
Em setembro, a China parou de importar carne do Brasil. O pa�s declarou embargo �s exporta��es brasileiras ap�s a identifica��o de dois casos de vaca louca em frigor�ficos em Minas Gerais e Mato Grosso.
O efeito foi imediato. Em outubro, os embarques de carne bovina ca�ram expressivos 43% em rela��o ao mesmo m�s de 2020. Com o embargo mantido — apesar de a Organiza��o Mundial de Sa�de Animal afirmar que os casos eram at�picos e espont�neos e que, portanto, n�o apresentavam risco para a cadeia produtiva —, a situa��o se repetiu em novembro.
Conforme os n�meros levantados pela Associa��o Brasileira de Frigor�ficos (Abrafrigo), as exporta��es de carne bovina in natura e processada recuaram 47% em volume, na compara��o com novembro do ano passado. Os dados s�o compilados a partir das informa��es da Secretaria de Com�rcio Exterior, vinculada ao Minist�rio da Economia.
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Com a perspectiva de queda nas vendas para a China no curto prazo, o volume de animais abatidos diminuiu. Com a demanda menor, o pre�o do boi gordo despencou em outubro, com a arroba cotada a R$ 255, cerca de R$ 60 menos do que no in�cio de setembro, conforme o indicador do Cepea.
Os consumidores brasileiros, entretanto, praticamente n�o sentiram essa queda no bolso.
"O boi caiu mais que no atacado, que, por sua vez, caiu mais do que no varejo", resumiu em entrevista recente � BBC News Brasil C�sar de Castro Alves, da Consultoria Agro do Ita� BBA.Essa din�mica fica clara em indicadores de infla��o como o IGP-M, elaborado pela Funda��o Getulio Vargas, que engloba os pre�os pagos tanto pelos produtores (�ndice de Pre�os ao Produtor, o IPA) quanto consumidores (�ndice de Pre�os ao Consumidor, IPC).
Conforme os dados compilados a pedido da reportagem pelo coordenador do IPC, Andr� Braz, o item bovinos do IPA (boi vivo no pasto) tem registrado defla��o desde setembro, chegando a recuar expressivos 5,92% em outubro. A carne bovina no IPA, por sua vez, que reflete o pre�o do animal abatido, recuou em setembro e novembro, sendo a queda mais forte neste �ltimo m�s, de 1,01%.

J� as carnes bovinas no IPC seguiram registrando alta em setembro e outubro. A primeira retra��o veio em novembro, de 1,07% — o al�vio, contudo, pode durar pouco.
"A gente tem percebido que a parte de carnes est� aquecendo de novo. Ent�o pode ser que um novo ciclo de aperto comece, e isso n�o permita um ciclo de desacelera��es muito longo. Vamos ter que observar o comportamento dos pre�os a partir dos pr�ximos meses", avalia o economista.

As raz�es
O pesquisador de pecu�ria do Cepea (Centro de Estudos Avan�ados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, Thiago Bernardino de Carvalho, identifica pelo menos duas das raz�es que explicam porque a queda no pre�o dos bois praticamente n�o foi sentida no bolso dos consumidores.
Uma delas foi a autoriza��o dada em outubro pelo Minist�rio da Agricultura para o armazenamento por at� 60 dias em cont�ineres (e n�o apenas em c�maras frias, como coloca a legisla��o sanit�ria atual) do que foi produzido antes do bloqueio, em 4 de setembro.
Assim, a ind�stria pode manter o produto estocado e n�o precisou necessariamente disponibilizar o excedente para o mercado interno. Essa din�mica ajudou a segurar os pre�os elevados no mercado dom�stico.
No fim de novembro, a China deu o primeiro sinal de flexibiliza��o e permitiu a exporta��o da carne certificada pelo menos at� o dia anterior ao embargo (3 de setembro), que foi, ent�o, embarcada para a �sia.
De l� para c�, a ind�stria vem reequilibrando seus estoques, enquanto o bloqueio segue mantido.
Outro fator colocado pelo pesquisador est� no �ltimo elo da cadeia, o varejo. Em sua avalia��o, os a�ougues e supermercados aproveitaram para comprar carne mais barata em outubro para estocar para as festas — e o processo de estocagem, que envolve refrigera��o, � custoso, ele pontua.
"O consumidor, se puder, n�o vai abrir m�o da carne, do churrasco no fim do ano. Ele vai cortar outros produtos antes, e o supermercado sabe disso."
H� ainda a possibilidade de o varejo ter aproveitado parte da redu��o de pre�os pelos fornecedores para aumentar suas margens de lucro.
Essa foi a hip�tese levantada em uma nota dura divulgada no fim de outubro pelo Sindicato das Ind�strias de Frigor�ficos de Mato Grosso (Sindifrigo-MT), que chamava de "distor��o" a diferen�a de pre�os entre atacado e varejo e afirmava que ela mostrava "a gan�ncia de um elo que n�o quer fazer parte de uma corrente da cadeia".
"Os balc�es dos a�ougues e supermercados precisam se engajar na cadeia e n�o se apresentarem como inimigos", conclu�a o comunicado.
A reportagem procurou a Associa��o Brasileira de Supermercados (Abras), que n�o se manifestou at� o fechamento deste texto.

Ciclo de alta do boi
Toda essa quest�o conjuntural se d� em um momento em que o pre�o da carne j� est� pressionado por uma quest�o estrutural do setor. H� meses o pre�o do boi bate recordes porque h� uma menor disponibilidade de animais para o abate — reflexo do pr�prio ciclo da bovinocultura, que compreende os per�odos de reprodu��o e reposi��o dos animais.
Isso porque a cadeia de produ��o de carne bovina tem uma s�rie de particularidades. N�o � poss�vel aumentar e diminuir a quantidade de bois no pasto tempestivamente, a depender do n�vel de demanda.
O tempo de gesta��o das vacas � de cerca de 9 meses. O per�odo para que um bezerro se torne um animal pronto para o abate, por sua vez, gira em torno de dois anos. Tudo isso faz com que o ciclo seja mais longo que o de outras prote�nas e dure cerca de 6 ou 7 anos.
Quando o pre�o do boi est� elevado, como atualmente, a tend�ncia � que os pecuaristas mandem as f�meas (chamadas no setor de "matrizes") para o abate. Aos poucos, a oferta de animais aumenta e o pre�o do boi tende a reduzir.
Um volume menor de f�meas, contudo, significa uma menor produ��o de bezerros (chamados no setor de "animais de reposi��o"). E � por isso que, no momento seguinte do ciclo, a tend�ncia � de eleva��o nos pre�os dos bezerros.
Essa alta, por sua vez, estimula a reten��o de f�meas, de forma que os pre�os dos bezerros tendem aos poucos a recuar. Com menos f�meas dispon�veis para o abate, � o pre�o do boi que come�a a subir, e o ciclo tem in�cio outra vez.
O ciclo que come�ou em 2018, ilustra Carvalho, quando a ind�stria come�ava a se recuperar dos impactos da Opera��o Carne Fraca, deve se estender at� 2023 ou 2024.
"O ciclo do frango, por exemplo, tem 60 dias — � muito menor."
O momento atual tem uma outra particularidade que contribui para empurrar os pre�os para cima. De um lado, o d�lar alto e o aumento da cota��o das commodities elevou o pre�o das ra��es, que utilizam muitas vezes milho e soja como mat�rias-primas. De outro, a seca severa que atingiu o Centro-Sul do pa�s reduziu as �reas de pasto e obrigou muitos produtores a confinar o gado, elevando ainda mais as despesas com ra��o.

Pre�o alto e renda em queda
Conforme destacado por Braz, do Ibre-FGV, j� h� sinais de que o segmento de carnes volta a aquecer. A arroba do boi gordo, por exemplo, se recomp�s da queda observada em outubro e voltou a atingir valores m�ximos.
Assim, a redu��o de pre�os sinalizada pelas �ltimas divulga��es nos �ndices de infla��o corre o risco de ser apenas um solu�o, e n�o uma tend�ncia.
No IPC, as carnes bovinas acumulam 16,6% de aumento nos 12 meses at� novembro, quase o dobro da varia��o do �ndice fechado, que chegou a 9,72%. Ou seja, mesmo com o al�vio mostrado pelos indicadores, os pre�os seguem em patamar bastante superior do que um ano atr�s.
Do outro lado da equa��o, a renda dos brasileiros vem encolhendo, na medida em que a pobreza aumenta e que o mercado de trabalho gera vagas mais prec�rias.
Esse �ltimo aspecto aparece nas estat�sticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, que mostra que a renda m�dia de quem est� empregado vem diminuindo consecutivamente h� 12 meses, desde outubro de 2020.
Apesar de a taxa de desemprego estar recuando desde maio, ela segue em patamar bastante elevado - 12,6% da for�a de trabalho, ou 13,5 milh�es de desempregados.
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