$ 3", diz Cavalcanti.
"Muitos imigrantes que planejam voltar aproveitam, por exemplo, para investir em im�veis aqui no Brasil, porque isso � um s�mbolo de sucesso para o imigrante", observa o pesquisador.
Desemprego elevado no Brasil
Para Pedro Barreiro, l�der de Banking e Expans�o para o Brasil da Wise (antiga TransferWise, um dos principais servi�os utilizados pelos brasileiros para transfer�ncia de recursos entre pa�ses), a ajuda a familiares � outro motivo importante por tr�s do aumento de remessas.
"Desde o in�cio da pandemia, notamos que cada vez mais brasileiros e pessoas no exterior t�m enviado dinheiro ao Brasil, n�o s� dos EUA, mas tamb�m de outras regi�es desenvolvidas, como Europa e Reino Unido", observa Barreiro.
"Pelos destinat�rios no Brasil, percebemos que muito dos envios s�o de pessoas dando suporte financeiro a familiares que foram afetados pela pandemia", diz o executivo, destacando o elevado desemprego no Brasil e a retomada mais r�pida da economia particularmente nos EUA.
No Brasil, a taxa de desocupa��o estava em 13,2% no trimestre encerrado em agosto, com 13,7 milh�es de desempregados, segundo o dado mais recente dispon�vel pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).
J� nos EUA, a taxa de desemprego caiu a 4,6% em outubro, e o n�mero de pedidos de aux�lio-desemprego no pa�s recuou em novembro ao menor patamar em 52 anos.
Segundo Barreiro, em mar�o de 2020, os envios de recursos ao Brasil atrav�s da Wise cresceram 250% na compara��o anual e, em mar�o deste ano, houve nova alta de 30%.
"N�o houve um pico e depois uma queda, o que nos mostra que n�o � um comportamento de tomar a vantagem do c�mbio num momento espec�fico. No come�o da pandemia, o envio triplicou e estabilizou nesse patamar tr�s vezes maior", diz o porta-voz da empresa.
Na perspectiva da Wise, o elevado volume de remessas ao Brasil deve se manter em 2022.
"Nossa previs�o � que isso se mantenha, especialmente considerando que o ano que vem � um ano eleitoral, que costuma ser marcado por muitas instabilidades no Brasil", afirma Barreiro.
"Ent�o o real deve sofrer muita volatilidade, a atividade econ�mica deve seguir afetada e muitas fam�lias no Brasil ainda devem depender de seus familiares no exterior. Por isso n�o esperamos que o influxo de valores v� se reduzir no curto prazo."
Nova onda imigrat�ria para os EUA
Eduardo Siqueira, professor da Universidade de Massachusetts em Boston e pesquisador h� 20 anos da imigra��o brasileira aos EUA, destaca ainda um �ltimo fator que pode explicar o aumento recente das remessas: a nova onda de brasileiros deixando o pa�s.

"Normalmente o envio de remessas tem a ver com a necessidade das fam�lias no Brasil, quanto maior a crise, maiores as remessas", diz Siqueira.
"Mas � preciso tamb�m considerar o tamanho da popula��o brasileira sa�da do pa�s nos �ltimos anos. N�o � surpresa que haja um aumento das remessas, se o tamanho da popula��o brasileira no exterior aumentou", considera o pesquisador.
Ele destaca que, nos EUA, parte consider�vel da comunidade brasileira vive sem os devidos documentos e por isso sequer aparece nas estat�sticas oficiais.
Segundo dados da ag�ncia americana de Alf�ndega e Prote��o de Fronteiras, o n�mero de brasileiros cruzando ilegalmente a fronteira sul do pa�s bateu recorde hist�rico no ano fiscal de 2021 (que vai de 1º de outubro de 2020 a 30 de setembro de 2021). Foram 56.881 brasileiros detidos, um aumento de 700% em rela��o ao mesmo per�odo de 2020.
At� ent�o, o auge da migra��o ilegal de brasileiros havia sido em 2019, quando cerca de 18 mil tentaram entrar nos EUA ilegalmente pela fronteira terrestre com o M�xico.
Por conta desse aumento na imigra��o ilegal de brasileiros aos EUA via M�xico, o governo mexicano informou na sexta-feira (26/11) que voltar� a exigir visto de viajantes brasileiros.
Os EUA s�o historicamente o principal destino da imigra��o brasileira, com destaque para os Estados americanos de Massachusetts, Fl�rida, Nova York e Nova Jersey. A exist�ncia de uma comunidade brasileira estabelecida nesses locais estimula a continuidade da imigra��o, devido aos v�nculos entre imigrantes.
"� o que chamamos de imigra��o em cadeia: quem veio primeiro foi voltando para o Brasil e anunciando a possibilidade de ter melhoria de vida nos Estados Unidos. Isso come�ou fundamentalmente no vale do Rio Doce, ao redor do munic�pio de Governador Valadares, mas depois se expandiu para muitas outras regi�es do Brasil", observa Siqueira.
Por ser um fen�meno principalmente econ�mico, de pessoas em busca de melhoria nas condi��es de vida, a imigra��o aos Estados Unidos tem car�ter c�clico, crescendo quando a situa��o econ�mica no Brasil fica pior.
"Aconteceu isso no per�odo do [governo do ex-presidente Fernando] Collor e est� acontecendo de novo nesse per�odo mais recente. At� antes do governo Bolsonaro, no fim do governo Dilma j� come�ou a haver de novo um pico de imigra��o para c�", diz o professor.
"O que explica isso � a profunda crise brasileira, que n�o � s� econ�mica, mas pol�tica e social e da inseguran�a em que as pessoas vivem", afirma o pesquisador.
"Com as pessoas perdendo seus empregos, fechando neg�cios e n�o vendo alternativas para ficar no Brasil, elas resolvem explorar a possiblidade de vir para os Estados Unidos. Mas a situa��o aqui tamb�m n�o � f�cil e as pessoas muitas vezes sofrem bastante."
Dinheiro do Brasil para fora
Enquanto as remessas do exterior ao Brasil cresceram fortemente em 2020 e 2021, as transfer�ncias em sentido contr�rio, do Brasil para outros pa�ses, registraram forte queda no ano passado, mas mostram recupera��o em 2021, por�m em n�veis ainda abaixo do pr�-pandemia.
Em 2020, as transfer�ncias pessoais do Brasil ao exterior somaram US$ 1,47 bilh�o (R$ 8,18 bilh�es), queda de 30% em rela��o aos US$ 2,09 bilh�es enviados para fora em 2019.
De janeiro a setembro de 2021, as remessas para outros pa�ses j� somam US$ 1,17 bilh�o, aumento de 10% em rela��o a igual per�odo de 2020, mas ainda abaixo do US$ 1,54 bilh�o transferido para fora de janeiro a setembro de 2019.

Em volume de dinheiro enviado, os principais destinos s�o EUA, Portugal e Reino Unido, em linha com as maiores comunidades brasileiras no exterior.
Mas os maiores crescimentos no envio de dinheiro em 2021 foram para Bol�via (29%) e Haiti (19%), refletindo a retomada da economia brasileira, que permitiu aos imigrantes desses pa�ses que vivem no Brasil voltar a enviar recursos para suas fam�lias.
Segundo o Minist�rio da Justi�a, o Brasil recebeu pouco mais de 1 milh�o de imigrantes entre 2011 e 2019, dos quais 660 mil de longo termo, que s�o aqueles que permanecem no pa�s por per�odo longo. Neste segundo grupo, as maiores comunidades s�o as de venezuelanos (142 mil), paraguaios (97 mil), bolivianos (58 mil) e haitianos (54 mil).
Apesar do n�mero significativo de imigrantes no Brasil, a Venezuela n�o se destaca nas remessas registradas pelo Banco Central, devido � baixa confian�a no sistema financeira do pa�s — os imigrantes venezuelanos tendem a mandar dinheiro para suas fam�lias fisicamente, cruzando a fronteira, ou por meios alternativos ao sistema financeiro oficial.
Rosana Camacho, presidente da Associa��o de Residentes Bolivianos, avalia que a queda de 45% nas remessas � Bol�via no ano passado e a alta de 29% este ano s�o um retrato das dificuldades e da recupera��o vividas pelos trabalhadores bolivianos no Brasil.
"Boa parte da comunidade boliviana trabalha no com�rcio e na �rea t�xtil. Quando fechou tudo, paralisou a produ��o e as vendas, muitos ficaram desempregados e muitos tamb�m retornaram para a Bol�via devido � falta de trabalho", conta Camacho.
Com a reabertura da economia, a situa��es dos imigrantes melhorou, mas ainda assim, eles est�o sofrendo com os mesmo problemas que os brasileiros: escassez de mat�rias primas vindas da China, alta de custos de produ��o e aumento do custo de vida devido � infla��o.
"Todos os problemas que afligem os brasileiros, afligem os imigrantes, mas um pouquinho pior, porque o imigrante em geral est� na informalidade e no subemprego", observa a presidente da associa��o dos bolivianos. "Subiu g�s, subiu luz, subiu a alimenta��o, o que o imigrante consegue poupar para mandar fica menor."
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