Mauro Silva, presidente da Unafisco

"Se os lucros e dividendos fossem taxados, seriam arrecadados pelo menos R$ 70 bilh�es por ano"

Ed Alves/CB/D.A Press


Vila Nova de Gaia, Portugal – A significativa defasagem na corre��o da tabela do Imposto de Renda (IR) vai obrigar a classe m�dia a pagar R$ 230 bilh�es a mais do que deveria em Imposto de Renda (IR), afirmou Mauro Silva, presidente da Uni�o Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco).

Segundo ele, n�o por acaso, esse grupo social, que representa o grosso dos contribuintes, pode ser chamado de “ot�rio”. Pelos c�lculos de Silva, se a tabela do IR incorporasse a defasagem da infla��o, que est� em 134%, pelo menos 23,5 milh�es de brasileiros estariam livres de prestar contas ao Le�o. O limite de isen��o seria de R$ 4.852 e n�o de R$ 2.112, como decidido recentemente pelo governo Lula.

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O presidente da Unafisco, que participou do 7º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, afirmou estar descrente de que Lula cumpra, ao longo de seu mandato, a promessa de campanha de elevar o limite de isen��o para o Imposto de Renda a R$ 5 mil. “Sinceramente, tenho d�vidas se realmente isso acontecer�”, enfatizou. No mesmo evento, a subscret�ria-geral da Receita Federal, Adriana Gomes R�go, disse que, recentemente, houve avan�os importantes nesta seara. Ela destacou que a atual corre��o feita pelo governo na tabela do IR isentou 13 milh�es de pessoas. Mesmo assim, n�meros mais recentes do Fisco apontam que 41 milh�es de contribuintes entregaram declara��es de renda ao Le�o neste ano, um recorde.

No entender de Silva, passou da hora de o Estado brasileiro tributar os mais ricos, os que menos pagam impostos no pa�s, por usufru�ram de uma s�rie de isen��es e de recorrerem a planejamentos tribut�rios e a para�sos fiscais. Uma das ferramentas usadas por esse grupo, que representa 0,5% dos contribuintes, para n�o recolher recursos aos cofres do Tesouro Nacional � a distribui��o de lucros e dividendos por meio de empresas das quais s�o acionistas. O auditor explicou que esses ganhos est�o isentos desde 1995 e somente o Brasil e a Est�nia d�o esse tipo de benef�cio. “Se os lucros e dividendos fossem taxados, seriam arrecadados pelo menos R$ 70 bilh�es por ano”, assinalou.

Argumentos falaciosos

A gritaria dos rica�os contra a tributa��o sobre lucros e dividendos vem sob o argumento de que os investimentos produtivos podem diminuir no Brasil se esses ganhos forem taxados. “O certo � que a isen��o desses ganhos n�o resultou em mais crescimento econ�mico. Em compensa��o, os lucros e dividendos distribu�dos pelas empresas t�m crescido consistentemente, ano a ano”, frisou o auditor. Outra fal�cia, segundo ele, � a de que os mais ricos recebem os lucros e dividendos depois da tributa��o dos ganhos das empresas. Ele mostrou que os repasses para os acionistas s�o feitos com base no lucro cont�bil, antes da incid�ncia de impostos. “Portanto, n�o h� como se falar em bitributa��o”, ressalta.

Diante desse quadro, refor�a o presidente da Unafisco, � f�cil entender porque os contribuintes, em sua maioria, t�m a sensa��o de injusti�a tribut�ria, de que s�o ot�rios. Mas n�o � s�. O fiscal afirmou que o pr�prio governo subestima os benef�cios dados a grupos espec�ficos, em detrimento de trabalhadores e dos mais pobres, respons�veis por 75% da arrecada��o de impostos no pa�s, pois s�o fisgados nos contracheques e no consumo. Silva diz que as isen��es, na verdade, s�o de R$ 641 bilh�es, praticamente R$ 200 bilh�es a mais que os R$ 440 bilh�es anunciados oficialmente pelo Minist�rio da Fazenda.

“Mesmo a nossa conta n�o inclui a isen��o de lucros e dividendos nem os programas de refinanciamento de d�vidas, os Refis, realizados quase todos os anos pelo governo”, destaca o presidente da Unafisco. O resultado disso, acredita ele, � que os ganhos de capital, menos taxados, est�o se sobrepondo �s rendas do trabalho. “Tais distor��es s�o inaceit�veis. Somente neste ano, at� 6 de junho, o governo abriu m�o de R$ 165,3 bilh�es em impostos para grupos privilegiados”, complementa.

Segundo ele, para diminuir a sensa��o dos contribuintes de que est�o sendo espoliados ao pagarem seus impostos, o governo deveria propor a taxa��o de lucros e dividendo e a corre��o da tabela do Imposto de Renda no projeto da reforma tribut�ria que est� em tramita��o no Congresso. “S�o medidas eficazes, capazes de assegurar a sensa��o de justi�a fiscal. A arrecada��o de impostos � fundamental para o financiamento de pol�ticas p�blicas voltadas para a educa��o, a sa�de, a seguran�a e a redu��o das desigualdades sociais”, frisa.

Debate interditado

Jefferson Valentin, auditor da Receita Federal em S�o Paulo, diz que, no final dos anos de 1970, houve um rompimento no processo de distribui��o de renda no mundo, porque os governos optaram por dar privil�gios ao capital em vez de obrigar os mais ricos a cumprirem suas obriga��es com o Fisco. Esse movimento come�ou nos Estados Unidos e ganhou o mundo. Ele destacou que at� mesmo entre os que t�m dinheiro h� diferencia��es por classe. Isso se v� por meio da rentabilidade m�dia da renda. Os que det�m menos capital viram o patrim�nio render entre 2% e 3% ao ano. J� os mais ricos computaram ganhos de 7%.

Esses superricos ainda encontraram os caminhos facilitados para fugirem de impostos por meio dos para�sos fiscais, onde est�o 8% da riqueza do planeta. Uma das formas mais eficientes de incluir esse grupo entre os pagadores de impostos � a tributa��o sobre o patrim�nio, o que inclui heran�as e doa��es. “Somente assim, os governos conseguir�o chegar �s grandes fortunas”, frisa Valentin. O Brasil, no entanto, se recusa a avan�ar nesse debate e o fato de o Congresso eleito no ano passado ser ainda mais conservador deve, segundo Mauro Silva, da Unafisco, interditar qualquer proposta de tributa��o sobre renda e patrim�nio nos pr�ximos quatro anos.

Para o economista Andr� Roncaglia, professor da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), � preciso que “os pobres tenham mais direito e os ricos, mais deveres”. Ele ressalta que, ante as evidentes distor��es do regime de impostos no Brasil, a democracia est� sob amea�a. “Quando tratei da quest�o tribut�ria publicamente pela primeira vez, uma das perguntas iniciais que me chegou foi: imposto � roubo?”. Na opini�o dele, esse questionamento est� disseminado e s� ser� contido se a sociedade perceber, de forma clara e consistente, que tributos s�o uma forma de canalizar recursos para servi�os p�blicos e n�o uma expropria��o.