Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles

Carlos Alberto Sicupira (esq.), Jorge Paulo Lemann (centro) e Marcel Telles s�o os maiores acionistas do neg�cio

3G Capital

O trio de acionistas de refer�ncia da Americanas se manifestou publicamente pela primeira vez desde que um rombo bilion�rio nas finan�as da empresa a levou a entrar em recupera��o judicial para tentar n�o falir.

Os empres�rios Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira divulgaram no domingo (22/1) uma nota conjunta em que negam que tinham conhecimento do problema e dizem que n�o permitiriam que fosse feita uma manobra ou fraude cont�bil para distorcer os resultados da companhia, algo que est� sendo investigado.

"Nossa atua��o sempre foi pautada, ao longo de d�cadas, por rigor �tico e legal", afirmaram.

Eles disseram tamb�m que a empresa foi administrada nas �ltimas d�cadas por executivos "considerados qualificados e de reputa��o ilibada" e que os bancos com os quais a Americanas operava ou a PwC, consultoria respons�vel por auditar os balan�os mais recentes da companhia, nunca apontaram irregularidades.

"Acredit�vamos firmemente que tudo estava absolutamente correto", afirmaram.

Os acionistas de refer�ncia da Americanas tamb�m declararam lamentar "profundamente" as perdas sofridas por investidores e credores da empresa e ressaltaram que tamb�m tiveram preju�zos.

Eles afirmaram ainda que o comit� independente criado para apurar o rombo "ter� todas as condi��es" de investigar o que ocorreu e que v�o colaborar para esclarecer os fatos.

"Reafirmamos o nosso empenho em trabalhar pela recupera��o da empresa, com a maior brevidade poss�vel."

Os empres�rios, que s�o os tr�s homens mais ricos do pa�s, com um patrim�nio conjunto estimado em US$ 37,7 bilh�es (R$ 196,12 bilh�es), segundo a revista Forbes, se tornaram os protagonistas do esc�ndalo na empresa, porque s�o seus principais donos.


Homem diante de letreiro da Americanas

Americanas entrou em recupera��o judicial para tentar n�o falir

Reuters

Como acionistas de refer�ncia, eles det�m uma participa��o mais relevante na companhia, de pouco mais de 30% de acordo com dados da Americanas de dezembro de 2022, e podem influenciar nos seus rumos.

Todos t�m direito a assentos no conselho de administra��o da empresa, por exemplo. Por isso, est�o sendo questionados sobre como n�o sabiam de nada, conforme afirmam.

Depois que a Americanas anunciou ter encontrado uma "inconsist�ncia cont�bil" no valor de R$ 20 bilh�es, as suas a��es derreteram. Passaram de R$ 12, valor negociado logo antes do caso vir � tona, para R$ 0,80 no preg�o de segunda-feira (23/1). Isso significa que a empresa perdeu quase 95% de seu valor de mercado em quest�o de dias.

Como detinham quase um ter�o das a��es do neg�cio, o preju�zo para o trio foi de cerca de R$ 3 bilh�es at� agora, e podem ter que desembolsar v�rios outros bilh�es para injetar o capital de que a Americanas precisa para n�o entrar em fal�ncia.

Para al�m das perdas financeiras, o trio enfrenta um risco reputacional, como destacaram analistas para a BBC News Brasil, porque seus nomes est�o intimamente ligados ao neg�cio.

Lemann, Telles e Sicupira est�o entre as pessoas mais ricas do pa�s porque constru�ram ao longo de d�cadas imp�rios corporativos e, hoje, est�o por tr�s de multinacionais como AB InBev, Kraft Heinz, Burger King, entre outras.

Eles conquistaram em sua carreira n�o apenas uma fortuna, mas tamb�m fama como homens de neg�cios muito bem sucedidos e se tornaram uma esp�cie de "�cones" do capitalismo brasileiro - uma imagem que periga sair arranhada ap�s o esc�ndalo nas Americanas.

Como tudo come�ou

Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira s�o s�cios desde o in�cio dos anos 1970, quando se conheceram no antigo banco Garantia.

Formado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Lemann, um economista carioca, havia trabalhado em bancos e financeiras at� come�ar a atuar no mercado de capitais.

Aos 32 anos, ele comprou o Garantia em 1971, quando ainda era uma corretora de pap�is financeiros.

Marcel Telles, aos 22 anos, e Carlos Alberto Sicupira, aos 25, entraram para o neg�cio nos dois anos seguintes e se tornaram, junto com Lemann e outros executivos, seus principais s�cios.

O Garantia foi transformado em banco em 1976 e, com um estilo de gest�o considerado agressivo, guiado por resultados, e inovador, baseado no conceito de meritocracia, se tornou a principal empresa de investimentos do pa�s - e um modelo para outras companhias dentro e fora do mercado de capitais.

Foi no per�odo em que estiveram � frente do Garantia que Lemann, Telles e Sicupira assumiram o controle das Lojas Americanas, no in�cio do anos 1980.

Tamb�m foi por meio do banco que eles investiram em empresas como Brahma e Ant�rctica, fundidas para formar a AmBev e que, depois de uma s�rie de outras fus�es, culminaria anos mais tarde na AB InBev, a maior cervejaria do mundo.

O Garantia foi vendido para o banco Cr�dit Suisse First Boston em meados de 1998 por um valor total estimado em mais de US$ 1 bilh�o em valores da �poca.


Centro de Inovação da AB InBev

Trio de bilion�rios est� por tr�s da cria��o da maior cervejaria do mundo

Getty Images

Novos investimentos

Cinco anos antes da venda do Garantia, o trio de s�cios havia criado a GP Investimentos, uma administradora de fundos para compra e venda de participa��es milion�rias em empresas como a companhia de telecomunica��es Telemar, a construtora Gafisa e a rede de varejo t�xtil Artex.

No in�cio da d�cada passada, Lemann, Telles e Sicupira venderam o controle acion�rio da GP e deixaram o dia-a-dia do neg�cio.

Na mesma �poca, em 2004, eles criaram, junto com Alex Behring e Roberto Thompson, a gestora de recursos 3G Capital, com sede nos Estados Unidos.

Por meio da empresa, o trio esteve por tr�s da forma��o da AB InBev e de transa��es bilion�rias, como as compras da empresa de produtos aliment�cios Kraft Heinz e da rede de fast food Burger King.

Lemann, Telles e Sicupira tamb�m mantiveram seus investimentos na Americanas por meio de outros fundos ou individualmente e estiveram envolvidos na sua transforma��o em uma das principais empresas de varejo do pa�s.

Os tr�s j� comandaram a gest�o das Lojas Americanas e foram seus controladores - ou seja, detinham mais da metade das a��es - por quatro d�cadas at� a fus�o com a B2W, dona das marcas Submarino, Shoptime, Americanas.com e Sou Barato, em 2021.

Isso deu origem � Americanas S.A., da qual eles se tornaram acionistas de refer�ncia, e se distanciaram do cotidiano do neg�cio, como fizeram quest�o de ressaltar na nota divulgada sobre o rombo na companhia.

Outras crises


Produtos da Kraft Heinz

A Kraft Heinz foi multada em US$ 62 milh�es por m�-conduta cont�bil

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O caso da Americanas n�o � o primeiro em que Lemann, Telles e Sicupira enfrentam dificuldades financeiras ou s�o assombrados por suspeitas de irregularidades em seus neg�cios.

Mesmo com todo o sucesso do Garantia, o banco foi vendido ap�s perder mais de US$ 100 milh�es em 1997 ap�s a eclos�o das crises asi�tica e russa, o que deixou a institui��o perto da fal�ncia.

Em 2014, a Cosan disse, ap�s comprar a empresa de log�stica ALL, ter encontrado a malha ferrovi�ria da companhia em p�ssimo estado e ind�cios de irregularidades na sua contabilidade. Lemann, Telles e Sicupira foram os principais acionistas da ALL por meio da GP Investmentos.

Em 2021, a 3G Capital fez um acordo com a SEC, que regula o mercado de a��es americano, para encerrar uma investiga��o por m�-conduta cont�bil na Kraft Heinz entre 2015 e 2018, com o pagamento de uma multa de US$ 62 milh�es (R$ 323 milh�es).

A empresa de pagamentos Stone, que tem Lemann, Telles e Sicupira entre seus investidores, anunciou problemas em suas opera��es de concess�o de cr�dito e viu seu valor de mercado cair mais de 80% no in�cio de 2022.

Agora, com a crise da Americanas, o trio teve sua credibilidade novamente questionada. O principal ataque veio do banco BTG Pactual, que trava com a Americanas uma batalha na Justi�a para cobrar o que a varejista lhe deve.

No processo, o BTG afirmou que o trio de bilion�rios, "ungidos como uma esp�cie de semideuses do capitalismo mundial 'do bem'" foram "pegos com a m�o no caixa" e tentaram impedir judicialmente a cobran�a antecipada de d�vidas da Americanas para proteger seu patrim�nio.

"� o fraudador pedindo �s barras da Justi�a prote��o 'contra' sua pr�pria fraude", afirmou o banco.

A Comiss�o de Valores Mobili�rios, que regula o mercado de a��es no Brasil, est� investigando Lemann, Telles e Sicupira nos processos que apuram suspeitas de que pode ter havido uma fraude cont�bil na Americanas. N�o h� comprova��o de m�-f� at� o momento.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64382134