Por que pre�o do azeite de oliva � recorde - e n�o deve cair

Num restaurante portugu�s na regi�o central de S�o Paulo, o carro-chefe do card�pio � o bacalhau � lagareiro, servido com batatas, br�colis, ovo cozido, azeitonas e alho, e mergulhado em quase meio litro de azeite.

Pelas contas do propriet�rio Vitor Manuel Ferreira Pires, de 54 anos e nascido em Miranda do Douro, na regi�o portuguesa de Tr�s-os-Montes, a casa utiliza em seus pratos cerca de 200 litros de azeite de oliva por m�s.

Assim, o empres�rio tem sentido no dia-a-dia a alta global de pre�os do azeite.

"Para n�s, o azeite aumentou em torno de 30% nos �ltimos quatro ou cinco meses, estamos pagando cerca de R$ 150 por gal�o de tr�s litros, portanto quase R$ 50 o litro", diz Pires, dono do restaurante O Mirand�s.

No varejo, os pre�os est�o ainda mais salgados: consumidores relatam nas redes sociais encontrar o azeite em embalagens de 500 ml a R$ 30 ou at� R$ 40 nos supermercados.

Segundo levantamento da empresa de intelig�ncia de mercado Horus, a partir do acompanhamento de mais de 40 milh�es de notas fiscais por m�s, o pre�o m�dio do azeite virgem nos supermercados brasileiros estava em R$ 20 em julho de 2021, subindo a R$ 25 em igual m�s de 2022 e a R$ 30 este ano.

Trata-se de uma alta de 50% do pre�o m�dio do produto em dois anos, comparado a uma infla��o acumulada de 15% neste per�odo, segundo o IPCA do IBGE (�ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).

E aos amantes do azeite, uma m� not�cia: n�o h� perspectiva de melhora nos pre�os do produto � frente.

Com estoques globais nas m�nimas hist�ricas, proje��es ruins para a pr�xima safra na Europa e a expectativa de avan�o das mudan�as clim�ticas, os pre�os altos devem ser o "novo normal", dizem analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Por que o pre�o do azeite explodiu

Em agosto, o pre�o do azeite na regi�o da Andaluzia, na Espanha – pa�s respons�vel por mais de 40% da produ��o global do �leo – est� em 8,20 euros (R$ 44,60) por quilo, mais do que o dobro (+116%) dos 3,80 euros por quilo de igual m�s de 2022 e recorde hist�rico.

Na It�lia, os pre�os do azeite est�o em alta de 98% em rela��o ao ano passado e, na Gr�cia, o avan�o � de 114%, segundo levantamento da empresa de intelig�ncia de mercado e pre�os de commodities Mintec.

Os tr�s pa�ses, al�m de Portugual, produzem juntos 66% de todo o azeite do mundo, segundo dados do Conselho Ole�cola Internacional (IOC, na sigla em ingl�s), organiza��o que re�ne os pa�ses produtores de azeitona e azeite de oliva.

"Para explicar a alta nos pre�os do azeite � preciso voltar � safra passada", diz Kyle Holland, analista de �leos vegetais da Mintec, � BBC News Brasil.

"Os principais pa�ses exportadores de azeite tiveram um per�odo de crescimento [das azeitonas, os frutos das oliveiras] muito, muito seco. As �rvores n�o tiveram umidade suficiente e muitas delas n�o produziram nenhum fruto", relata Holland.

A Espanha, por exemplo, produz normalmente entre 1,3 e 1,5 milh�o de toneladas m�tricas de azeite por ano, observa o analista – cada tonelada m�trica equivale a 1.000 quilos.

Mas, na safra 2022/2023, estima-se que o pa�s tenha produzido apenas 610 mil toneladas do �leo, segundo Holland.

'Senhor, mandai-nos chuva!'

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A situa��o dos olivais da Espanha � tal que, em maio, o bispo Sebasti�n Chico Mart�nez, da cidade de Ja�n, na Andaluzia, liderou uma prociss�o religiosa onde os fi�is clamaram aos c�us por chuva – a prov�ncia de Ja�n tem mais de 60 milh�es de oliveiras e produz 40% de todo o azeite espanhol.

Uma prociss�o pedindo chuva n�o acontecia na regi�o desde 1949, segundo a imprensa local.

"Sem �gua, n�o h� azeitona, e sem azeitona, a prov�ncia sofre", disse o bispo � �poca, segundo o jornal espanhol El Pa�s.

Com a fraca safra, os estoques de azeite na Espanha eram estimados pela Mintec em 205 mil toneladas em junho, um baixo patamar sem precedentes.

"N�o estamos falando apenas do azeite de alta qualidade, mas de todo o azeite que est� nas m�os dos produtores. Ent�o h� uma preocupa��o de que, com o passar do ano e at� que comece a pr�xima safra [em outubro], os estoques de azeite possam chegar a zero na Espanha", diz Holland.

'Veja a loucura que est� acontecendo'

Tomy Rohde, um agricultor andaluz popular nas redes sociais, tamb�m expressou em junho seu temor de esgotamento dos estoques espanh�is de azeite nos pr�ximos meses.

"De setembro a outubro costuma haver meio milh�o de toneladas de azeite na reserva, porque a Espanha, al�m de produzir quase metade do azeite do mundo, e da melhor qualidade que existe, tamb�m importa ao mesmo tempo que exporta", disse Rhode, em v�deo publicado nas redes.

"O ritmo de sa�da mensal de azeite das cooperativas de prensa e envase � maior do que sabemos que temos de azeite produzido este ano", acrescentou.

"Assim, acontece algo que nunca aconteceu na hist�ria: n�o sabemos se vamos chegar a setembro-outubro com azeite na Espanha. Veja a loucura que est� acontecendo."

Proibi��o de exporta��o na Turquia e nova safra ruim

Com os problemas clim�ticos nos principais pa�ses produtores da Europa, o mercado se voltou para produtores alternativos, como Tun�sia, Turquia, Marrocos e Arg�lia.

No entanto, diante da escassez global, a Turquia anunciou em agosto a proibi��o da exporta��o de azeite de oliva at� novembro, quando come�a a pr�xima colheita, com objetivo de controlar a alta de pre�os no mercado interno.

"Isso aumentou a press�o sobre o mercado, tornando mais dif�cil agora obter o �leo dos pa�ses alternativos", diz Holland, da Mintec.

Mas as perspectivas negativas para os pre�os do azeite n�o param por a�, alerta o analista.

"O clima continua pouco favor�vel na Espanha e na maioria dos pa�ses europeus. Ent�o a expectativa para a pr�xima safra espanhola – que vai de outubro at� fevereiro – � de que ela seja novamente muito fraca, com alguns agentes do mercado falando em uma produ��o m�xima de 700 mil toneladas m�tricas, novamente abaixo da m�dia hist�rica."

Efeitos para o Brasil

O Brasil � o segundo maior importador de azeite do mundo, atr�s apenas dos Estados Unidos, e � frente de Jap�o, Canad�, China e Austr�lia – os seis pa�ses e a Uni�o Europeia (um bloco de pa�ses) representam juntos quase 80% das importa��es globais do produto, segundo o Conselho Ole�cola Internacional.

Ainda conforme o organismo internacional, o pa�s importava antes da crise atual pouco mais de 100 mil toneladas m�tricas de azeite por ano, ou cerca de 100 milh�es de litros.

A produ��o nacional de azeite deve chegar a pouco mais de 705 mil litros em 2023, segundo dados do Ibraoliva (Instituto Brasileiro de Olivicultura), entidade que re�ne os produtores brasileiros de azeitonas e azeite de oliva.

Assim, apesar de crescente, a produ��o nacional de azeite n�o chega a 1% do consumo local do produto, o que torna o mercado brasileiro bastante suscet�vel �s varia��es de pre�os globais.

"At� julho, foram importadas 39 mil toneladas de azeite de oliva extra virgem, isso representa menos 20% em rela��o a igual per�odo do ano anterior", diz Rita Bassi, presidente da Oliva (Associa��o Brasileira de Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliveira), entidade que re�ne as principais empresas do setor, como Gallo, Andorinha, Borges, Cocinero, Cargill, entre outras.

"Al�m da importa��o menor, o pre�o m�dio de importa��o esse ano est� 34% maior, ent�o obviamente n�o tem como n�o ter um aumento de pre�o no produto", diz a executiva.

"As empresas est�o fazendo todos os esfor�os para n�o colocar no pre�o todo esse problema mundial. Elas est�o segurando [reajustes], mas obviamente n�o d� para fazer isso na sua totalidade e durante muito tempo", acrescenta.

Segundo a presidente da associa��o, uma das estrat�gias das empresas para se adaptarem ao cen�rio de pre�os mais altos tem sido oferecer aos consumidores embalagens menores, a pre�os mais acess�veis.

Bassi alerta, por�m, para um problema decorrente da alta de pre�os: o aumento da venda de azeites adulterados no pa�s.

"Quando h� um cen�rio de escassez da oferta e aumento do pre�o da mat�ria-prima, aparecem os oportunistas e a fraude aumenta muito", afirma a executiva.

"Portanto, recomendo aos consumidores: cuidado com a marca que voc� compra, evite marcas desconhecidas. Fique atento ao pre�o, pois milagres n�o existem. E tente aproveitar as promo��es no varejo das marcas que voc� j� conhece e confia."

Azeite em alta, �leo de soja em baixa

Enquanto o azeite fica cada vez mais caro, o oposto acontece com o �leo de soja, que registra queda de pre�os de 37% no acumulado de 12 meses at� julho, segundo o IBGE.

"Com a safra recorde, o pre�o do �leo de soja no mercado local vem baixando e puxando os demais [�leos vegetais] para baixo", diz Laura Pereira, especialista em �leo de girassol e azeite de oliva da Aboissa Commodity Brokers.

"Temos milho, girassol e canola, que s�o produtos mais premium, e mesmo eles t�m acompanhado a varia��o do �leo de soja", observa a analista.

Segundo Pereira, essa combina��o de fatores pode levar os brasileiros a reduzirem o consumo de azeite, que j� � baixo na compara��o internacional.

Segundo o Conselho Ole�cola Internacional, os brasileiros consomem 0,4 kg de azeite por pessoa por ano, comparado a 11,5 kg na Gr�cia, 10,6 kg na Espanha e 7,5 kg na It�lia, os maiores consumidores de azeite per capita do mundo.

"Essa varia��o t�o grande [de pre�os do azeite e do �leo], num pa�s de terceiro mundo com uma cultura de consumo de soja, vai fazer com que a gente segmente mais [o consumo de azeite] entre as classes sociais", diz Pereira.

"Vamos ter mais gente consumindo �leo de soja", acredita a analista. "Mesmo para os �leos de milho, canola e girassol, j� est� havendo essa substitui��o. Se isso acontece com produtos que s�o mais pr�ximos em pre�o [ao �leo de soja], imagina com o azeite de oliva, que hoje est� passando dos R$ 30 na g�ndola."

Mudan�a clim�tica e infla��o global de alimentos

O caso do azeite de oliva, afetado pela falta de chuvas nos dois �ltimos anos na Europa, ilustra uma preocupa��o global crescente: a do impacto das mudan�as clim�ticas sobre os pre�os mundiais dos alimentos.

Um estudo publicado em junho pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Instituto Potsdam de Pesquisa em Impacto Clim�tico (PIK, na sigla em alem�o) estimou que o aquecimento global pode aumentar a infla��o mundial em at� 1,18 ponto percentual ao ano at� 2035 e o pre�o dos alimentos em at� 3 pontos percentuais ao ano neste mesmo horizonte de tempo.

"As mudan�as clim�ticas futuras ampliar�o a magnitude dos extremos de calor, ampliando tamb�m seus impactos potenciais sobre a infla��o", alertam os autores do estudo.

Kyle Holland, da Mintec, avalia que, para o azeite, a alta de pre�os � possivelmente um caminho sem volta.

"As oliveiras resistem bem ao calor, mas nos per�odos prolongados de seca, quando a irriga��o se torna mais dif�cil, elas sofrem", diz Holland.

"Muitos agentes avaliam que essa tend�ncia vai continuar, ent�o eles est�o bastante preocupados que os pre�os n�o t�m perspectiva de queda e que o n�vel atual de pre�os talvez seja um 'novo normal'."

Vitor Manuel Ferreira Pires, o portugu�s dono de restaurante em S�o Paulo, est� atualmente em Portugal e conta que j� v� os efeitos da mudan�a clim�tica na sua terra natal.

"Eu nasci em Portugal, morei aqui at� os 17 anos e, este ano, me deparei com um ver�o com 42°C, realmente uma coisa que eu nunca tinha visto na minha vida", diz o empres�rio.

"Andei pelos campos, por olivais, por vinhas, e vi a situa��o aqui – realmente atrapalha em muito a produ��o daquilo que a gente sempre fez: o vinho, o azeite, a corti�a. Uma s�rie de coisas que s�o t�picas do pa�s est�o se esvaindo, por causa do pr�prio homem. Ent�o isso realmente me preocupa muito."