
Lisboa, Portugal — Radicada h� 16 anos em terras lusitanas, a economista brasileira Sandra Utsumi, diretora executiva do Banco Haitong, � hoje uma das refer�ncias no mercado portugu�s. Com uma vis�o sem paix�es, pragm�tica, da realidade, ela diz ver com tristeza o fato de o Brasil estar se transformando em um grande exportador de m�o de obra qualificada por n�o oferecer condi��es de vida adequadas, sobretudo, aos mais jovens.
"Muitas empresas da Europa est�o contratando jovens brasileiros que n�o t�m boas perspectivas em seu pa�s. O Brasil est� exportando capital humano, sua melhor m�o de obra. Vejo muitos professores universit�rios, jovens rec�m-formados, vindo trabalhar em Portugal, abrindo pequenas empresas, atuando no setor de tecnologia", diz a executiva.
E acrescenta: "H� uma fuga da classe m�dia do Brasil, que cada vez menos v� perspectivas de crescimento econ�mico, se depara com qualidade de vida que n�o avan�a. Por isso, prefere arriscar uma vida em outros pa�ses, mesmo que mais modesta".
Pelas proje��es do Banco Haitong, o Brasil crescer� apenas 0,8%, neste ano, e 0,3%, em 2023, nada muito diferente do que se viu na �ltima d�cada, quando o Produto Interno Bruto (PIB) avan�ou, em m�dia, 0,3% anualmente.
"� muito pouco para uma economia com o potencial da brasileira", diz Sandra. Ela acredita que o pa�s n�o conseguir� se livrar da recess�o que o mundo j� contratou, que deve se estender entre o �ltimo trimestre de 2022 e o primeiro de 2023. A contra��o econ�mica ser� combinada com infla��o ainda alta e juros subindo. A conta, enfatiza a executiva, ser� paga pelos consumidores, que ver�o o desemprego aumentar e a renda, cair.
Num momento em que o Congresso est� prestes a sancionar mais uma farra fiscal a favor do governo, com a PEC Eleitoral, a diretora executiva do Haitong diz que o desarranjo das contas p�blicas no Brasil tira toda a efetividade de reformas importantes como a trabalhista e a da Previd�ncia Social. Para ela, � preciso reduzir o tamanho do Estado na economia e melhorar os indicadores de produtividade. Esse � o caminho para que os investidores elejam o pa�s como porto priorit�rio para seus neg�cios e o crescimento da atividade seja sustentado. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio:
Em menos de um m�s come�am, efetivamente, as campanhas eleitorais no Brasil, que est� totalmente polarizado. Como os investidores estrangeiros est�o vendo o pa�s?
Os investidores estrangeiros olham o Brasil como olham para toda a Am�rica Latina. Sofrem com um problema de crescimento inst�vel e, institucionalmente, com as mudan�as. H� uma onda um pouco � esquerda na regi�o. N�o se sabe o que vai ocorrer no Brasil, e eu me abstenho de comentar quest�es pol�ticas. Mas a percep��o � de que, neste momento, independentemente da situa��o pol�tica, com o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e a imin�ncia de recess�o global, uma boa parte dos pa�ses emergentes deixa de ser atrativa.
Como se diferenciar neste momento?
Sempre h� necessidade de uma seguran�a institucional, um pa�s que promova reformas e siga toda aquela cartilha macroprudencial que n�s ouvimos falar h� d�cadas no Brasil. Sem esse tipo de agenda, � dif�cil se sobrepor a outros competidores. O Brasil tem uma grande vantagem, num momento em que as commodities (agr�colas e minerais) s�o necess�rias, em que o custo de energia afeta a todos. O pa�s tem uma capacidade de gera��o de energia pr�pria bastante vantajosa, comparado �s na��es desenvolvidas, e uma das maiores plataformas de agribusiness do mundo. Portanto, tem possibilidade de atrair capital nos segmentos que v�o crescer nesta fase que o mundo vive.
Nos �ltimos 10 anos, a m�dia de crescimento do Brasil foi de 0,3% ao ano. Isso n�o � muito pouco?
Realmente, � uma taxa de crescimento muito baixa. O Brasil deveria crescer, em termos reais, acima de 2% ou 3% ao ano. O avan�o que o pa�s viveu no boom do in�cio dos anos de 1970 e na �poca do Plano Real � algo pouco esperado. Mas, estruturalmente, o Brasil deveria, para competir com outros pa�ses emergentes, crescer consistentemente.
O Brasil conseguiu avan�ar e fez algumas reformas, como a trabalhista e a da Previd�ncia Social. Mesmo assim, o crescimento n�o decolou. Por qu�?
Essas reformas mitigaram uma parte do que � o custo Brasil. Mas a estrutura produtiva do pa�s carece de uma m�o de obra qualificada. H� uma defasagem muito grande em termos de educa��o, que prejudica a produtividade da economia. Os custos relacionados aos investimentos em infraestrutura s�o elevados. Um arcabou�o consistente de crescimento ao longo do tempo ainda n�o est� completo. Portanto, por mais que se fa�am reformas, o desenvolvimento que se v� no Brasil ainda � focado em regi�es espec�ficas. N�o h� um crescimento generalizado no pa�s.
E o que � poss�vel fazer, de mais curto prazo, para que o pa�s consiga deslanchar? Uma reforma tribut�ria, por exemplo, para reduzir essas desigualdades regionais?
Creio que h� necessidade de reformas do ponto de vista tribut�rio, do ponto de vista de agilidade de contratos, seja jur�dico, seja administrativo, seja de redu��o do tamanho do Estado na economia. Enfim, se formos olhar aqueles indicadores de competitividade que o F�rum Econ�mico Mundial faz, o Brasil n�o tem avan�ado como outros pa�ses emergentes para gerar um ambiente de investimento e desenvolvimento mais sustentado nos m�dio e longo prazos.
Esperava-se que essas reformas ocorressem com mais velocidade em um governo dito liberal, como o que est� no poder no Brasil. A agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, estava toda nessa linha. O que falhou?
O que se viu, apesar de avan�os, como marco regulat�rio do saneamento b�sico, foi que tivemos a pandemia da covid. Isso eliminou uma boa parte do que poderia ter sido investimentos no pa�s nos �ltimos dois anos. Al�m de tudo, o Brasil foi apanhado por um custo de investimento muito alto pelos pr�ximos dois anos, pelo menos, quando se olha para o movimento de alta mundial das taxas de juros. Ou seja, a rela��o custo-benef�cio encestou o Brasil e qualquer outro pa�s emergente que esteja exposto a um contraciclo global. Mais: o impacto de uma reforma n�o � imediato. Demora alguns anos para se refletir em produtividade da economia. Faz-se a reforma de um lado, mas h� o sucateamento da economia em outros aspectos. A deteriora��o fiscal � um ind�cio de que n�o adianta fazer somente uma reforma se, de uma forma global, n�o s�o abordadas as inefici�ncias do Estado brasileiro.
Dentro dessas inefici�ncias est� a educa��o, cuja qualidade no Brasil � baixa, basta ver a posi��o do pa�s nos rankings mundiais que medem o conhecimento dos estudantes. � poss�vel ver avan�o nesse sentido?
Em todos os pa�ses da �sia houve um avan�o muito grande da educa��o nos �ltimos anos. No caso brasileiro, realmente, n�o houve melhoras. H� alguns pontos isolados, como o aumento do n�mero de horas em que as crian�as ficam nas escolas, mas isso, para se refletir em aumento da produtividade da economia, n�o � de um dia para o outro.
A senhora v� a educa��o como prioridade no Brasil?
Em qualquer pa�s, se n�o houver aumento do n�mero de anos estudados, n�o h� crescimento sustentado da economia. Todas as pesquisas mostram que, a cada ano adicional de estudo, h� um incremento de renda familiar, especialmente no caso da educa��o feminina. Ent�o, h� a necessidade de o Brasil abordar, cientificamente, de olhar todos os casos no mundo em que houve investimento em educa��o, reter os estudantes no ensino fundamental e m�dio e melhorar o acesso ao ensino superior.
Esse � o caminho para reduzir as desigualdades sociais, com crescimento, certo?
Exato. O que vemos, muitas vezes, e, agora, com o baixo crescimento da economia do Brasil: muitas empresas da Europa est�o contratando jovens brasileiros que n�o t�m boas perspectivas em seu pa�s. O Brasil est� exportando capital humano, sua melhor m�o de obra. Vejo muitos professores universit�rios, jovens rec�m-formados, vindo trabalhar em Portugal, abrindo pequenas empresas, atuando no setor de tecnologia. H� uma fuga da classe m�dia do Brasil, que cada vez menos v� perspectivas de crescimento econ�mico, se depara com qualidade de vida que n�o avan�a. Por isso, prefere arriscar uma vida em outros pa�ses, mesmo que mais modesta.
O presidente do Banco Central disse, recentemente, que o pior da infla��o no Brasil j� passou, at� porque o pa�s fez um movimento antecipado de aumento de juros. Como v� isso?
O consumo das fam�lias perder� for�a no segundo semestre, quando os juros mais altos come�ar�o, efetivamente, a fazer efeito na economia. Normalmente, o aperto monet�rio se propaga na economia ao longo de seis, nove meses. Ent�o, at� o fim deste ano, vamos ver, principalmente, o cr�dito ao consumo ser mais modesto, o cr�dito �s empresas ser mais seletivo por parte dos bancos. Isso tira press�o sobre a infla��o. � importante lembrar que esse ciclo de infla��o que vivemos no mundo, neste momento, � de oferta. Existe press�o por parte do consumo, porque o desconfinamento trouxe a demanda para os n�veis pr�-pandemia. Nos �ltimos dois anos, tivemos uma deprecia��o da capacidade produtiva. Ou seja, voltamos aos n�veis pr�-pandemia no consumo, mas n�o temos a mesma infraestrutura produtiva, pois as empresas deixaram de investir, e o que existia, depreciou. Globalmente, o consumidor � confrontado com uma cadeia de suprimentos apertada. As empresas n�o conseguem fazer face aos n�veis de consumo pr�-pandemia. At� que ocorra o ajuste entre demanda e produ��o, demora. Ent�o, o que est�o fazendo os bancos centrais? Aumentam os juros para que o consumo seja mais modesto.
Al�m da pandemia, que ainda n�o acabou, h� a guerra entre a Ucr�nia e a R�ssia, que pega a quest�o alimentar e de energia. Como lidar com isso?
Pensar que R�ssia e Ucr�nia respondem por um quinto da produ��o de gr�os do mundo, � muita coisa, principalmente para na��es que dependem da importa��o de alimentos. H� v�rios pa�ses africanos que n�o cumprir�o �s san��es econ�micas impostas � R�ssia e v�o comprar alimentos de l�, porque precisam suprir a popula��o.
J� se fala em uma crise humanit�ria sem precedentes. O Brasil, por exemplo, voltou ao mapa da fome...
Eu espero que n�o enfrentemos essa crise humanit�ria. Globalmente, o mundo tem estoques reguladores. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos faz um levantamento bastante amplo dos estoques globais de gr�os e, para os pr�ximos seis a 12 meses, o mundo consegue aguentar essa guerra. Agora, se esse conflito se prolonga por mais um ou dois anos, sim, vamos ter uma situa��o bastante dram�tica do ponto de vista de fome no mundo.
