
Al�m do incremento nas transfer�ncias de renda, o novo governo precisar� discutir pol�ticas de inclus�o produtiva focadas em uma parcela da popula��o cada vez mais exclu�da do mercado de trabalho, possivelmente por causa da baixa qualifica��o.
Em 2001, 48% dos mais pobres tinham algum trabalho, ainda que informal --o que lhes assegurava algum tipo de renda complementar aos benef�cios sociais. Em 2021, esse percentual caiu a 18%.
Nesse mesmo per�odo, a renda obtida com transfer�ncias governamentais aumentou de R$ 31 para R$ 84 por pessoa. A renda do trabalho tamb�m subiu na m�dia por trabalhador ocupado, mas caiu de R$ 103 para R$ 57 na compara��o do valor por adulto --justamente porque h� um n�mero maior de pessoas sem ocupa��o. Os valores j� est�o atualizados pela infla��o.
Os dados foram reunidos pela economista Laura Muller Machado, ex-secret�ria de Desenvolvimento Social do Governo de S�o Paulo e especialista na �rea. Segundo ela, h� um grupo de brasileiros "completamente exclu�dos" do mercado de trabalho.
"O PIB [Produto Interno Bruto] est� subindo. Por ora, a gente est� seguindo sem eles. � preciso incluir essas pessoas. Elas t�m direito ao trabalho digno. Tem um trem que saiu, reativou depois da pandemia, e o �ltimo vag�o ficou parado. Tem que acoplar esse �ltimo vag�o com o trem em movimento", diz a pesquisadora.
Segundo ela, no in�cio dos anos 2000, os trabalhadores mais pobres atuavam em condi��es p�ssimas, muitas vezes com carga hor�ria excessiva, sem 13º sal�rio, sem FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Servi�o) e com baixo sal�rio.
"Ent�o o problema era que os mais pobres estavam na informalidade, sem nenhuma prote��o social. A sa�da era melhorar as condi��es de trabalho e aumentar a prote��o", afirma. "Qual � a mudan�a agora? Os mais pobres sa�ram do mercado de trabalho, a metade mais vulner�vel. Ent�o al�m de cuidar da informalidade, eles precisam voltar a trabalhar."
A tend�ncia de queda na participa��o dos mais pobres no mercado foi cont�nua desde 2001, mas ganhou for�a no per�odo recente, na esteira da crise econ�mica e da pandemia de Covid-19.
Em 2014, a renda do trabalho dos 10% mais pobres havia chegado a R$ 164 por adulto, mas caiu aos R$ 57 em 2021 --um tombo de 65,2% no per�odo, justamente por causa da queda no n�mero de ocupados. Essa parcela da popula��o foi a mais afetada pela crise econ�mica.
O fator pandemia fica evidente em outra compara��o. Em 2001, o n�vel da ocupa��o (que mede o total de pessoas trabalhando em rela��o � popula��o em idade ativa) era de 55,6% entre pessoas de 25 a 65 anos. Em 2019, o percentual estava em 33% --uma queda de 12,6 pontos percentuais em um per�odo de quase duas d�cadas.
Em 2021, ap�s a crise que imp�s medidas de isolamento social e comprometeu a chance de trabalho dos vulner�veis, o n�vel de ocupa��o dos 10% mais pobres desabou a 22,7%, sem que haja ind�cios de recupera��o.
A baixa qualifica��o pode ajudar a explicar esse retrato. Uma parcela importante dos 10% mais pobres n�o conseguiu concluir sequer o ensino fundamental, o que compromete sua empregabilidade.
Como o sal�rio m�nimo passou por um per�odo de valoriza��o (hoje est� em R$ 1.212), os empregadores n�o querem pagar esse piso a um profissional com menor produtividade no desempenho das fun��es --o que pode empurr�-los para fora do mercado. "Esse trabalhador n�o � superprodutivo, ele se torna caro dado que o sal�rio m�nimo subiu", avalia a pesquisadora.
Outra hip�tese � uma mudan�a cultural na demanda por servi�os de menor valor agregado. Machado cita como exemplo a menor propens�o dos brasileiros hoje em ter uma empregada dom�stica contratada, trabalhando cinco ou seis dias por semana. H� uma migra��o para modalidades informais, como contrata��o por di�rias, acentuada pela pandemia.
Uma terceira possibilidade � o aumento do sal�rio de reserva, um conceito econ�mico que representa o m�nimo pelo qual o trabalhador aceita abrir m�o da ociosidade e aceitar um emprego. Essa alta no sal�rio de reserva poderia estar relacionada � amplia��o das transfer�ncias de renda.
Todas as hip�teses, por�m, ainda dependem de uma confirma��o mais robusta a partir de novas pesquisas, ressalta a pesquisadora.
Al�m disso, os dados mais recentes mostram que houve, na verdade, uma queda na renda de transfer�ncias para a base da pir�mide. O valor m�dio por pessoa passou de R$ 112 em 2014 para R$ 84, considerando os 10% mais pobres.
Esse quadro pode parecer contraintuitivo, dado que o valor gasto com o aux�lio emergencial e Aux�lio Brasil (que substituiu o programa Bolsa Fam�lia) chegou a patamares recordes. No ano passado, o governo Jair Bolsonaro (PL) gastou mais de R$ 400 bilh�es entre 2020 e 2021 com as duas modalidades de benef�cio.
Segundo Machado, a piora na focaliza��o dos benef�cios pode explicar essa piora. Ou seja, o dinheiro foi distribu�do, mas n�o �queles que mais precisam.
"Como resultado, de 2014 para 2021, a renda per capita dos mais vulner�veis caiu de R$ 163 para R$ 94. Por que caiu? Por tr�s motivos. Primeiro, est�o recebendo menos dinheiro da transfer�ncia de renda. Al�m disso, eles sa�ram do mercado de trabalho. E mesmo os poucos que est�o trabalhando, que s�o s� 18%, t�m uma remunera��o menor", afirma. "� uma deteriora��o geral, em todas as dimens�es."
Para ela, o novo governo precisar� desenhar pol�ticas que ataquem esses problemas. Isso passa pela continuidade das transfer�ncias de renda, mas de maneira focalizada, inclusive com busca ativa --ou seja, rastrear os que t�m direito ao benef�cio, mas ainda n�o o recebem.
"A primeira coisa � ir atr�s dos 10% mais pobres, encontr�-los e todos receberem transfer�ncia. Isso � urgente", afirma.
Al�m disso, ela defende o incentivo a programas de requalifica��o profissional para que essas pessoas consigam se reinserir no mercado de trabalho. � importante, por�m, alinhar o curso com o projeto de vida do trabalhador e na voca��o econ�mica do territ�rio em que ela vive, para evitar a repeti��o de problemas em pol�ticas anteriores, que formaram profissionais desalinhados �s necessidades da produ��o local.
Para Machado, o modelo ideal � conceder uma esp�cie de "vale curso", incentivando as empresas a contratar um profissional que ter� a qualifica��o garantida pelo Estado. "Esse � um trabalhador que tem mais valor, porque tem o curso garantido, e o curso vai ter rela��o com a �rea de atua��o", afirma. "Precisamos de sa�das inteligentes."
TRABALHO E RENDA DOS 10% MAIS POBRES
Renda de transfer�ncias (m�dia por adulto)
- 2001 - R$ 31
- 2014 - R$ 112
- 2021 - R$ 84
Renda do trabalho (m�dia por adulto)
- 2001 - R$ 103
- 2014 - R$ 164
- 2021 - R$ 57
Taxa de ocupa��o
- 2001 - 48%
- 2014 - 36%
- 2021 - 18%