Lula em cerimônia no Congresso Nacional

Lula ao lado dos presidentes da C�mara, Arthur Lira (� esquerda), e do Senado, Rodrigo Pacheco (� direita) em cerim�nia no Congresso Nacional

Ricardo Stuckert/PR

Agentes do mercado e pol�ticos aguardam ansiosos o an�ncio prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o chamado "novo arcabou�o fiscal". A expectativa � de que ele seja anunciado at� o final deste m�s.

O nome complicado pode ser traduzido, de forma simples, como um conjunto de regras que vai nortear a forma como o governo federal vai administrar as contas p�blicas, historicamente, um dos calcanhares de Aquiles dos �ltimos governos.

O an�ncio ainda em mar�o antecipa em cinco meses o prazo que o governo tinha para apresentar a sua proposta de novo regime fiscal.

Em dezembro do ano passado, o Congresso Nacional aprovou a chamada emenda constitucional da transi��o que determinou que o governo tinha at� agosto para levar uma nova proposta para o Parlamento.

Apesar de Haddad afirmar que o novo conjunto de regras � "consistente", o tema � visto com preocupa��o por agentes do mercado e j� � considerado como a primeira grande batalha que Lula dever� enfrentar no Congresso Nacional. Um desafio que pode servir de term�metro para aferir o tamanho de sua base parlamentar e a habilidade da sua equipe de articuladores pol�ticos.

� espera pelo an�ncio das novas regras, a BBC News Brasil entrevistou tr�s especialistas no assunto para responder quatro principais perguntas sobre o tema:

  • O que � o novo arcabou�o fiscal?
  • Por que o mercado est� ansioso?
  • Como ele pode afetar a taxa de juros?
  • Por que � a primeira grande batalha de Lula no Congresso?

Fernando Haddad em palestra

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que novo arcabou�o fiscal dever� ser apresentado at� o final de mar�o

Reuters

O que � o arcabou�o fiscal?

O economista Gabriel Leal de Barros, s�cio e economista-chefe da consultoria Ryo Asset, explica que o Brasil tem uma s�rie de regras fiscais que determinam como o governo pode gastar os recursos p�blicos e como ele deve gerir a d�vida p�blica de forma que o Estado brasileiro tenha condi��es de honrar seus compromissos.

Entre elas est� a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em 2000, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Outra regra � a que ficou conhecida como "Teto de Gastos", aprovada em 2016, durante a gest�o de Michel Temer (MDB), que determinava que as despesas s� poderiam crescer de acordo com a varia��o da infla��o.

Nos �ltimos, anos, por�m, mecanismos como o teto de gastos viraram alvo de cr�ticas. Por um lado, houve questionamentos por ela, supostamente, "engessar" os gastos p�blicos, limitando a quantidade de recursos injetados em uma determinada �rea.

De outro, a regra foi criticada por sua fragilidade, uma vez que, durante a gest�o de Jair Bolsonaro (PL), foram aprovadas propostas de emenda constitucional (PECs) que abriram brechas na norma, como a chamada PEC dos Precat�rios, que flexibilizou o teto de gastos para acomodar gastos com o pagamento de precat�rios devidos.

O novo arcabou�o fiscal, portanto, seria uma revis�o das regras que dever�o ser seguidas pelo governo federal nos pr�ximos anos.

"O novo arcabou�o � uma forma de agregar v�rias mudan�as no ordenamento fiscal brasileiro porque h� regras que ou n�o est�o mais sendo aplicadas, ou perderam import�ncia ou que n�o est�o de acordo com a vis�o do novo governo", disse o economista.

Para a diretora-executiva da Institui��o Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Vilma da Concei��o Pinto, o novo arcabou�o fiscal � um conjunto de normas sobre a governan�a das contas e da d�vida p�blica.

"Quando falamos em um novo arcabou�o, a gente fala de novos padr�es de governan�a. Trata-se de tentar dar uma perspectiva sobre como o governo vai conduzir a sua pol�tica fiscal e equilibrar a qualidade do gasto p�blico com a responsabilidade social", explica.

O ministro Fernando Haddad n�o tem dado detalhes sobre em que consiste o novo regramento desenhado pela equipe econ�mica do governo.

Na ter�a-feira (14/03), por�m, o jornal O Globo publicou uma reportagem informando que um dos pontos previstos no novo arcabou�o � zerar o d�ficit p�blico at� 2024.

Neste ano, a estimativa da equipe econ�mica seria deixar o d�ficit em at� R$ 100 bilh�es.

O d�ficit p�blico � a diferen�a entre o que o governo arrecada e o que ele gasta. Ainda de acordo com a reportagem, a proposta elaborada pela equipe de Haddad prev� modelos para que os gastos n�o superem as receitas e que as receitas sejam de pelo menos 19% do Produto Interno Bruto (PIB).

A estimativa � de que as regras propostas sejam apresentadas at� o dia 21 deste m�s, data da pr�xima reuni�o do Comit� de Pol�tica Monet�ria (Copom) do Banco Central, quando o �rg�o deve anunciar ou n�o mudan�as na taxa b�sica de juros, atualmente em 13,75% ao ano.

Por que o mercado est� ansioso?


Cotações exibidas em telas da bolsa de valores

Mercado brasileiro aguarda an�ncio de novas regras fiscais

Getty Images

Para os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o principal motivo de os agentes do chamado mercado estarem "ansiosos" sobre a proposta que o governo dever� apresentar ao Congresso Nacional � a sinaliza��o inicial de que o terceiro governo do presidente Lula seria de uma suposta pouca preocupa��o com o equil�brio das contas p�blicas.

Essa preocupa��o teria tido in�cio ainda durante a campanha eleitoral a partir de declara��es do ent�o candidato petista contra o teto de gastos e o sistema financeiro.

"N�o preciso de teto de gastos, quando voc� faz uma lei de teto de gastos � porque � irrespons�vel, porque voc� n�o confia no seu taco e n�o confia no que vai fazer. Quem � que obrigou a fazer esse teto de gastos, foi a Faria Lima? Foi o sistema financeiro? Sem se importar que o povo � dono de uma parte?”, disse Lula em julho do ano passado.

Depois de eleito, Lula passou a defender uma expans�o dos gastos p�blicos para, segundo ele, incluir a popula��o pobre no or�amento do governo federal.

Lula tamb�m articulou a aprova��o da emenda constitucional da transi��o que ampliou o d�ficit no or�amento de 2023 de R$ 63,7 bilh�es para R$ 231,5 bilh�es para comportar, em parte, a manuten��o em R$ 600 do valor do benef�cio Aux�lio Brasil, que havia sido promessa de campanha de Lula e Bolsonaro.

"O mercado est� ansioso porque, ainda que seja s� narrativa, o governo s� tem falado em expans�o do gasto e n�o em corte de despesas. Isso eleva a preocupa��o dos agentes do mercado sobre a trajet�ria e a sustentabilidade da d�vida", explicou o Gabriel Leal de Barros, da Ryo Asset.

Vilma Concei��o, do IFI, alerta, tamb�m, para a trajet�ria da rela��o entre a d�vida p�blica e o PIB, um dos par�metros para aferir a sustentabilidade das contas p�blicas de um pa�s.

Desde 2015, houve um aumento da d�vida do pa�s em rela��o ao PIB. Naquele ano, a d�vida bruta do governo era o equivalente a 57,2% do PIB. Em 2020, no auge da epidemia de covid-19, esse percentual chegou a 86,9%. Em 2022, o percentual caiu para 73,5%.

"Hoje, nossa d�vida tem uma trajet�ria insustent�vel. O novo arcabou�o tem que indicar como � que o governo vai conduzir a d�vida e traz�-la para par�metros mais equilibrados e sustent�veis", disse.

E o que o mercado espera do novo arcabou�o fiscal?

Vilma da Concei��o Pinto, do IFI, explica.

"Pra que essa regra seja cr�vel, ela precisa ser simples, flex�vel, transparente e aplic�vel. Tem que ser de simples compreens�o, transparente e aplic�vel para que n�o se transforme em uma letra morta", diz a especialista.

"N�o adianta a regra ser complicada ou n�o haver mecanismos de obrigar a sua aplica��o. Se o mercado n�o tiver clareza sobre como ela ir� funcionar, os efeitos podem ser negativos", afirma Gabriel Leal de Barros.

Como pode afetar a taxa de juros?


Roberto Campos Neto

Ex-executivo do mercado financeiro, Campos Neto � presidente do BC e vem sendo alvo de ataques de integrantes do governo e seus aliados

Reuters

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil tamb�m afirmam que, a depender das regras fiscais apresentadas pelo governo, elas poder�o sinalizar ou n�o para uma redu��o da taxa b�sica de juros em vigor no pa�s.

Em resumo: se o novo arcabou�o indicar que haver� mais controle sobre os gastos, a tend�ncia seria de redu��o da taxa de juros. Do contr�rio, o mercado reagiria a uma percep��o de maior risco sobre as contas p�blicas, pressionando os juros para cima.

Os juros estabelecidos pelo Banco Central t�m sido um dos pontos mais criticados por Lula na �rea econ�mica. Segundo ele, o atual patamar da taxa (13,75%) afasta investidores e diminui a atividade econ�mica, afetando, por exemplo, a gera��o de empregos.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por sua vez, vem afirmando que os juros est�o altos, entre outros motivos, por conta do quadro das contas p�blicas.

Em fevereiro, Campos Neto voltou a defender a disciplina fiscal durante uma sess�o solene no Congresso Nacional.

"Hoje, o que a gente precisa concentrar � em ter uma disciplina fiscal, entendendo que precisamos ter um olho mais especial no social. Quanto mais transparente e eficiente o p�blico for, mais aptos seremos para captar recursos privados", disse.

Para Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas (Ibre-FGV) e da Universidade de Bras�lia (UnB), a depender das regras que o governo apresentar, o mercado pode reagir positiva ou negativamente, afetando, por exemplo, a taxa de juros.

"Em um ambiente de maior incerteza, os investidores cobram um maior pr�mio de risco, que tem impacto nos juros. Se o arcabou�o fiscal sinalizar com redu��o do d�ficit, o mercado vai ficar menos pressionado e isso abrir� caminho para reduzir a taxa de juros", disse Manoel Pires.

"O governo precisa sinalizar com esse novo arcabou�o que vai conduzir as contas p�blicas de forma sustent�vel. E a� isso gera impacto no curt�ssimo prazo reduzindo o risco e gera condi��es ou a percep��o de que a taxa de juros pode come�ar a cair", explica Vilma Concei��o.

Por que novo arcabou�o � primeira grande "batalha" de Lula no Congresso?


Presidente Lula e bandeira do Brasil

Governo Lula ainda tenta consolidar uma base parlamentar para aprovar projetos de seu interesse

EPA

Na avalia��o dos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, aprovar o novo arcabou�o fiscal vai ser a primeira grande "batalha" de Lula no Congresso Nacional por alguns motivos.

O primeiro deles � por motivos cronol�gicos. Se o novo arcabou�o for apresentado ao Congresso em mar�o, como planeja a equipe econ�mica do governo, sua tramita��o deve come�ar antes da Reforma Tribut�ria, outra proposta cara ao atual governo Lula.

Neste aspecto, o rel�gio corre contra o governo uma vez que, se o novo arcabou�o n�o for aprovado neste ano, o or�amento de 2024 ter� que seguir as regras fiscais antigas, ou seja: o governo Lula ter� que se submeter ao teto de gastos que tanto criticou.

O segundo motivo � pol�tico.

"A aprova��o do novo arcabou�o vai ser o primeiro grande teste da base pol�tica do governo Lula e vai exigir muita articula��o. Eu avalio que � mais complicado do que aprovar a reforma tribut�ria porque nada impede o governo de adiar a reforma por alguns meses. O arcabou�o, n�o", diz o economista Manoel Pires.

"O arcabou�o � como se fosse o Plano Real do Lula. Algumas pessoas v�o dizer que estou exagerando, mas n�o acho que seja o caso. Essas regras ser�o fundamentais para ditar o futuro do governo, como o mercado vai reagir a ele e v�o demandar muita negocia��o com o Congresso", disse o economista Gabriel Leal de Barros.

"Em alguma medida, a aprova��o do arcabou�o pode criar condi��es melhores ou piores para a aprova��o da reforma tribut�ria", completou Barros.

A preocupa��o sobre a capacidade de negocia��o e o tamanho da base parlamentar do governo tem sido uma constante nos corredores do Congresso Nacional.

Apesar de vencer Bolsonaro nas urnas, Lula n�o conseguiu eleger uma bancada no Parlamento capaz de lhe dar uma maioria folgada. O PL, partido de Bolsonaro, foi a legenda que elegeu o maior n�mero de deputados federais, por exemplo.

Para ampliar sua base, Lula distribuiu minist�rios para partidos aliados e tentou se aproximar de legendas que oscilaram entre ele e Bolsonaro, como o Uni�o Brasil, que tem tr�s minist�rios, mas ainda n�o firmou posi��o oficial a favor do governo do petista.

Mesmo assim, ainda n�o h� certeza sobre se Lula conseguir� contar com uma base capaz de aprovar mat�rias importantes para o seu governo.

No dia 6 de mar�o, o presidente da C�mara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) disse que Lula n�o tinha votos suficientes para aprovar seus projetos.

"Hoje, o governo ainda n�o tem uma base consistente nem na C�mara, nem no Senado, para enfrentar mat�rias de maioria simples, quanto mais mat�ria de qu�rum constitucional", disse Lira.