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Estado de Minas EXECUTIVO

Endividamento p�blico vira bola de neve no Brasil

�ncora fiscal � abandonada pelo governo e o calote parcial das d�vidas judiciais preocupa analistas de mercado


17/01/2022 06:00 - atualizado 17/01/2022 07:56

Especialistas reconhecem que o quadro fiscal piorou significativamente ap�s a aprova��o da PEC dos Precat�rios no ano passado, e, com isso, avisam que o debate eleitoral dever� incluir uma discuss�o sobre uma nova �ncora fiscal diante do abandono das atuais.

Diante da escalada da infla��o, que ajudou a melhorar o quadro da d�vida p�blica em rela��o ao Produto Interno Bruto (PIB), analistas afirmam que o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o compromisso fiscal est� mantido, convence muito pouco.

O calote parcial das d�vidas judiciais, para criar espa�o fiscal para as pol�micas emendas parlamentares de destino duvidoso, o chamado or�amento secreto, n�o � bem-visto pelos analistas mais s�rios e que t�m preocupa��o com o respeito � Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Eles alertam para a trajet�ria da d�vida p�blica em ascens�o devido �s medidas desesperadas do presidente Jair Bolsonaro (PL) para conseguir pavimentar o caminho da reelei��o, agradando o Centr�o, que sequestrou o Or�amento e agora, um dos caciques, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que passou a ter mais poder do que Paulo Guedes na gest�o dos recursos.

"Acabou a �ncora fiscal e, sem d�vida, a PEC dos Precat�rios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que d� voto. O Aux�lio Brasil � merit�rio, independentemente se d� voto ou n�o. O que n�o � positivo � o fato de o governo n�o cortar nem mesmo os gastos sup�rfluos"

Sim�o Davi Silber, economista, professor da Universidade de S�o Paulo (USP)



O decreto presidencial do �ltimo dia 13, que d� a Nogueira a palavra final em vez de Guedes na mat�ria or�ament�ria em um cen�rio sem qualquer medida respons�vel para frear os gastos p�blicos daqui para frente, foi a cereja do bolo da deteriora��o das contas p�blicas.

O teto de gastos era considerado uma �ncora fiscal ruim para muitos analistas, mas, mesmo os cr�ticos lamentam o fato do atual governo antecipar a mudan�a do indexador, que estava prevista apenas para 2026, para ampliar os espa�os de gastos em ano eleitoral. 

“Acabou a �ncora fiscal e, sem d�vida, a PEC dos Precat�rios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que d� voto. O Aux�lio Brasil � merit�rio, independentemente se d� voto ou n�o. O que n�o � positivo � o fato de o governo n�o cortar nem mesmo os gastos sup�rfluos. N�o � preciso, por exemplo, o presidente ficar andando de jetski com a fam�lia e os s�quitos. Isso poderia ser evitado. Assim, como os aumentos de sal�rios de policiais, que est�o desencadeando greves e reivindica��es de outras categorias”, destaca o economista Sim�o Davi Silber, professor da Universidade de S�o Paulo (USP).

Arte sobre Evolução do resultado das contas públicas
(foto: Arte/Paulinho Miranda)


Meta de super�vit

Desde 2014, quando passou a registrar deficit prim�rio, o Brasil deixou de lado a principal �ncora fiscal em vigor, a meta de superavit prim�rio (economia para o pagamento dos juros da d�vida p�blica). Os rombos consecutivos colocaram contra a parede outra �ncora de quem poucos se lembravam que existia na Constitui��o: a emenda da regra de ouro, que pro�be o governo de emitir t�tulos da d�vida p�blica para cobrir despesas correntes, como sal�rios e aposentadorias.

O teto de gastos, aprovado em 2016, segundo alguns analistas “sem paredes”, acabou ajudando a preservar a confian�a do mercado de que havia algum compromisso para evitar a explos�o dos gastos p�blicos e, at� mesmo, na redu��o dos juros b�sicos para o piso hist�rico de 2% ao ano em 2020. 

A pandemia n�o ajudou em 2020 e fez os gastos p�blicos explodirem em todo o mundo, mas, agora, quem assumir o governo em 2023 ter� que arrumar o estrago deixado por Bolsonaro provocado pela PEC dos Precat�rios e pela farra das emendas do relator. E a heran�a maldita nas contas p�blicas, lembram analistas, dever� ser pior do que a deixada pelo governo Dilma Rousseff (PT), diga-se de passagem, pois a d�vida p�blica bruta estava em 65,5% do PIB, em 2015.

Em 2020, chegou a 88,8% do PIB, e as estimativas s�o de disparada da d�vida p�blica se n�o houver �ncoras fiscais capazes de segurar o endividamento em bola de neve que pode ocorrer com as pedaladas de precat�rios e do aumento de gastos com vi�s populista e sem a preocupa��o de impacto na atividade.

“Por enquanto, nenhum pr�-candidato tem um plano econ�mico consolidado e deve lan�ar vers�es para a plateia. Falar de ajuste fiscal n�o garante voto e n�o vai adiantar a mesma ladainha de que � preciso fazer reforma e privatizar para fazer ajuste fiscal. � preciso crescimento do PIB e isso s� acontece se houver investimento p�blico. E, para isso, � importante olhar e ver o que os outros pa�ses est�o fazendo, inclusive, os governos de centro, como a Fran�a, a Alemanha e a Espanha, e olhar para os livros de hist�ria e ver como os pa�ses europeus sa�ram da Segunda Guerra Mundial. Os governos est�o aumentando o investimento e o Brasil parece estar em um mundo paralelo”, explica Oreiro.

“Para o Brasil crescer, ser� preciso retomar o investimento p�blico. Mas isso n�o vai acontecer se o Congresso sequestrar o Or�amento e o dinheiro que poderia ir para isso for para emendas parlamentares”, alerta. Para ele, o governo Bolsonaro conseguiu “legalizar a corrup��o”, com a cria��o das emendas do relator, que n�o revelam quem s�o os verdadeiros beneficiados. O especialista em contas p�blicas e consultor do Senado Federal Leonardo Ribeiro, reconhece que o teto de gastos “perdeu efetividade”.

“Eu n�o diria que a regra acabou, mas discutir uma nova regra fiscal em um momento de elei��o n�o � bom porque � impopular e acaba influenciando essa discuss�o. Vejo muitas incertezas no campo institucional que decorrem das elei��es”, analisa.

Ele reconhece que o momento de se fazer um ajuste fiscal � no in�cio de um mandato, porque o capital pol�tico � favor�vel nesse sentido. “Os governos sempre come�am com uma consolida��o fiscal e, no �ltimo ano, acabam flexibilizando um pouco”, frisa. Na avalia��o de Ribeiro, al�m das incertezas no campo institucional, h� os riscos do cen�rio externo.

“A infla��o global, chegando a 7% nos Estados Unidos, traz consequ�ncias para o mundo inteiro e vejo a pandemia, com essa nova variante �micron, podendo influenciar mais o fiscal, e, provavelmente,vamos ver a possibilidade de entrar no radar novos cr�ditos extraordin�rios no combate � pandemia, e a discuss�o dessa nova regra fiscal em um contexto pand�mico, que � adicional, � preocupante”, alerta.

Exemplo alem�o

Um modelo de �ncora fiscal que o Brasil poderia adotar � o da Alemanha, estabelecido depois da crise de 2008, de acordo com Oreiro, da UnB. A regra � bastante sofisticada, com limites para a d�vida p�blica e que envolve uma avalia��o do resultado fiscal estrutural, destaca o economista Leonardo Ribeiro.

“Estamos falando de uma regra que d� aten��o para os ciclos econ�micos e para como o PIB performa em rela��o ao PIB potencial”, explica o consultor do Senado. Isso precisaria ser melhor compreendido para depois ser adaptado no Brasil.

“Essa regra est� sendo discutida. Ali�s, a Europa est� rediscutindo as �ncoras fiscais e precisamos ficar atentos a essa discuss�o tamb�m”, aconselha. Ribeiro lembra que, em 2015, o projeto de lei que tratava do limite para a d�vida p�blica proposto pelo senador Jos� Serra (PSDB-SP), poderia ser um bom “ponto de partida” nessa discuss�o, a fim de resgatar a ideia original da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“O sucesso de uma nova �ncora vai depender de como a regra ser� desenhada, porque � preciso colocar no papel a sinaliza��o que envolva a seguran�a jur�dica e uma compreens�o do que � a regra. O pessoal fala que a LRF n�o � cumprida, mas a vejo como um par�metro que norteia toda essa discuss�o da quest�o fiscal. Alguns dispositivos merecem aten��o e uma regulamenta��o infralegal, porque s�o complexos. Mas eu vejo a LRF como a verdadeira �ncora fiscal do pa�s”, complementa Ribeiro. 

O especialista em contas p�blicas Jos� Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e um dos autores da LRF, n�o acha que o Brasil precisaria copiar o modelo de outros pa�ses, “embora sempre deva avaliar li��es, para melhorar o pr�prio modelo”. “O Brasil era tido como um modelo de regras fiscais, reconhecido por especialistas e por organismos internacionais, inclusive recomendado para outras federa��es e para economias emergentes”, explica. 

Afonso lamenta o fato de que, no Brasil, as leis e as regras n�o s�o cumpridas e acredita que, se mudar o modelo, por si s�, n�o h� garantia de que ele ser� respeitado.  “Em um pa�s em que autoridades m�ximas parecem n�o ver problemas que algumas crian�as possam morrer apesar de se saber que elas poderiam ser vacinadas e como tal protegidas, porque esperar que as mesmas autoridades cumpririam regras fiscais? Quem n�o respeita a vida, porque respeitaria o modelo fiscal?”, questiona.

Equil�brio ajuda a atrair investimento  

Um pa�s que consegue equilibrar as contas p�blicas � considerado um bom lugar para os investidores estrangeiros. N�o � toa, desde que come�ou a registrar deficit prim�rio nas contas p�blicas, em 2014, o Brasil perdeu o grau de investimento – selo de bom pagador e os t�tulos p�blicos hoje s�o classificados como “lixo” no mercado externo desde 2015.

De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas (FGV Ibre), a mudan�a das regras fiscais �s v�speras de um ano eleitoral foi muito ruim para a imagem do pa�s e do governo para os investidores.

Ela refor�a que isso vai prejudicar a confian�a do setor produtivo, limitando o investimento privado neste ano, diante da mudan�a de mais uma regra quando ela se torna impeditiva para os objetivos pol�ticos.

“Toda vez que o sapato aperta, o governo troca o sapato. A quest�o fiscal � importante. E o ambiente macroecon�mico n�o est� favor�vel para gerar condi��es para um crescimento mais robusto e isso afeta o investimento, porque h� muita instabilidade e n�o h� previsibilidade, especialmente, em ano eleitoral”, destaca.

 O diretor-executivo da Institui��o Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, tamb�m faz um alerta para o desequil�brio fiscal que est� em curso. 

“O quadro fiscal � desafiador. Com as mudan�as profundas nas regras do jogo, a partir das emendas 113 e 114, derivadas da PEC dos precat�rios, o pr�ximo governo ter� de harmonizar as diferentes legisla��es e normas na �rea de contas p�blicas e fixar objetivos claros. N�o � uma miss�o imposs�vel, mas requerer� bom diagn�stico e planejamento”, afirma.

Conforme dados levantados pelo economista Gil Castello Branco, secret�rio-geral da Associa��o Contas Abertas, as emendas parlamentares tiveram um crescimento espantoso nos �ltimos anos, passando de R$ 7,3 bilh�es, em 2016, das quais R$ 3,6 bilh�es foram efetivamente pagos, para R$ 31,7 bilh�es, em 2021, dos quais R$ 24,9 bilh�es foram efetivamente pagos. As emendas do relator passaram a existir no Or�amento de 2020, passando de R$ 19,7 bilh�es, naquele ano, para R$ 15,2 bilh�es, em 2021.

Para este ano, a previs�o � de R$ 16,5 bilh�es, que somados aos R$ 21,3 bilh�es previstos na pe�a or�ament�ria aprovada pelo Congresso, apenas as emendas parlamentares somam R$ 37,8 bilh�es.  “Essas emendas do relator n�o existiam at� 2019 e, agora, elas consomem um grande percentual dos recursos do Or�amento e n�o sabemos com transpar�ncia para onde esse dinheiro � destinado e se ele vai contribuir para a retomada da atividade econ�mica”, alerta Castello Branco.

Problema estrutural

O economista Jos� Luis Oreiro, professor da Universidade de Bras�lia (UnB), n�o poupa cr�ticas �s emendas do relator roubando espa�o dos investimentos e destaca que existe um problema estrutural grave que limita o crescimento do pa�s. E esse problema, segundo ele, j� existia mesmo antes da pandemia da COVID-19, o pa�s n�o tinha se recuperado da recess�o de 2015 e 2016 e vinha crescendo por volta de 1% e deve voltar a esse ritmo.

“H� restri��es externas para o crescimento. O deficit em conta-corrente estava em 3% do PIB mesmo com o pa�s crescendo pouco. O aumento com a alta dos pre�os de commodities, que ajudaram nas exporta��es em 2021, o saldo negativo foi reduzido, mas o super�vit n�o veio na conta corrente do setor externo. E, agora, se o pa�s crescer 2%, o d�ficit vai para 4% ou mais, que � padr�o para uma crise no balan�o de pagamentos”, alerta Oreiro.    


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