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Estado de Minas TRANSPORTE

Comerciantes d�o transporte gratuito para clientes em zona rural

Para aumentar as vendas e manter os neg�cios, comerciantes de Bonito de Minas oferecem transporte para buscar moradores da zona rural


01/08/2022 04:00 - atualizado 01/08/2022 17:47

Ônibus percorrem quilômetros de estradas de terra
�nibus percorrem quil�metros de estradas de terra para buscar trabalhadores rurais, aposentados e benefici�rios de programas sociais (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press )

Comerciantes de Bonito de Minas, uma das cidades mais pobres do Brasil, encontraram uma forma inusitada de aumentar as vendas: compraram �nibus para buscar na ro�a os principais clientes: trabalhadores rurais, aposentados e pensionistas que n�o t�m condi��es de bancar passagens caras at� a cidade.

Os ve�culos cruzam dezenas de quil�metros de estradas de terra empoeiradas e v�o a povoados distantes atr�s dos “passageiros”, que viajam de gra�a. Na sede do munic�pio, al�m das compras de mantimentos da semana ou do m�s, eles aproveitam para receber benef�cios no banco, pagar contas, ir ao m�dico e resolver outros assuntos.

Como revela s�rie de reportagens do Estado de Minas, o transporte tem papel preponderante na vida das pessoas, mas a depend�ncia do servi�o � maior ainda entre moradores de munic�pios mais pobres, onde, por outro lado, a popula��o paga mais caro pelos combust�veis.

E � exatamente o que acontece em Bonito de Minas. Com 11,5 mil habitantes, tem o terceiro pior �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado: 0,537. Considerando todos os 5.565 munic�pios brasileiros, fica entre os 220 com IDH mais baixo.
Ver galeria . 7 Fotos Luiz Ribeiro/EM/DA PRESS
(foto: Luiz Ribeiro/EM/DA PRESS )

A iniciativa dos comerciantes rende um lucro a mais para eles, al�m de ser um facilitador para os moradores mais carentes da zona rural de Bonito de Minas, que tem um a extens�o territorial de quase 4 mil quil�metros quadrados - 2,5 vezes o tamanho do territ�rio do munic�pio de S�o Paulo. Se n�o fossem os �nibus de gra�a, eles teriam de desembolsar valores para pagar passagens que pesam no or�amento dom�stico.



Nesses tempos em que os pre�os dos combust�veis aumentaram significativamente, as tarifas est�o ainda mais caras, o que inviabilizaria as viagens rotineiras at� a cidade.

Ap�s a recente redu��o na al�quota de tributos sobre o produto por parte dos governos federal e estadual, o pre�o do litro da gasolina em Bonito de Minas, que em junho chegou a quase R$ 8, caiu para R$ 6,35 neste m�s. Mesmo assim, continuou em patamar mais alto do que o das cidades mais ricas, como Belo Horizonte, onde o pre�o da gasolina baixou para menos de R$ 6. No munic�pio carente, o �leo diesel n�o teve redu��o e estava bem mais alto, sendo vendido a R$ 7,96 o litro.

A ideia de buscar os clientes em casa � inovadora na regi�o. Em outras cidades de baixa renda do Norte de Minas, os comerciantes do ramo de alimentos fazem entregas de feiras na zona rural e acabam sendo altamente impactados pela oscila��o no pre�o dos combust�veis. Em Bonito de Minas, os varejistas inverteram a l�gica. Se os clientes n�o t�m dinheiro para pagar transporte at� a cidade, os �nibus v�o busc�-los.

As viagens obedecem a um cronograma compat�vel com o calend�rio dos pagamentos das aposentadorias e de benef�cios sociais. Ao longo do m�s s�o atendidas 44 comunidades rurais do munic�pio, com os ve�culos deslocando at� 45 quil�metros da sede do munic�pio e fazendo duas viagens por dia � zona rural, buscando e levando os moradores. Na volta para a casa, s�o acompanhados por caminh�es, tamb�m de propriedade dos comerciantes, que levam as mercadorias compradas pelos clientes.

O sistema do transporte dos moradores da zona rural de �nibus e de entrega das mercadorias em caminh�es � mantido por dois supermercados de Bonito de Minas. Outro estabelecimento na cidade oferecia o servi�o, mas, devido ao aumento de custo, ap�s a pandemia do coronav�rus, optou por manter apenas as entregas das feiras.

Juliane Lopes da Silva aprova a gratuidade do transporte
Juliane Lopes da Silva aprova a gratuidade do transporte, mas diz que, mesmo com a economia da passagem, o que ganha de benef�cio governamental n�o � suficiente para comprar tudo o que precisa

T�bua de salva��o 

As viagens dos �nibus come�am bem antes do sol nascer e s�o uma verdadeira saga pelo sert�o. O Estado de Minas acompanhou uma delas, para mostrar como � cheia de desafios a vida desses moradores de baixa renda que vivem em localidades distantes no Norte do estado. O coletivo saiu da cidade antes de 4h, ainda no meio da escurid�o, em dire��o � comunidade de Cabeceira do Borrachudo, a 35 quil�metros. No caminho, tamb�m buscou moradores de Salto do Borrachudo. As duas comunidades est�o entre os lugares mais carentes do munic�pio.

A viagem na estrada de terra � uma sequ�ncia de obst�culos, com buracos, bancos de areia, poeira e curvas perigosas. O �nibus sacoleja do come�o ao fim da jornada, mas nada disso desanima os passageiros, a maioria mulheres. Para essas pessoas, o sistema de transporte gratuito virou uma t�bua de salva��o. Sem ele, a situa��o seria bem pior. “Esse servi�o foi um al�vio pra gente. Era muito dif�cil pra gente ir at� a cidade”, afirma Terezinha Pereira Santana, de Salto do Borrachudo. Benefici�ria do Programa Aux�lio Brasil, ela recebeu R$ 400 na primeira quinzena de julho. Terezinha lembra que, sem dinheiro para pagar um carro particular, ela fazia a cavalo o trajeto de 32 quil�metros entre Salto do Borrachudo e a cidade. “Eram tr�s horas para ir e tr�s para voltar”, relata.

A aposentada Eremita Neves da Silva, de 75, tamb�m moradora de Salto do Borrachudo, diz que o servi�o gratuito criado pelos comerciantes melhorou sua vida. “Foi muito bom, pois falta dinheiro para gente vir � cidade. O lugar que a gente mora � muito isolado”, conta. A filha dela, Maria Marcilene Neves Santana, de 33, tamb�m usa o �nibus e n�o esconde a realidade que vive. “Tem dia que a gente vem � cidade e falta dinheiro at� para o lanche”, afirmou. M�e de quatro filhos e benefici�ria do Aux�lio Brasil, ela disse que a situa��o dos moradores piora nesta �poca de seca, pois n�o tem como plantar e encontrar servi�o no campo. O marido, Lindomar Rodrigues Santana, de 45, est� sem emprego e sem renda.

O aposentado João Lopes Costa
O aposentado Jo�o Lopes Costa conta que gastou todo o dinheiro que recebeu, R$ 1.212, na compra de alimentos para a fam�lia, ra��o para animais e algumas telhas: "volto para casa sem nada"

Custo ainda alto

Dulv�nia Neves da Silva, de 19, agradece. “O dinheiro que iria gastar com o transporte a gente pode usar para comprar coisas de maior necessidade”, revela. Assim como Marcilene, ela disse que recebeu R$ 400 do benef�cio do governo em julho e economizou R$ 50 n�o tendo que pagar pela passagem de Salto do Borrachudo a Bonito.

Moradora da mesma localidade, Juliane Lopes da Silva, de 25, tamb�m foi � cidade em meados deste m�s para receber o benef�cio governamental, levando no colo a filha Yasmin, de 1 ano. Ela reclamou que, mesmo com a gratuidade do transporte, o valor recebido, R$ 450, n�o foi suficiente para tudo que precisava. “O dinheiro s� deu para comprar as coisas b�sicas, n�o deu adquirir nada de mistura (alimentos como carne, frango e verduras). Os pre�os das coisas subiram demais”.

Companheiro de viagem de Juliane, o aposentado Jo�o Lopes Costa, de 62, conta que pagou ao supermercado R$ 650 – referente um a feira m�s anterior, ficando devendo R$ 550 (da nova compra de mantimentos) para quitar no m�s seguinte. Por�m, ele disse que acabou gastando todos os R$ 1.212 que recebeu. “Volto para casa sem nada. Est� tudo muito caro. S� com carne e frango gastei R$ 250”, disse Jo�o Lopes, que adquiriu ainda ra��o para animais e algumas telhas para a casa.

os comerciantes de Bonito de Minas também oferecem o serviço de entrega das compras para moradores da zona rural em caminhões
Al�m do transporte gratuito da clientela, os comerciantes de Bonito de Minas tamb�m oferecem o servi�o de entrega das compras para moradores da zona rural em caminh�es

Sistema surgiu por causa da concorr�ncia

A concorr�ncia motivou supermercados de Bonito de Minas a oferecerem o transporte de �nibus gratuito para clientes da zona rural. Quem conta � Geraldo Justino da Silva, dono do Cristo Rei. Ele afirma que quando abriu o neg�cio, h� 20 anos, percebeu que a concorr�ncia j� atendia quase todos os moradores da cidade. S� lhe restava vender para a zona rural.

Foi o que ele fez. No entanto, constatou que as pessoas do campo encontravam dificuldade para transportar as compras. “Havia quem carregava as feiras em lombo de cavalo ou que deslocava at� a cidade para fazer feira em carro de boi”, relembra. Para amenizar a situa��o, ele adquiriu uma caminhonete e passou a entregar as mercadorias em localidades pr�ximas da �rea urbana, com at� 15 quil�metros de dist�ncia.

Por�m, Geraldo Justino diz que, mesmo assim, os trabalhadores, aposentados e benefici�rios de programas sociais da zona rural continuavam enfrentando uma via-cr�cis para deslocarem at� a cidade por causa da falta de linhas regulares de �nibus para atender as localidades onde residem e escassez de dinheiro para fretar carros. Diante do quadro dif�cil, h� 10 anos, ele decidiu inovar e adquiriu um �nibus para transportar, gratuitamente, os clientes do campo at� Bonito, mantendo as entregas das mercadorias sem nenhum aumento de custo para a clientela.

O �nibus faz 12 viagens por m�s, passando em torno de 20 comunidades rurais. O estabelecimento conta tamb�m com dois caminh�es. O dono do supermercado afirma que os moradores da zona rural respondem por 60% das vendas. “Mas a gente tamb�m presta um servi�o social com o transporte deles. Temos que ajudar os lugares onde as pessoas moram, que s�o carentes”, afirma Geraldo Justino, lembrando que muitas delas usam o coletivo dele em busca de consultas m�dicas e outros compromissos na cidade.

A ideia do comerciante foi seguida pelo principal concorrente, o supermercado D e D, que tamb�m adquiriu um �nibus para o transporte gratuito dos moradores da zona rural, fazendo a entrega das mercadorias em caminh�es. Atualmente, o estabelecimento abrange moradores de 24 comunidades da zona rural.

Sustentabilidade

Propriet�rio do supermercado, o empres�rio Domingos Soares afirma ser necess�rio criar mecanismos para aumentar as vendas para as �reas mais distantes at� mesmo como meio de sustentar o neg�cio. “S� com os clientes da cidade n�o damos conta de manter o com�rcio. A gente precisa das pessoas da zona rural e de dar a elas condi��es de vir at� a cidade para fazer as compras e levar as mercadorias”, destaca. Mas ele reclama do aumento dos custos do transporte. “N�o � somente o pre�o do �leo diesel que subiu. Tem tamb�m a despesa da manuten��o dos �nibus e dos caminh�es. Se a gente contabilizar todos os custos, podemos dizer que estamos trabalhando quase no vermelho”.

Um terceiro supermercado de Bonito de Minas, o Ara�jo, tamb�m criou o servi�o de transporte de �nibus para moradores da zona rural, entregando as compras deles de caminh�o. Mas, ap�s a pandemia do coronav�rus, o estabelecimento suspendeu as viagens de �nibus gratuitas, mantendo somente as entregas das feiras. “O custo do transporte aumentou demais. N�o estava compensando manter o servi�o do �nibus”, alega Ant�nio Wellington Ara�jo, dono do estabelecimento. Ele afirma que com aumento de pre�os de produtos de primeira necessidade como �leo de soja, caf�, leite e de artigos de limpeza, pessoas de baixa renda reduziram as compras, afetando duramente o faturamento. “Os custos do �leo diesel e do frete impactam muito nas mercadorias, desde a f�brica at� o consumidor final”, observa Ara�jo.


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