Bolsonaro e o rei Salman Bin Abdulaziz na visita do brasileiro � Ar�bia Saudita em 2019; papel do governo anterior na facilita��o do com�rcio bilateral � discutido por entrevistados da BBC News Brasil
As importa��es vindas da Ar�bia Saudita para o Brasil atingiram um recorde em 2022 desde que h� registros: foram US$ 5,3 bilh�es.
Antes, o valor mais alto havia sido registrado em 2014: US$ 3,3 bilh�es. Os dados disponibilizados pelo Minist�rio do Desenvolvimento, Ind�stria, Com�rcio e Servi�os (MDIC) v�o at� 1997.
Analistas consultados pela BBC News Brasil listam como explica��es para o recorde a alta mundial nos pre�os do petr�leo e de outros produtos devido aos efeitos da pandemia de covid-19 e da guerra da Ucr�nia, mas tamb�m a aproxima��o entre Brasil e a Ar�bia Saudita durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022.
A rela��o entre o governo brasileiro e os sauditas ganhou aten��o desde que foi revelado, pelo jornal O Estado de S. Paulo, que membros da gest�o Bolsonaro voltaram de uma viagem ao pa�s em 2021 e entraram no Brasil sem declarar � Receita Federal que carregavam joias e presentes valiosos. Os itens, segundo afirmaram na ocasi�o a funcion�rios no aeroporto de Guarulhos, seriam presentes da Ar�bia Saudita ao ex-presidente e � ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Ap�s uma queda brusca no primeiro ano da pandemia (2020), as importa��es vindas da Ar�bia Saudita voltaram a crescer em 2021, ficando em US$ 2,9 bilh�es. De 2021 para 2022, o valor importado subiu 84%. Os valores s�o nominais, ou seja, n�o consideram a varia��o da infla��o.

Gr�fico com duas linhas: importa��o e exporta��o
BBC
De 2021 a 2022, o valor importado apenas de �leos brutos e minerais betuminosos dos sauditas subiu 132%, de US$ 1,38 bi para US$ 3,2 bi.
Na verdade, embora n�o na mesma dimens�o, o mercado internacional de petr�leo bruto passou em 2022 por uma alta no pre�o do barril do tipo brent, que � uma refer�ncia mundial.
O valor de um barril chegou a US$ 122 em junho de 2022, maior valor registrado desde 2018 segundo dados compilados pela BBC (site em ingl�s). A partir de junho, os pre�os do petr�leo ca�ram.
"Historicamente, o Brasil sempre foi dependente do petr�leo da Ar�bia Saudita. Como a Ar�bia Saudita � um dos principais produtores do mundo e tem um tipo de petr�leo diferente do nosso, costumamos importar o petr�leo leve para misturar com o petr�leo pesado que o Brasil produz, gerando gasolina para o mercado interno", explica o presidente executivo da Associa��o de Com�rcio Exterior do Brasil (AEB), Jos� Augusto de Castro.

Barco de patrulha perto de um navio petroleiro no porto de Ras al-Khair; grande parte das importa��es que v�m da Ar�bia Saudita s�o de produtos relacionados ao petr�leo
Getty ImagesCastro resume que a balan�a comercial entre Brasil e Ar�bia Saudita � simples: o primeiro exporta commodities e importa produtos relacionados ao petr�leo.
Circunst�ncias espec�ficas no Brasil nos anos recentes aumentaram a demanda por combust�veis, como a maior necessidade por �leo diesel pelas termel�tricas por conta de secas.
A pr�pria retomada da atividade econ�mica, com aumento do PIB de 5% em 2021 e de 2,9% em 2022, tamb�m se reflete na maior demanda por combust�vel.
"Quando a balan�a comercial � assim, com poucos produtos, voc� n�o tem muita flexibilidade: se o produto principal tem queda ou aumento, automaticamente tem um impacto na balan�a", diz Castro.
"Mas a tend�ncia � que o d�ficit na balan�a comercial diminua porque o pre�o do petr�leo est� diminuindo", acrescenta.
Outro poss�vel reflexo da guerra da Ucr�nia foi o aumento de 86% do valor de fertilizantes sauditas importados pelo Brasil de 2021 a 2022.
A R�ssia, que trava a guerra contra a Ucr�nia, foi nos �ltimos anos a principal fornecedora deste item ao Brasil.
J� as exporta��es brasileiras para os sauditas alcan�aram US$ 2,1 bilh�es em 2021 e US$ 2,9 bilh�es em 2022 — valor um pouco abaixo do recorde de exporta��es registrado em 2011, de US$ 3,5 bilh�es.
No ano passado, destacaram-se no valor exportado as carnes de aves e mi�dos (29%); e os a��cares e mela�os (14%).
Em um texto publicado pela ag�ncia de not�cias da C�mara de Com�rcio �rabe-Brasileira, o secret�rio-geral da institui��o, Tamer Mansour, afirmou que a guerra teve efeitos nas exporta��es brasileiras.
“O conflito tamb�m teve como efeito a restri��o da oferta global de gr�os, sobretudo milho e trigo. A consequ�ncia foi que os �rabes buscaram esses e outros produtos entre fornecedores com mercadoria dispon�vel, o que levou � alta nos pre�os acima da infla��o [5,79%, para o IBGE], com lucros ainda favorecidos pela baixa do real”, explicou Mansour.
Qual foi o papel do governo Bolsonaro?

Jair Bolsonaro e o pr�ncipe saudita Mohammed bin Salman em 2019, na c�pula do G20 no Jap�o
Getty ImagesPara Maiko Gomes, graduado e mestre em rela��es internacionais pela Universidade Estadual da Para�ba (UEPB), "definitivamente" houve um outro fator que contribuiu para o aumento das importa��es e exporta��es entre os pa�ses nos �ltimos dois anos: a aproxima��o do governo Bolsonaro dos sauditas.
"Apesar de o Brasil ter se beneficiado de outros contextos a n�vel internacional, como a guerra da Ucr�nia e a alta no pre�o do petr�leo, esses di�logos estreitaram as rela��es entre o Brasil e segmentos internos da Ar�bia Saudita, principalmente da zona industrial", explica Gomes, que pesquisa temas relacionados ao Oriente M�dio.
Jos� Augusto de Castro, por sua vez, avalia n�o haver elementos suficientes para garantir que o governo teve tamanha influ�ncia e brinca que "o petr�leo n�o tem nada a ver com o colar [de brilhantes]", referindo-se �s joias apreendidas.
Em 2019, Bolsonaro fez uma visita oficial ao pa�s �rabe e afirmou que estava "apaixonado pela Ar�bia Saudita" e que tinha uma "certa afinidade" com o pr�ncipe Mohammed bin Salman.
Uma declara��o conjunta na ocasi�o anunciou a inten��o de se negociar formas de evitar a dupla tributa��o e de expandir os investimentos entre ambos pa�ses.
Tamb�m foi manifestado o interesse do Fundo Soberano saudita em investir US$ 10 bilh�es no Brasil, principalmente em projetos de infraestrutura.
O governo brasileiro apresentou posteriormente alguns projetos ao fundo, como o projeto de ferrovia Ferrogr�o e o de irriga��o no Baixo do Irec�. Entretanto, a promessa de investimento do fundo nunca foi concretizada.
Mas outros di�logos, encontros e neg�cios entre ambas as partes vingaram.
Os dois pa�ses continuaram mantendo rela��es com fins comerciais. Em outubro de 2021, por exemplo, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, voltava de um evento na Ar�bia Saudita sobre empreendimentos sustent�veis quando ele e o assessor Marcos Andr� Soeiro foram parados em Guarulhos carregando as joias.
Maiko Gomes d� um exemplo bem sucedido.
"Um dos elementos cruciais para que n�s possamos entender esse crescimento diz respeito aos di�logos iniciados ainda em 2019 entre o Brasil, naquele contexto representado pela Casa Civil e sete outros minist�rios, e a zona industrial de Abu Dhabi, o Kezad", aponta o mestre em rela��es internacionais.
O Kezad � uma �rea industrial e portu�ria que, apesar de pertencer aos Emirados �rabes, tem incentivos e parcerias com a Ar�bia Saudita.
"Os di�logos tinham o intuito principal de elaborar mecanismos para atrair a aten��o de empresas brasileiras para o Kezad. Ao final de 2019, a �nica empresa brasileira na Kezad era a BRF, respons�vel pela exporta��o de prote�na animal. Atualmente, j� s�o mais de 20 empresas brasileiras naquela �rea", explica o especialista.
Sobre as joias, a embaixada da Ar�bia Saudita no Brasil ainda n�o se pronunciou e tampouco respondeu a um pedido de posicionamento enviado pela BBC News Brasil.
Em nota divulgada na ter�a-feira (07/03), o advogado Frederick Wassef, que defende Bolsonaro, afirmou que o ex-presidente agiu "em conformidade com a lei", registrando devidamente os presentes — que, segundo Wassef, eram de car�ter "personal�ssimo".

Em visita de Bolsonaro � Ar�bia Saudita em 2019, o pa�s �rabe anunciou plano do fundo soberando investir US$ 10 bilh�es do Brasil, mas promessa nunca foi cumprida
Jos� Dias/PRAlinhamento tamb�m no Conselho de Direitos Humanos da ONU
Apesar da intensifica��o no governo Bolsonaro, os dois primeiros mandatos de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) s�o considerados uma virada na rela��o entre Brasil e Ar�bia Saudita — n�o � toa, Lula foi o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar oficialmente o pa�s �rabe, em 2009.
Segundo Maiko Gomes, ap�s uma queda nas rela��es com o Oriente M�dio entre 1995 e 2003, o primeiro governo Lula conduziu uma "aproxima��o nunca vista entre as partes".
Depois, a dedica��o � regi�o foi reduzida nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer e retomada por Bolsonaro.
Na an�lise de Gomes, Lula conduziu a aproxima��o no passado pautado pela ideia de multilateralismo e pela integra��o Sul-Sul (orienta��o na pol�tica externa que defende a integra��o de pa�ses em desenvolvimento).
J� Bolsonaro, em sua avalia��o, aproximou-se da Ar�bia Saudita motivado, entre outros motivos, por um alinhamento aos Estados Unidos.
"A Ar�bia Saudita � considerada uma importante aliada dos Estados Unidos no Oriente M�dio, o que faz desse processo todo muito ben�fico para o governo Bolsonaro."
O conservadorismo tamb�m aproximou o Brasil bolsonarista e a Ar�bia Saudita. No Conselho de Direitos Humanos da ONU, os dois pa�ses fizeram parte do mesmo grupo que, em 2020, pediu a retirada do trecho de uma resolu��o que defendia a educa��o sexual; no mesmo ano, ambos ficaram de fora de uma declara��o pela prote��o de pessoas intersexo.
Em 2021, nem Brasil nem Ar�bia Saudita assinaram uma declara��o no Dia Internacional da Mulher mencionando "direitos sexuais".
Em nota enviada ao colunista do UOL Jamil Chade, o Itamaraty argumentou na �poca que n�o apoiava "refer�ncias a termos e express�es amb�guas, tais como direitos sexuais e reprodutivos".
Brasil e Ar�bia Saudita ingressaram tamb�m em um grupo internacional criado em 2020 pelo ex-presidente americano Donald Trump, o Consenso de Genebra, contr�rio ao aborto e defensor da fam�lia como base da sociedade. Em janeiro deste ano, o governo Lula anunciou a sa�da do grupo.

Jamal Khashoggi foi morto em um consulado saudita na Turquia em 2018
ReutersBolsonaro, em sua visita oficial em 2019 se declarou apaixonado pela Ar�bia Saudita em um momento em que ocorriam as investiga��es sobre o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no ano anterior, em um consulado saudita na Turquia.
Um relat�rio da intelig�ncia americana apontou Mohammed bin Salman como tendo aprovado o assassinato — o que o pr�ncipe sempre negou.
Agora, com o terceiro mandato de Lula, ainda h� de se ver como o petista vai conduzir a rela��o com a Ar�bia Saudita iniciada por ele e seguida por Bolsonaro.
A reportagem pediu um posicionamento do Minist�rio do Desenvolvimento, Ind�stria, Com�rcio e Servi�os sobre as perspectivas na rela��o com o pa�s �rabe mas, ap�s o prazo decorrido, foi informada que deveria buscar o Itamaraty.
Maiko Gomes acredita que pode haver mudan�as.
"Acredito que o atual governo tenha de fato interesse em retomar com uma pol�tica externa pautada no multilateralismo e, consequentemente, no desenvolvimento de rela��es mais profundas com o Oriente M�dio."
"Mas esse processo pode ser um pouco conturbado daqui para frente, visto que observamos uma quebra muito clara na pol�tica externa brasileira. Em 3 de janeiro, o Itamaraty sinalizou oficialmente que voltar� a defender a solu��o de dois Estados no contexto palestino-israelense, o que � bem diferente da conduta adotada durante os quatro anos do governo Bolsonaro, de apoio expl�cito e pleno ao Estado de Israel."
"Todas essas quest�es envolvendo os territ�rios palestinos e o Estado de Israel podem trazer problem�ticas envolvendo as outras na��es �rabes."
Entretanto, Gomes lembra que h� interesses de ambas as partes para que as rela��es continuem frut�feras e d� um exemplo.
"O Brasil � atualmente o maior exportador de produtos hallal do mundo, que s�o produtos adequados para consumo por mu�ulmanos. Ent�o, h� interesse tanto do Brasil quanto dos pa�ses mu�ulmanos em manterem essas fortes rela��es comerciais."
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