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Estado de Minas LEI DE COTAS - 10 ANOS

Lei de cotas: por que, 10 anos depois, pol�tica bem-sucedida est� amea�ada?

Uma d�cada ap�s abrir melhores universidades a estudantes de escolas p�blicas, sistema deveria passar por revis�o, que ningu�m sabe como e quando vir�


11/09/2022 04:00 - atualizado 12/09/2022 07:45
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Deynaba Kane e Ana Mariana Lima, cotistas e alunas do curso de letras da UFMG
Deynaba Kane e Ana Mariana Lima, cotistas e alunas da Faculdade de Letras da UFMG: sistema abriu horizontes para estudantes que se formaram no ensino p�blico (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

H� dez anos, uma transforma��o na legisla��o que disciplina o acesso �s universidades p�blicas brasileiras abria os port�es de um o�sis de excel�ncia no ensino gratuito nacional para uma legi�o de estudantes provenientes de escolas mantidas por prefeituras, estados e pelo pr�prio governo federal.

No segundo semestre de 2012, a chamada Lei de Cotas derrubava uma das barreiras sociais mais imponentes no Brasil: a que separava alunos de menor renda das melhores institui��es de ensino superior no pa�s. Mas, ap�s enfrentar pol�micas e tabus, a chamada pol�tica afirmativa completa uma d�cada em nova encruzilhada: a revis�o prevista para este ano no pr�prio texto legal est� ficando para depois.

Por consequ�ncia, a avalia��o cr�tica e o aperfei�oamento do mecanismo tamb�m ser�o adiados – inclusive diante da percep��o de que, em ano eleitoral, com debates ideol�gicos acirrados, falta ambiente para a necess�ria discuss�o t�cnica.

Falta tamb�m uma avalia��o oficial do impacto da mudan�a. Um v�cuo legal e administrativo que cria inseguran�a entre benefici�rios e defensores do sistema, impedindo ao mesmo tempo que ele avance para permitir, por exemplo, que cotistas tenham acesso ao percentual total de vagas reservado a eles em cursos mais disputados, como odontologia e medicina. Ou que estudantes de baixa renda que conquistaram bolsa no ensino b�sico em escolas particulares tamb�m possam postular o benef�cio.

Mas, se o futuro � uma inc�gnita, n�meros parecem indicar um consenso: os c�mpus mudaram de cara. Ficaram mais heterog�neos, recebem mais estudantes de baixa renda e multiplicaram o total de universit�rios negros e ind�genas, como mostra s�rie de reportagens que o Estado de Minas publica a partir de hoje.
 
 
Lilian Delfino, jornalista que se formou na primeira turma de cotas da UFJF
Para Lilian Delfino, que entrou na primeira turma de cotas da UFJF, a nova legisla��o colocou em p� de igualdade pessoas antes exclu�das da gradua��o (foto: Max Costa/Divulga��o)
L�lian Delfino, �talo Pereira, Deynaba Kane e Ana Mariana Lima s�o o retrato dos brasileiros cujas hist�rias e conquistas pessoais se entrela�am com os acontecimentos da �ltima d�cada nas universidades federais. Assim como milhares de outros estudantes que cursaram o ensino m�dio fora da rede particular, apoiados na Lei de Cotas, eles conquistaram a garantia legal de tamb�m ocupar espa�os nobres de ensino, pesquisa e extens�o na educa��o superior p�blica.

A batalha por uma universidade p�blica plural ainda � longa e passa pela moderniza��o da pr�pria legisla��o, que est� sendo adiada. Em meio � indefini��o, o EM mostra a partir desta edi��o conquistas e desafios da principal a��o afirmativa da educa��o no pa�s, tendo como pano de fundo as hist�rias desses quatro cotistas, em um quadro no qual a oportunidade de gradua��o surgiu, mais que como uma oportunidade, como uma esperan�a para v�rias gera��es.

A Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, reservou 50% das vagas nas universidades federais a estudantes que tenham cursado integralmente o ensino m�dio em escolas p�blicas, e metade delas em escolas federais de n�vel m�dio para alunos que tenham feito todo o ensino fundamental nas redes municipais ou estaduais.

Do total de vagas reservadas, 50% devem ser destinadas a estudantes provenientes de fam�lias com renda igual ou inferior a 1,5 sal�rio m�nimo per capita. O restante precisa ser distribu�do entre autodeclarados pretos, pardos e ind�genas e pessoas com defici�ncia, em propor��o equivalente ao total dessa popula��o na unidade da Federa��o onde est� instalada a institui��o, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).

Moradora de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, L�lian de Freitas Delfino, de 27 anos, entrou na gradua��o na primeira turma das cotas, no primeiro semestre de 2013. “Tinha no ensino m�dio um professor engajad�ssimo com quest�es sociais e pol�ticas, e esse era um dos temas abordados na aula dele, temas considerados ‘tabu’ na nossa idade”, conta a jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Ela lembra que, se tivesse optado pela ampla concorr�ncia, tamb�m teria sido aprovada, mas para o segundo semestre. “Era algo que eu tinha j� bem esclarecido, apesar da defini��o recente no ensino do Brasil, e achava que as a��es afirmativas eram um direito. Tinha certeza de que seria um benef�cio para mim em rela��o a outras viv�ncias de ensino na universidade”, diz.

L�lian se recorda de que, naquele ano, ficou claro quem tinha entrado pelas cotas pela modalidade de pessoas pretas: eram apenas tr�s, numa turma de 30. E lamenta ainda que, na �poca, apesar de cursar comunica��o social, n�o tenha havido debate sobre o assunto em classe. Mesmo assim, se sente aliviada com a evolu��o. “Minha irm�, aluna da universidade atualmente, faz comunica��o. Hoje, tem muitas pessoas negras, � uma divis�o mais igualit�ria”, conta.

Para ela, as cotas puseram em p� de igualdade pessoas antes exclu�das da gradua��o. “N�o teria sido chamada para a turma em que entrei, fez toda a diferen�a para mim. Minha irm�, sendo aluna da universidade, mulher negra, tendo outros negros na turma dela... Era o que precisava para dar oportunidade a pessoas que de outras formas n�o conseguiriam entrar em institui��o federal. Ou iriam para faculdade particular ou nunca fariam uma gradua��o”, avalia.

Para ela, faculdade e diploma mudaram completamente a vida. “Universidade era um sonho, consegui fazer especializa��o e foi a porta aberta de que precisava na adolesc�ncia. At� ent�o, apenas duas primas tinham entrado na universidade. Fui a terceira e, da� em diante, toda a fam�lia tem feito faculdade”, relata a jornalista, filha de uma t�cnica em enfermagem e de um zelador.

MUDAN�A


As cotas mudaram a composi��o �tica e social da universidade, afirma Romualdo Portela de Oliveira, diretor do Cenpec, organiza��o da sociedade civil que trabalha pela equidade e qualidade na educa��o b�sica p�blica do pa�s. E, por isso, � t�o preocupante que o assunto n�o venha sendo debatido em n�vel federal. “H� uns 15 ou 20 anos se discutia gratuidade no ensino superior, com o argumento de que ele servia a setores abastados da sociedade.

Esse argumento morreu a tal ponto que essa discuss�o sumiu. A Lei de Cotas democratizou a universidade de maneira in�dita na hist�ria do pa�s. N�o fazer balan�o, n�o reconhecer que teve impacto brutal em algo do ponto de vista estrat�gico de democratiza��o das oportunidades de educa��o � muito preocupante, � um governo que n�o compreende a educa��o do pa�s”, critica.

As cotas se tornaram universais no sistema federal de ensino h� 10 anos, mas j� eram realidade em algumas institui��es bem antes disso. � o caso da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que oito anos antes da mudan�a j� havia aprovado resolu��o pr�pria e instaurado a a��o afirmativa em seus vestibulares. Com uma diferen�a: o candidato tinha que ter cursado, al�m do m�dio, tamb�m parte do ensino fundamental na rede p�blica. Recentemente, o Conselho Superior da universidade aprovou a Resolu��o 67, adotando cotas em todos os programas de mestrado e doutorado para negros, povos de comunidades tradicionais quilombolas, ciganos, pessoas trans, refugiados e pessoas com defici�ncia.

“Muda o perfil da p�s e dos temas a serem pesquisados. Temas trazidos para fazer pesquisa mudam tamb�m a ci�ncia, deixa de ser modelo cient�fico com paradigma ocidental moderno com temas que interessam mais �s comunidades em diversas �reas”, afirma o diretor de a��es afirmativas da UJFJ, Julvan Moreira de Oliveira. 

“E, mais � frente, possibilitar� mudan�a no perfil dos cientistas e professores das pr�prias universidades. Pessoas trans, com defici�ncia, ind�genas, negros poder�o concorrer a esses concursos, alterar o perfil dos quadros profissionais, dos pesquisadores e docentes da nossa sociedade.” 


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