
O aumento no pre�o do �leo diesel n�o afeta somente o transporte de cargas. Impacta tamb�m o transporte de passageiros, elevando os custos e gerando dificuldades para as empresas do setor. Outro reflexo � a eleva��o da tarifa, o que pesa no bolso dos usu�rios dos �nibus e atinge a mobilidade urbana.
Conforme mostrou o Estado de Minas em uma s�rie de reportagens iniciada em mar�o, as consequ�ncias da disparada dos combust�veis s�o mais sentidas nos munic�pios do interior, de baixo �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nesses lugares, por causa das dificuldades de log�stica e da dist�ncia das refinarias, a popula��o paga mais caro pelos combust�veis do que moradores de cidades mais desenvolvidas e de maior renda per capita.
Em condi��o semelhante, ao impactar o transporte coletivo urbano, o aumento do pre�o do diesel penaliza classes mais pobres, j� que afeta diretamente as camadas com rendas mais baixas, sobretudo moradores de regi�es perif�ricas, que precisam usar o �nibus para ir e voltar do trabalho ou outros compromissos. Utilizado em menor escala no pa�s, o transporte de passageiros sobre trilhos tamb�m � impactado pela alta do �leo diesel.
Levantamento exclusivo feito pela Confedera��o Nacional do Transporte (CNT), a pedido do Estado de Minas, com base na pesquisa de pre�os m�dios de revenda dos combust�veis, realizada pela Ag�ncia Nacional do Petr�leo, G�s Natural e Biocombust�veis (ANP), aponta que o pre�o do �leo diesel S10 teve aumento de 42% no Brasil no primeiro semestre de 2022. Em um ano, entre junho de 2021 e junho de 2022, o valor do litro do combust�vel cobrado nas bombas subiu 68%.
Dificuldades enfrentadas
Segundo a Associa��o Nacional do Transporte de Cargas e Log�stica (NTC & Log�stica), o diesel corresponde de 30% a 35% dos custos de transporte rodovi�rio de cargas no pa�s. O diretor executivo da CNT, Bruno Batista, ressalta que o combust�vel tem peso em igual patamar no transporte rodovi�rio de passageiros, representando cerca de um ter�o dos custos do servi�o. Ele enfatiza que a maior dificuldade das empresas do setor est� no descompasso no repasse dos custos para a tarifa.
“No caso do transporte p�blico coletivo de passageiros, h� legisla��o espec�fica que trata do reajuste e da revis�o dos pre�os p�blicos e das tarifas de servi�os p�blicos que est�o concedidos � inciativa privada. Os reajustes das tarifas n�o ocorrem na mesma frequ�ncia que as altera��es de pre�os de um dos principais insumos da atividade. Assim, um segmento que j� est� bastante fragilizado pelos impactos das restri��es de mobilidade decorrentes da pandemia tem suas margens cada vez mais pressionadas pelo aumento do custo de seu principal insumo", diz Batista.

A situa��o enfrentada pelas companhias de �nibus urbanos � relatada pelo presidente da Federa��o das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram), Rubens Lessa. “O setor, que j� vinha sofrendo com a crise sem precedentes da pandemia, agora sofre com o aumento recorrente (do pre�o) de seu principal insumo, o �leo diesel. Em v�rias cidades, empresas j� est�o reduzindo suas ofertas de viagens para conseguir operar”, afirma Lessa, tamb�m presidente do Conselho Regional em Minas Gerais do Servi�o Social do Transporte (Sest/Senat).
O presidente da Fetram argumenta ainda que o “aumento recorrente” do �leo diesel, juntamente com a m�o de obra, representa mais de 70% dos custos das empresas do transporte de passageiros.
Segundo ele, o sistema de transporte de passageiros no Brasil vem sofrendo impactos negativos “desde que come�aram os aumentos seguidos em 2021”.
“O pre�o atual do �leo diesel tornou as opera��es do setor economicamente invi�veis. Pela primeira vez na hist�ria, o diesel ficou mais caro que a gasolina. � a valoriza��o do transporte individual, que polui mais as cidades, em detrimento do transporte coletivo, que beneficia um n�mero maior de pessoas poluindo menos”, lamenta Lessa.
O dirigente da Fetram lembra tamb�m que o pre�o do diesel, ao elevar o custo do transporte, acarreta outros impactos para a economia, em efeito cascata. “N�o � poss�vel mover a economia de um pa�s sem transporte; � ele que leva os alimentos do produtor at� a mesa do consumidor: entrega, de norte a sul do pa�s, pe�as, equipamentos e produtos para a ind�stria e o com�rcio. Nesse cen�rio de crise, o transporte de passageiros n�o tem outra solu��o a n�o ser restringir viagens e deixar de operar em hor�rios deficit�rios”, descreve.
Ele diz que a “esperan�a” do setor � a aprova��o do novo Marco Regulat�rio do Transporte, em tramita��o no Congresso Nacional. Lessa destaca que o projeto remodela o Marco Legal da Pol�tica Nacional de Mobilidade Urbana, propondo uma s�rie de melhorias para o sistema, entre elas a prioriza��o do transporte p�blico coletivo no sistema vi�rio de todas as cidades, com faixas preferenciais e corredores exclusivos.
“Ao trafegar em vias sem congestionamento, menos �nibus podem fazer mais viagens e levar um maior n�mero de passageiros em um espa�o de tempo menor, gerando satisfa��o no usu�rio e redu��o de custos na opera��o do sistema”, afirma Rubens Lessa. “Com o novo Marco Legal dos Transportes temos a possibilidade de rever e retomar o papel do transporte p�blico como agente de desenvolvimento econ�mico e promotor da qualidade de vida das pessoas em nossas cidades”, conclui.
Usu�rios de �nibus penalizados
O professor Nilson Tadeu Ramos Nunes, do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), salienta que os usu�rios de �nibus acabam sendo penalizados constantemente com a majora��o do pre�o do diesel, j� que “quando ocorre o aumento dos combust�veis, as pessoas tendem a querer aumentar os (pre�os) dos bens e servi�os na mesma margem”.
Ele sustenta, no entanto, que os �ndices de reajuste do �leo diesel n�o deveriam ser repassados integralmente para o custo da tarifa paga pelos passageiros dos �nibus urbanos. “Temos que considerar que o combust�vel � apenas parte do processo (de custos). Com nossa experi�ncia, podemos dizer que o impacto dos combust�veis no custo total do transporte (de passageiros) por quil�metro (rodado) � de, no m�ximo, 25%”, diz Nunes.
O professor da UFMG ressalta tamb�m que existem outros insumos das empresas de �nibus que t�m sofrido reajuste de pre�os e que pesam no custo do servi�o de transporte, como por exemplo a cota��o do a�o, que interfere no valor de ve�culos e de pe�as. Ele salienta que, na composi��o da tabela de custos das empresas, juntamente com os combust�veis, s�o considerados outros par�metros para o c�lculo do valor da tarifa dos �nibus urbanos, como a m�o de obra (que responde por 44% dos custos do servi�o), a deprecia��o dos ve�culos e a remunera��o do capital (9% dos custos).

Melhoria da mobilidade e do servi�o de transporte
O professor Nilson Tadeu Ramos Nunes salienta que, ao se discutir o custo do transporte p�blico urbano no pa�s, n�o se pode tratar somente da tarifa. Ele afirma que deve ser discutida a melhoria da qualidade do servi�o e da mobilidade. Segundo o especialista, � necess�rio pensar em alternativas de transporte de passageiros, al�m do �nibus.
“O �nibus � um modelo que tem sido trabalhado nas regi�es metropolitanas fora da faixa de efici�ncia ideal. Para se ter uma matriz de transporte ideal, ela precisa estar operando com sistemas de transporte de diferentes capacidades, tanto de baixa e m�dia, que � o caso do �nibus, como de alta capacidade, que, normalmente, s�o os ve�culos leves sobre trilhos (VLTs), os metr�s e os trens de sub�rbio”, afirma o especialista do Departamento de Engenharia de Transportes da UFMG.
“O que ocorre no Brasil � que, na maior parte das regi�es, se utiliza o �nibus em diferentes modalidades: �nibus articulado, micro-�nibus, �nibus alugado e outros, numa tentativa de atender demandas muito altas. � um sistema que tem baixa efici�ncia. Com isso, a qualidade do servi�o cai muito, e a popula��o tem abandonado o transporte p�blico”, relata Ramos Nunes.
O especialista reclama que a melhoria da mobilidade e do transporte p�blico de passageiros no pa�s demanda a implementa��o de projeto a longo prazo, com o “projeto de estado e n�o de governo”. Por isso, diz ele, os gestores p�blicos acabam n�o tratando da quest�o com mais profundidade, por terem interesse somente em a��es de curto prazo, que possam ser executadas antes do t�rmino de seus mandatos.
“O que a sociedade precisa cobrar � a quest�o do transporte e da mobilidade com projetos mais amplos. E que seja criado um sistema (de transporte) mais inclusivo”, avalia o professor da UFMG, lembrando que, a cada vez que h� um reajuste no pre�o da tarifa dos �nibus, mesmo com o subs�dio pelo Poder P�blico, ocorre um aumento da exclus�o de pessoas de baixa renda do sistema, devido � falta de condi��es de pagamento da passagem”, relata.
Impacto no transporte intermunicipal de passageiros
A disparada no pre�o do diesel reflete tamb�m no transporte intermunicipal de passageiros. As empresas do setor alegam ter sido sacrificadas durante a pandemia, quando diminuiu drasticamente o n�mero de passageiros e n�o tiveram reajuste de tarifa.
“O impacto dos sucessivos reajustes de combust�vel no setor de transporte intermunicipal de passageiros recai principalmente sobre as empresas de �nibus. Foram 20 meses sem nenhum reajuste, em �poca que coincidiu com o per�odo mais cr�tico da pandemia, em que os passageiros sumiram, e os �nibus cumpriram seus hor�rios normalmente”, sustenta o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Minas Gerais (Sindpas).
A entidade diz que o �ltimo tarif�rio, em abril de 2022, considerou os reajustes dos combust�veis projetados at� o m�s de mar�o. Desde abril, alega o Sindpas, houve v�rios reajustes ao transporte intermunicipal, sem o repasse para a tarifa. Assim, reclama, as empresas do setor, considerando que se trata de um servi�o p�blico, v�m cumprindo suas obriga��es com a sociedade, absorvendo todos os impactos do aumento de custos do servi�o.
“Mas � sempre importante ver um lado bom para o setor: o aumento dos combust�veis pode fazer muita gente preferir viajar de �nibus e deixar seus carros na garagem”, avalia o Sindpas.
Transporte de passageiros sobre trilhos tamb�m sofre impactos
O transporte de passageiros pelo modal ferrovi�rio tamb�m foi impactado pelo aumento do pre�o do �leo diesel, informa a Associa��o Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). A entidade destaca que a maioria dos sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos no Brasil � eletrificada e que os operadores sofrem com o aumento expressivo do custo da energia. Mas que existem duas operadoras com linhas movidas a diesel e que foram altamente impactadas com os reajustes do combust�vel.
“Nos �ltimos 12 meses, o diesel teve um aumento percentual de 57%. O impacto para as operadoras, apenas no primeiro semestre de 2022, representa uma eleva��o de 45% sobre o custo operacional”, diz a ANPTrilhos. As duas operadoras, mencionadas pela associa��o, que possuem linhas movida a diesel s�o a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor).
“As tarifas de transporte ainda n�o refletiram no aumento do custo do diesel, muito embora o impacto desse aumento para as opera��es metroferrovi�rias j� seja bastante expressivo. N�o se pode imaginar um eventual reajuste sobre as tarifas de transporte que reequilibre essa eleva��o de custo”, aponta a entidade.
A ANPTrilhos alega que, ao longo de dois anos de pandemia, o setor ferrovi�rio do transporte de passageiros absorveu um preju�zo de R$ 17 bilh�es, somente em termos de receita tarif�rias, e agora o aumento do diesel impacta sobremaneira sobre os custos da opera��o. “Se esse reajuste for repassado para o valor da tarifa vai impactar fortemente sobre a popula��o, especialmente os passageiros de m�dia e baixa renda”, alerta.
A associa��o ressalta que o aumento do transporte tem um impacto inflacion�rio direto, e isso reduz o poder de compra da popula��o. “Por isso, a ANPTrilhos defende que haja uma pol�tica p�blica espec�fica para o setor de transporte p�blico urbano, especialmente o sobre trilhos, uma vez que o transporte � um servi�o p�blico de cunho social, e todos os efeitos que o atingem impactam diretamente nos deslocamentos de 11 milh�es de pessoas que usam diariamente as linhas metroferrovi�rias brasileiras”, informa a entidade.