
Com trajet�ria recente de mortes, acidentes e inseguran�a para moradores que residem em seu entorno, o Aeroporto Carlos Prates, no Bairro Padre Eust�quio, na Regi�o Noroeste de Belo Horizonte, conviveu tamb�m com um hist�rico de preju�zos para a Uni�o. Nos �ltimos anos, um d�ficit de R$ 23,7 milh�es aos cofres do governo federal pressiona o Executivo ainda mais para sua desativa��o, marcada para maio. Segundo relat�rio divulgado pela Infraero, o d�ficit do terminal se acentuou desde a pandemia do coronav�rus, com valores negativos na casa dos R$ 6,2 milh�es desde o come�o de 2020. Projeto de transformar o local em parque � defendido na comunidade. A prefeitura fala em reabertura de forma rent�vel.
As perdas financeiras v�m desde 2014, quando houve redu��o de 11,5% em sua receita, al�m da queda de 43,2% na movimenta��o e aumento acumulado de 9,5% no custo total. Desde sua inaugura��o, em janeiro de 1944, o terminal tem sua hist�ria associada a uma s�rie de trag�dias e � preocupa��o das comunidades pr�ximas, que vivem o medo di�rio do risco de queda de aeronaves. Entre acidentes registrados em �rea urbana de Belo Horizonte desde 2008, apenas um n�o envolveu aeronave que tenha decolado do terminal.
Atualmente, o aeroporto abriga o Aeroclube do Estado de Minas Gerais, dedicado � forma��o de pilotos, avia��o desportiva, manuten��o, instru��o e constru��o de aeronaves. A desativa��o do espa�o estava agendada para 31 de dezembro, por�m o Minist�rio da Infraestrutura publicou portaria na v�spera de Natal adiando o fim das atividades para 1° de maio pr�ximo.
“Com a desativa��o do aeroporto, por parte da Infraero, cessam as despesas com pessoal e manuten��o envolvida na opera��o do aeroporto”, diz a Infraero, em comunicado. O terreno que abriga o campo de avia��o, de posse do governo federal, ser� repassado � Secretaria de Patrim�nio da Uni�o (SPU), que dar� destina��o aos 547 mil metros quadrados. H�, na comunidade, defesa da constru��o de um parque ecol�gico e de espa�o para preservar a mem�ria da avia��o. Paralelamente, a Prefeitura de Belo Horizonte, que d� mostras de interesse na �rea, cr� que postergar o fechamento do aeroporto pode ajudar na estrutura��o de projeto para uma reabertura “eficiente”.
No governo federal, a entrega da �rea � iniciativa privada, quando aventada, n�o diz respeito � constru��o de pr�dios. Isso � o que garante Diogo Mac Cord, secret�rio especial de Desestatiza��o, Desinvestimento e Mercados do Minist�rio da Economia. “N�o falamos em lotear aquela �rea, em transformar aquilo em mais um ‘paliteiro’ de pr�dios. Falamos em criar um bairro novo que, no fim das contas, traga benef�cios � sociedade local, com entrega de equipamentos p�blicos que s�o absolutamente necess�rios �quele entorno.”
Em 2020, a Uni�o procurou o governo de Minas e a Prefeitura de BH, que n�o mostraram interesse em assumir a �rea. Por�m, o quadro mudou e o Executivo municipal cogita manter o aeroporto com patroc�nio de entidade vinculada � avia��o, que quer o aer�dromo como escola de pilotos.
Um dos entusiastas da possibilidade � o vice-prefeito Fuad Noman (PSD). “N�o d� para fazer grandes empreendimentos imobili�rios l�. Parque, d�. Agora, parques e jardins n�o geram retornos a um fundo de investimentos que vai aportar l� R$ 300 milh�es. S� poder�amos fazer isso (�reas verdes) se tiv�ssemos os recursos para fazer os servi�os p�blicos e a mobilidade que a regi�o necessita. Como n�o temos, estamos pensando em fazer o melhor uso do aeroporto como um todo”, disse ele em audi�ncia na C�mara dos Deputados para discutir a destina��o do aeroporto.
Em novembro, a PBH remeteu of�cio ao Minist�rio da Infraestrutura detalhando as inten��es. De parte a parte, em Belo Horizonte, a avalia��o � que a constru��o de pr�dios n�o � vi�vel. A mudan�a de opini�o da prefeitura sobre a destina��o, no entanto, surpreendeu moradores e defensores da possibilidade de transformar as terras em um espa�o ecol�gico.
“� uma postura antipopular da prefeitura. A comunidade est� disposta a dialogar com a prefeitura, a fim de mostrar que o melhor caminho � a desativa��o do aeroporto e transformar a �rea em um grande parque ecol�gico”, sustenta, ao Estado de Minas, a vereadora Duda Salabert (PDT). A parlamentar, presidente da Comiss�o de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Pol�tica Urbana na C�mara Municipal de BH, j� se reuniu com o prefeito Alexandre Kalil (PSD) a fim de debater as formas de uso do espa�o.
O Coletivo Cultural Noroeste BH abriu espa�o para envio de sugest�es sobre a destina��o. A maior parte das hip�teses est� ligada � implanta��o de �reas verdes, destinadas � preserva��o e � pr�tica esportiva. Oitenta e quatro por cento dos participantes da pesquisa p�blica s�o favor�veis � municipaliza��o do terreno.
Representante do coletivo, Tha�s Novaes destaca que os moradores da regi�o sentem a necessidade de um projeto de reflorestamento no espa�o, j� que a regional tem menos de 2% de cobertura vegetal, segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte.
Um contrato entre o munic�pio e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportu�ria (Infraero) viabilizou a constru��o de um parque ecol�gico nas proximidades do aeroporto. O t�rmino do acordo, no entanto, gerou o abandono do equipamento.
REPARA��O
“O que a gente gostaria � que aquelas constru��es que existem ali, nos hangares, fossem aproveitadas para construir um Museu da Aeron�utica e Aeroespacial, que contasse a hist�ria da aventura do homem no espa�o. Seria um local de educa��o, onde as escolas poderiam levar as crian�as. Uma �rea que pudesse ser usada para entretenimento, como caminhada, bicicleta, skate e futebol, al�m da �rea verde, para melhorar a qualidade de vida da cidade”, enumera Tha�s, que defende a manuten��o da pista do aeroporto como patrim�nio.
A ideia de um museu consta, tamb�m, nos planos da prefeitura. Para Duda Salabert, a substitui��o do aer�dromo por um parque ecol�gico representaria “repara��o” � comunidade pelos impactos causados pelos avi�es que riscam o c�u. “Primeiro, uma repara��o em rela��o aos acidentes que ocorreram e traumatizaram a comunidade, � polui��o sonora e ao transtorno. Repara��o, tamb�m, porque a Regi�o Noroeste � a �rea menos arborizada de BH.”
O adiamento do fechamento dos port�es, contudo, d� esperan�as � PBH para detalhar os planos para o aeroporto. “� um projeto em que o aeroporto passa a ser rent�vel, a ter servi�os p�blicos, Corpo de Bombeiros — uma s�rie de outros benef�cios � comunidade — e permanecem as atividades que l� est�o”, observou Fuad.
Apesar dos desejos da gest�o municipal, Duda Salabert confia na revers�o do cen�rio. “Vamos estabelecer um di�logo e mostrar como esse aeroporto � um dos maiores problemas da Regional Noroeste. Temos certeza de que, a partir dessa conversa, o vice-prefeito vai mudar de ideia”, cr�. “Se a prefeitura tomar outro rumo, sou moradora do bairro e acredito que haver� um grande levante popular, uma manifesta��o como h� muito tempo n�o se v� em BH.”
SEQU�NCIA DE PERDAS
Os preju�zos do Aeroporto Carlos Prates ano a ano (em R$)
» 2014 - 1.634.888,30
» 2015 - 2.743.441,59
» 2016 - 3.323.465,94
» 2017 - 2.390.556,44
» 2018 - 3.753.825,62
» 2019 - 3.678.967,26
» 2020 - 4.454.596,02
» 2021* - 1.769.249,68
» Total - 23.748.987
*At� novembro

Vizinhos dizem viver com medo de quedas
“Sensa��o de al�vio e felicidade.” Foi assim que a professora Soraya Barbosa Batista, de 50 anos, recebeu a not�cia inicial de que o Aeroporto Carlos Prates, com 15 mil pousos e decolagens entre janeiro e outubro de 2021, seria desativado. Soraya mora no Bairro Monsenhor Messias e sempre foi vizinha do terminal. Da janela de seu apartamento, v� a cabeceira da pista, onde um avi�o j� se acidentou ao cair do barranco.
“Fico pensando o perigo que estamos correndo no pr�dio. Imagina uma pane que aconte�a? A quantidade de moradores aqui. Vi que foi no barranco. E se fosse aqui? A gente fica � merc� da sorte. � Deus cuidando”, descreve.
Soraya tamb�m contou que no �ltimo acidente registrado, em outubro de 2019 (leia ao lado), sua filha estava dentro de um �nibus que passava pr�ximo � Rua Minerva, onde aconteceu a trag�dia, deixando quatro mortos e dois feridos. “Ela tinha acabado de passar e ouviu um estrondo. A gente convive com esse medo de cair, com o barulho insuport�vel. Atrapalha reuni�es, aulas. Principalmente durante a pandemia”, completa.
A tamb�m professora F�tima Porto, de 67, mora no Bairro Jardim Montanh�s. Assim como Soraya, reclama do ru�do das aeronaves, que passam a baixa altitude sobre sua casa. “� muito preocupante, porque como moramos perto, os avi�es passam muito baixo. Toda hora em que passa um, a gente come�a a tremer. At� a parede treme”.
A tend�ncia � que as opera��es do Carlos Prates sejam transferidas para o aeroporto da Pampulha, tamb�m em BH, e para Par� de Minas, no Centro-Oeste do estado. Tha�s Novaes reconhece a import�ncia das escolas de avia��o, mas defende que elas sejam instaladas em outros locais. “Entendo a necessidade de as escolas terem um aeroporto que possa ser usado para ensinar os aviadores. Acontece que esse aeroporto tem que oferecer seguran�a para alunos, instrutores e moradores do entorno. Que n�o seja nesse local, mas, sim, em um aeroporto adequado.”

Hist�rico de acidentes com pequenos avi�es
Em 2019, duas aeronaves de pequeno porte ca�ram na Rua Minerva, no Bairro Cai�ara. No primeiro acidente, em abril, um avi�o colidiu com um poste em meio a dezenas de moradias. O piloto morreu na hora. Uma testemunha disse que o aviador conseguiu desviar a aeronave de um pr�dio antes de ir ao solo. J� em outubro, quatro pessoas perderam a vida e outras duas ficaram feridas ap�s a queda do avi�o de prefixo PR-ETJ, que saiu do Carlos Prates e seguia com destino a Ilh�us (BA).
Outras duas quedas foram registradas em 2014. Em uma delas, um monomotor atingiu o telhado de uma casa pr�ximo � Avenida Pedro II e feriu duas pessoas. Em outra, o avi�o atingiu um muro na marginal do Anel Rodovi�rio. Neste �ltimo caso, o piloto foi socorrido com trauma de t�rax e escoria��es no rosto. A aeronave faria um pouso de emerg�ncia no Carlos Prates, uma vez que o plano original era ir ao aeroporto da Pampulha. No entanto, o aparelho n�o chegou at� a pista.
Em outras situa��es, os avi�es pararam em um barranco, no fim da pista do aeroporto. Em maio do ano passado, uma pane mec�nica fez um Cessna escorregar at� uma �rea de vegeta��o pr�xima de casas. As duas pessoas que estavam no avi�o n�o se feriram. Em 2012, outra aeronave caiu no barranco. O piloto, �nico ocupante do equipamento, saiu ileso.
J� em setembro de 2008, um avi�o de pequeno porte caiu no telhado de um dep�sito de materiais no Jardim Montanh�s, instantes depois de decolar do Aeroporto Carlos Prates. O galp�o pegou fogo ap�s o impacto. Tr�s pessoas ficaram feridas.