
De um lado, pessoas que querem voltar a sair de casa, comer, beber e sorrir. Do outro, bares e restaurantes que n�o viam a hora de proporcionar momentos felizes ao redor da mesa. E, claro, de retomar os neg�cios. Dois anos depois do in�cio da pandemia no Brasil, empres�rios do setor respiram mais aliviados e enxergam boas perspectivas com a queda das restri��es e o desejo do p�blico de se divertir fora de casa. E, al�m de quem j� estava estabelecido e conseguiu resistir � tempestade, o momento traz oportunidades para quem planeja abrir novos neg�cios. Tanto que a Capital dos Botecos j� tem mais empresas no ramo registradas agora do que tinha antes da pandemia.
N�o h� d�vida de que a crise gera boas oportunidades. A oferta de im�veis, a disponibilidade de m�o de obra qualificada e as lacunas deixadas no mercado acabam favorecendo novos investimentos. “Estamos na cidade criativa da gastronomia, ent�o sempre tem algu�m com novidade. Brinco dizendo que, quando vejo uma placa de 'Aluga-se', j� come�o a pensar o que d� para montar ali”, comenta o presidente da Associa��o Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) em Minas Gerais, Matheus Daniel.
Segundo dados da Abrasel-MG, atualmente, h� 14,5 mil empresas do setor registradas na capital, 2,5 mil a mais do que antes da pandemia, o que comprova o reaquecimento do mercado. Por�m, grande parte dos novos empreendimentos s�o de microempreendedores individuais (MEI), que acabam n�o gerando empregos. “Eu mesmo tive tr�s casos no meu restaurante de funcion�rios que n�o quiseram voltar a trabalhar porque viraram MEI”, conta Matheus, dono da Marmitaria BH, que trabalha exclusivamente com delivery (outra realidade p�s-pandemia).
A abertura de neg�cios vem ao encontro do desejo dos consumidores de se socializar depois de dois anos de restri��es. “Falo que bar e restaurante n�o vendem cerveja nem comida, vendem momento. Voc� vai fechar um contrato, marca um almo�o. Quer conquistar a namorada, sai para um jantar...”, comenta.
E basta dar uma volta pela cidade para perceber o tanto que os mineiros estavam �vidos por retomar a vida noturna. Polos gastron�micos da cidade, como a Avenida Fleming, na regi�o da Pampulha, a Rua Alberto Cintra, entre os bairros Uni�o e Cidade Nova, na Regi�o Nordeste, ou a Savassi, na Regi�o Centro-Sul, al�m da Avenida Oscar Niemeyer, no limite com Nova Lima, est�o lotados e com fila de espera, principalmente a partir de quinta-feira. Como observa Matheus, o que mais se v� nesses estabelecimentos s�o jovens, que est�o “com menos medo do resto de v�rus que existe”.
Esse � o cen�rio que faz todo o pessoal do setor voltar a sorrir e ter esperan�a, apesar de quase metade dos estabelecimentos ainda estarem operando com preju�zo e do alto �ndice de endividamento. Para sobreviver neste per�odo de pandemia, muitos empres�rios tiveram de recorrer a empr�stimos e se desfazer do seu patrim�nio. A estimativa da Abrasel-MG � de que eles levem de 15 a 20 anos para recuperar o que perderam, os cinco primeiros deles para pagar as d�vidas de financiamento.
Segundo Matheus, a situa��o deve melhorar quando ca�rem as duas �ltimas restri��es impostas pela pandemia: a proibi��o de manter pista de dan�a e de servir pessoas em p�. “Quanto menos restri��es, mais condi��es o estabelecimento tem de suportar as d�vidas, pagar seus custos, aumentar o faturamento e ter uma recupera��o mais consistente”, avalia. J� no caso dos restaurantes do dia a dia, o que mais prejudica o movimento � o home office, que diminui a circula��o de pessoas nas ruas.
Os s�cios da rede A Granel j� tinham o desejo de abrir um novo neg�cio, mas na pandemia essa expans�o virou necessidade. A op��o foi por uma loja de rua para aumentar o faturamento e honrar os compromissos, incluindo a d�vida com o governo relacionada � linha de cr�dito do Programa Nacional de Apoio �s Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). “Com a exce��o da loja do Cora��o Eucar�stico, todas as outras est�o em centros comerciais, onde o aluguel � proporcional ao faturamento e temos despesas fixas como condom�nio e fundo de promo��es”, explica a s�cia Cec�lia Ramirez.

Mais uma dose
Inaugurado h� menos de dois meses na Rua Fernandes Tourinho, Savassi, o Berilo � a mais nova marca do grupo, que soma 33 anos de mercado. Al�m das lojas A Granel, que est�o em cinco endere�os, fazem parte o Vila Francisca (aeroporto de Confins), o Bem Grelhados (Shopping Cidade) e o Bar do Querido (Cora��o Eucar�stico). Para a recente abertura, eles investiram em torno de R$ 2 milh�es e empregaram mais de 70 pessoas.O Berilo funciona no hor�rio do almo�o com buf� self-service, mantendo mais de 20 op��es de saladas e 20 de pratos quentes, carnes na churrasqueira e na parrilla, atendendo, em sua maioria, pessoas que trabalham na regi�o. A partir das 17h, o espa�o se transforma em bar com petiscos, drinques e uma programa��o musical que tem atra�do jovens. “Temos percebido, entre o p�blico da noite, o desejo de sair, circular, retomar a vida, se socializar. Ouvimos muito que, depois de tanto tempo dentro de casa, � uma alegria estar em um bar com amigos e comer algo diferente”, relata Cec�lia.
Na maior parte da semana, o bar e restaurante tem ficado lotado, o que faz com que Cec�lia e os s�cios projetem um futuro promissor: a expectativa � aumentar o n�mero de clientes e, consequentemente, o faturamento, para que, em dois anos, eles tenham o retorno do investimento. Nas outras casas, o movimento j� voltou a pelo menos 70% do que era registrado antes.

Setor ainda tem um card�pio de desafios
O setor de bares e restaurantes ter� muitos desafios pela frente, aponta o presidente da Abrasel-MG. Entre eles, Matheus Daniel enumera trabalhar com mais efici�ncia, reduzir custos e driblar a infla��o, j� que n�o d� para repassar aos clientes o aumento de pre�o dos alimentos. O objetivo dele tamb�m � incentivar o associativismo, que considera fundamental. “N�o � s� na dor que temos que nos juntar, temos que nos juntar no amor tamb�m. Enquanto n�o aprendermos que juntos podemos ir mais longe, mesmo que n�o seja t�o r�pido, vamos ter dificuldades.”
Al�m disso, Matheus lembra que h� metas para que BH mantenha o t�tulo de cidade criativa da gastronomia, entregue em 2019 pela Unesco, incluindo voltar a organizar festivais, que mostram a diversidade da cozinha. “Meu sonho � que BH seja uma outra Lima, a capital do Peru, que hoje � refer�ncia mundial em gastronomia”, projeta. Para isso, ele planeja investir na qualifica��o dos donos de restaurantes e mostrar a import�ncia de uma boa gest�o.
Outro projeto � dar cr�dito aos que est�o com o nome comprometido. O F�rum Permanente Mineiro das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Fopemimpe), do qual a Abrasel-MG faz parte, criou com o Sistema Ocemg um projeto de lei, que j� passou pela Comiss�o de Constitui��o e Justi�a da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para criar um fundo garantidor de negativados. Na pr�tica, seria emprestar dinheiro para que o empreendedor consiga limpar seu nome e se recolocar no mercado.
“Imagina um dono de restaurante que tinha 10 funcion�rios, quebrou na pandemia e est� com d�vidas, mas sabe trabalhar. Se estendermos a m�o e lhe dermos cr�dito, ele vai voltar a gerar emprego”, planeja Matheus. O projeto beneficiaria empres�rios de todos os setores e – claro – religaria luzes, recolocaria mesas e serviria mais drinques e petiscos nas ruas da Capital dos Botecos.
Corredores da gastronomia
Em outubro do ano passado, Gabriel Bezerra resolveu reformar a casa na Avenida Fleming onde funcionava a pizzaria Massa para reabrir o espa�o como o gastrobar Anoz. Al�m de mudar o conceito da cozinha, ele derrubou paredes, eliminou o fechamento de vidro e as grades da frente para criar um ambiente todo aberto. “No p�s-pandemia, as pessoas querem estar ao ar livre e se sentir com liberdade”, avalia. O investimento foi de R$ 250 mil.
O empres�rio � da fam�lia que desbravou a Avenida Fleming. H� quase 20 anos, o pai e os tios dele abriram o Fil�, depois veio o Massa (hoje Anoz) e o Sushi House. Por sempre acreditar nesse corredor gastron�mico, ele n�o se intimidou em fazer o investimento em um momento t�o incerto.
“Por mais receoso que estivesse, eu tinha certeza de que o mercado ia voltar muito aquecido, e foi o que aconteceu. O movimento foi s� aumentando e acho que vai melhorar cada vez mais. As pessoas ficaram dentro de casa e agora precisam voltar a viver”, analisa Gabriel, observando que todos os bares da avenida est�o abertos, e com fila de espera. Ele aguarda, ansioso, o dia em que o uso da m�scara ser� totalmente dispensado e as pessoas puderem ser recebidas no gastrobar com um sorriso.
Migra��o
O empres�rio Didio Mendes tem uma hist�ria diferente. Ele enxergou no setor de bares e restaurantes a oportunidade de n�o ser t�o dependente dos eventos, que at� ent�o eram o seu principal neg�cio. Em janeiro de 2021, quando ainda havia uma s�rie de restri��es, ele abriu o The Urbn no Vila da Serra, em Nova Lima. “N�s nos preparamos para a reabertura, por isso a ideia de abrir durante a pandemia, para aproveitar a demanda que ficou reprimida durante dois anos.”
A experi�ncia bem-sucedida com o The Urbn, que recentemente rendeu uma parceria com o japon�s Rokkon, agora respons�vel pelo card�pio, fez os olhos de Didio brilharem. Vendo espa�o para crescer e a falta de um restaurante de alta gastronomia na regi�o, ele idealizou o Ol�via, voltado para a cozinha mediterr�nea. As duas casas resultaram em um investimento total de R$ 6 milh�es (no Vila da Serra, � comum ter que comprar o ponto) e geraram 60 contrata��es.
Didio est� animado com os neg�cios e planeja mais uma casa em Nova Lima. Segundo ele, o mercado est� em um bom momento, considerando que boa parte do p�blico j� se sente segura para sair de casa, e a tend�ncia � de que o movimento aumente. “Estou satisfeito por empreender na gastronomia e agora vou voltar para os eventos. Depois da tempestade, vem a colheita.”