(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas BBC

O desespero de uma motorista de aplicativo com aumento dos combust�veis

Alta de 19% da gasolina nas refinarias e falta de reajuste de tarifas pelas empresas de aplicativos est�o tornando a profiss�o invi�vel, avalia a categoria


11/03/2022 21:36 - atualizado 11/03/2022 21:36

Ana Paula Aparecida de Oliveira
Ana Paula Aparecida de Oliveira � motorista de aplicativo (foto: Arquivo Pessoal)
"Todo dia, amor, todo dia. D� desespero, d� vontade de chorar, a conta n�o fecha, a manuten��o do carro � cara, porque roda muito. � desespero todo dia."

 

Assim a motorista de aplicativo Ana Paula Aparecida de Oliveira, de 38 anos, responde quando questionada se pensa em desistir da profiss�o, ap�s mais um reajuste de combust�veis.

Na quinta-feira (10/3), a Petrobras anunciou alta de 25% do diesel, 19% da gasolina e 16% do g�s de botij�o, v�lidos a partir da sexta-feira nas refinarias e distribuidoras.

 

Na gasolina, economistas estimam que o combust�vel vendido pela estatal representa cerca de 33% do pre�o, ent�o a alta de 19% nas refinarias deve resultar em aumento de 6,2% na bomba.

 

A nova alta vem depois de um aumento de 47% nos pre�os da gasolina em 2021, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).

 

Em muitos postos de combust�vel em algumas regi�es do pa�s, a gasolina j� est� sendo vendida acima dos R$ 7 por litro nesta sexta-feira.

 

"Esse reajuste foi um susto muito grande, porque j� est� complicado, n�s n�o temos muitos ganhos, essa pandemia afetou muita coisa", conta Ana Paula, que � motorista h� seis anos e vice-presidente da AMMA (Associa��o de Mulheres Motoristas de Aplicativos).

 

"Agora que as coisas est�o come�ando a voltar ao lugar, quando voc� acha que est� estabilizando, vem essa bomba com o aumento do combust�vel. Voc� fica sem norte, realmente perdida", afirma.

 

Com um carro 1.0, Ana Paula gasta cerca de R$ 120 por dia em combust�vel, para trabalhar 12 horas - limite imposto pela Uber aos motoristas desde mar�o de 2020.

 

Por m�s, s�o R$ 3.200 de gasto s� com combust�vel, que se soma ainda � troca peri�dica de �leo e pastilhas de freio, al�m de R$ 1.100 da parcela do carro e R$ 400 do seguro, mais caro para motoristas de aplicativo devido ao maior risco envolvido na profiss�o.

 

Assim, o aux�lio-gasolina aprovado na quinta-feira pelo Senado, de R$ 300 para motoristas de aplicativo e taxistas, n�o seria suficiente sequer para encher um tanque de combust�vel, o que para o carro econ�mico de Ana Paula custa cerca de R$ 315 e dura pouco mais de dois dias.

 

Al�m disso, com a perspectiva de serem priorizados para recebimento do aux�lio os benefici�rios do programa Aux�lio Brasil (que � destinado a fam�lias com renda de at� meio sal�rio m�nimo por pessoa ou at� tr�s sal�rios m�nimos de renda mensal total), Ana Paula n�o tem esperan�a de receber o benef�cio.

 

"Esse aux�lio n�o vai ser compat�vel com a nossa renda, n�s ganhamos a mais, ent�o n�o vai adiantar de nada no nosso caso", lamenta a motorista.

Divorciada e m�e de dois filhos, de 19 e 14 anos, Ana Paula diz que n�o desiste porque depende da renda que obt�m dirigindo para ajudar o filho mais velho com os materiais da faculdade e sustentar integralmente o mais novo.

 

"Eu teria que trabalhar mais horas para ganhar mais, mas com o aumento do combust�vel, n�o sei se compensa, se a conta vai fechar. Eu j� trabalho das 20h �s 8h da manh�, �s vezes vou at� �s 10h da manh�. Qual hor�rio mais que eu vou trabalhar? Como eu vou dormir? Isso vai repercutir na minha sa�de, n�o � s� a quest�o de tempo para ficar com os meninos, eu sou gordinha, posso ter problema de circula��o. � dif�cil, muito dif�cil, bate o desespero."

Teto de pre�os

Ana Paula acredita que, al�m do benef�cio aprovado pelo Senado, o governo deveria agir para impedir uma alta t�o grande dos combust�veis.

 

"Se eles estabelecessem um teto, n�o deixassem subir, isso ia fazer toda a diferen�a", acredita a motorista.

 

Na quarta-feira (9/3), o ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou a possibilidade de congelamento de pre�os pela Petrobras.

 

A possibilidade vinha sendo discutida desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou a pol�tica de pre�os da estatal, cujos reajustes s�o atrelados � varia��o do pre�o do barril de petr�leo no mercado internacional e ao d�lar.

 

Na quinta-feira, ap�s o an�ncio do que vem sendo chamado de "mega-aumento" da Petrobras, Guedes admitiu a possibilidade de o governo subsidiar os combust�veis, caso a guerra na Ucr�nia se prolongue, mantendo o valor do barril pressionado por mais tempo.

"Vamos nos movendo de acordo com a situa��o", disse Guedes. "Se isso [a guerra] se resolve em 30 ou 60 dias, a crise estaria mais ou menos endere�ada. Agora, vai que isso se precipita e vira uma escalada? A� sim voc� come�a a pensar em subs�dio para o diesel."

 

Na quinta-feira, al�m do novo aux�lio-gasolina, o Senado aprovou uma s�rie de outras medidas para tentar conter a alta dos combust�veis.

 

Entre elas, est�o a mudan�a na cobran�a do ICMS, que passar a ter al�quota �nica e um valor fixo por litro de combust�vel; e a cria��o de uma conta de compensa��o para estabilizar o pre�o dos combust�veis, usando para isso recursos como os royalties de petr�leo - royalties s�o valores pagos pelas petroleiras � Uni�o e governos locais para explorar o �leo.

 

Segundo Guedes, esse fundo que poder� ser usado em caso de necessidade, mas ele descartou o acionamento do instrumento neste momento. As medidas aprovadas no Senado precisam ainda passar pela san��o de Bolsonaro.

'Aplicativos precisam reajustar tarifas'

Eduardo Lima de Souza, presidente da Amasp (Associa��o de Motoristas de Aplicativos de S�o Paulo), defende que as empresas de aplicativos, como Uber e 99, precisam reajustar tarifas o mais r�pido poss�vel para compensar a alta de custo dos motoristas com combust�veis.

 

"O combust�vel � o insumo principal para a gest�o desse sistema, o motorista est� altamente entregue a ele. Tivemos 11 aumentos [de combust�veis] em 2021 e agora, de uma vez s�, 18,8% de aumento na gasolina. Isso prejudica altamente, diminui os lucros do motorista", afirma Souza.

 

Ele observa que os motoristas est�o trabalhando no limite, aumentando suas cargas hor�rias para ter lucro e selecionando corridas para evitar as menos rent�veis, o que gera desconforto entre os passageiros, que enfrentam muitas vezes seguidos cancelamentos at� conseguirem um motorista que aceite uma corrida mais curta.

 

"A gente n�o tem mais o que espremer, n�o tem mais para onde correr. As plataformas devem fazer um reajuste nas tarifas o mais r�pido poss�vel. Isso � car�ter de emerg�ncia, porque, se n�o, o motorista n�o vai aguentar", diz o representante da categoria.


Mulher abastece carro em posto
Gasolina teve alta de 19% nas refinarias (foto: Reuters)

 

Procurada, a 99 respondeu que vai providenciar aux�lios pr�prios para tentar amortecer o aumento.

 

"A 99, mantendo seu compromisso em cuidar de seus parceiros, passar� a oferecer uma compensa��o financeira pela nova escalada no valor dos combust�veis. O objetivo � anular o �ltimo aumento anunciado para o litro da gasolina e por isso reajusta em 5% o km rodado no ganho do motorista de todo o pa�s", afirmou a empresa, em nota.

 

Al�m disso, "est� testando uma solu��o de subs�dio para acompanhar automaticamente as flutua��es dos combust�veis, tanto para cima quanto para baixo".

 

"Al�m desse reajuste, o pacote Mais Ganhos 99, com medidas como o Taxa Zero que oferece aos condutores 100% do valor das corridas em per�odos e cidades espec�ficas, al�m de mais ganhos com o recebimento por taxa de congestionamento, e taxa de deslocamento continuam vigentes. H�, inclusive, casos em que � empregada a taxa negativa, ou seja, o valor repassado ao motorista � maior que o pago pelo passageiro e esta diferen�a � custeada pela empresa para democratizar o acesso das pessoas", acrescentou a 99.

 

A Uber n�o respondeu ao pedido de posicionamento at� a publica��o dessa reportagem.

O presidente da Amasp considera que o reajuste de tarifas implementado pelos aplicativos em 2021, em resposta � alta dos combust�veis naquele ano, foi insuficiente.

 

"Foi um aumento de 10% que, na pr�tica, o motorista nem sentiu. Precisamos de um aumento que acompanhe pelo menos essas altas que tivemos nos combust�veis, n�o estou nem considerando todos os outros custos que subiram com a infla��o", diz Souza.

 

As empresas argumentam que n�o podem elevar demais as tarifas, pois isso afastaria os usu�rios, mas Souza observa que a redu��o do n�mero de motoristas tamb�m prejudica os passageiros e as pr�prias empresas.

 

A Amasp estima que, entre o in�cio de 2020 e agosto de 2021, 25% dos motoristas de aplicativos de S�o Paulo deixaram de trabalhar para as plataformas. Segundo a entidade, o n�mero foi calculado a partir de uma base de dados da prefeitura, que mostra que o n�mero de motoristas cadastrados caiu de 120 mil para 90 mil no per�odo.

 

Desde agosto, Souza avalia que esse n�mero se manteve est�vel, com menos motoristas deixando a atividade, devido � melhora do movimento com o avan�o da vacina��o.

 

Mas, com o reajuste de combust�veis dessa semana, ele afirma que muitos motoristas voltaram a falar em desistir. "Muitos est�o cogitando abandonar os aplicativos, porque a situa��o est� insustent�vel", diz o presidente da associa��o.

 

Segundo Souza, com os custos de gasolina, troca de �leo, manuten��o, seguro, pagamento de presta��o ou do aluguel do carro e alimenta��o fora de casa, um motorista tem atualmente gastos de R$ 5,5 mil a R$ 6 mil.


Homem troca preço em posto
Aumento afeta toda a economia (foto: Reuters)

 

"Um motorista hoje, para garantir a perman�ncia dele no sistema, tem que fazer uma m�dia de R$ 8,5 mil a R$ 9 mil. Ent�o um aux�lio de R$ 300 n�o resolve, n�o tem como", avalia.

 

O presidente da Amasp afirma que, at� 2017, um motorista conseguia sobreviver trabalhando de oito a dez horas. Entre 2017 e 2019, a carga passou a 12 a 13 horas di�rias, para garantir um sustento m�nimo.

 

Em 2020, a Uber implementou uma ferramenta para impedir os motoristas de trabalharem mais de 12 horas por dia. Mas os condutores muitas vezes burlam o bloqueio trabalhando com outras plataformas para esticar a jornada.

 

"Atualmente, os motoristas chegam a trabalhar quase 17 horas para tentar obter lucro. Isso n�o � razo�vel para o trabalhador", avalia. "Os motoristas n�o t�m mais vida, eles vivem s� para trabalhar. Enquanto as empresas fazem bilh�es, eles acabam com suas vidas."

Transporte executivo

Mesmo quem deixou as plataformas e passou a trabalhar por conta est� desnorteado com o mega-reajuste da gasolina.

 

Esse � o caso de Paulo Angeline, de 63 anos e motorista h� 15 deles. Atualmente, ele tem uma microempresa individual de transfer executivo.

"Meu gosto com gasolina � di�rio. Eu rodo na faixa de 200 km por dia, ent�o meu gasto di�rio � de cerca de R$ 250", conta Angeline.

 

Segundo o motorista, o transporte executivo ainda n�o recuperou a demanda anterior � pandemia, o que j� prejudica a renda. Com a alta da gasolina, seu lucro deve diminuir ainda mais.

 

"Vou ter que rever meus pre�os e repassar isso para o cliente. Mas o cliente nem sempre aceita, ele acha que, depois da pandemia, os pre�os ainda s�o os mesmos. Ent�o vamos ver como � que fica. Mas o sentimento existe, de que alguma hora posso ter que parar e me reinventar em outra atividade."

 

Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)