
Na ocasi�o, a situa��o financeira da fam�lia era prec�ria. A jovem fazia est�gio para manter seus gastos com a faculdade e ajudar os pais, que eram trabalhadores aut�nomos, do jeito que era poss�vel.
“Foram quatro anos de muito esfor�o e perrengues. Tive que trancar a faculdade durante um ano por n�o conseguir conciliar a press�o de renda e estudo”, contou. Ao mesmo tempo, lidou com a ang�stia de ver um homem branco ocupando o cargo que seria dela por direito.
Foi apenas no fim do ano passado que a Funda��o Mariana Resende Costa (Fumarc), respons�vel pelo concurso da CBTU, tomou provid�ncias para reaver o emprego de pessoas n�o-pretas que fraudavam as cotas raciais.
Na �poca do concurso, em 2016, ainda n�o havia sido publicada a portaria que regulamenta o procedimento de heteroidentifica��o. Em 18 de novembro, houve a convoca��o para procedimentos de avalia��o de autodeclara��o �tinico-racial para candidatos que declararam negros. Em 21 de dezembro, 13 pessoas tiveram avalia��es indeferidas.
St�fany hoje tem 25 anos e conta como ocorreu o seu processo de sele��o. “Prestei em 2016 o concurso da CBTU para o cargo de t�cnica em estradas, fiquei em 8º lugar na ampla concorr�ncia e em 4º lugar na reserva de PPP, que se deu por autodeclara��o. O concurso era para preenchimento de vagas e cadastro de reserva”, contou.
Ela foi convocada para avalia��o m�dica em 2 de janeiro de 2017 e, em 14 de fevereiro do ano passado, come�aram as convoca��es para admiss�o dos cargos – nessa parte, ela n�o foi chamada. “Nesse per�odo n�o houve nenhuma convoca��o ou processo para valida��o da autodeclara��o �tnico-racial e eu fui diretamente prejudicada com essa falha do �rg�o e da banca”, relatou.
S� em 2018 foi publicada a Portaria Normativa nº 4/2018 que regulamenta o procedimento de heteroidentifica��o complementar � autodeclara��o dos candidatos negros em concursos p�blicos.
“Trata-se de uma portaria que autoriza que as institui��es fa�am essas bancas de heteroidentifica��o para avalia��o do fen�tipo, que vai desde a tonalidade da pele a outras quest�es. Passou a ser uma obrigatoriedade a exist�ncia dessas bancas de heteroidentifica��o para justamente coibir as fraudes”, explica Gilberto Silva advogado especialista em crimes raciais e crimes contra a honra.
A jovem descobriu a fraude na admiss�o por PPP porque um conhecido foi admitido utilizando a reserva de cota do concurso e ele n�o tinha direito algum sobre a vaga por se tratar de um homem branco e de fam�lia branca.
“Ele, por outro lado, era concursado da Superintend�ncia de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) e sempre teve uma situa��o financeira aparentemente muito est�vel. Fiquei nutrindo a esperan�a de novas contrata��es ou de alguma movimenta��o do �rg�o quando � errata da admiss�o, o que n�o aconteceu”, conta a jovem.
Em um primeiro momento, St�fany teve medo de buscar a Justi�a. “Sempre me questionava como ele tinha coragem de bancar isso, tomando uma vaga que n�o era dele, e tamb�m levava para o lado pessoal, j� que ele sabia da minha situa��o. Hoje, entendo que esses s�o atos de pessoas racistas, que geram nega��o da nossa parte por virem de pessoas pr�ximas ao c�rculo de conviv�ncia”, relata a jovem.
Em 19 de novembro do ano passado, a CBTU publicou a convoca��o para procedimento de valida��o da autodeclara��o �tnico-racial para candidatos que se declararam negros pretos ou pardos, admitidos nessa cota por ocasi�o do Concurso P�blico - Edital 001/2016 se deu em cumprimento �s recomenda��es do Minist�rio P�blico Federal.
“A CBTU-BH esclarece que quando da realiza��o do concurso, em 2016, n�o havia essa exig�ncia, raz�o pela qual n�o foi aplicada tal medida. Somente com a atual recomenda��o do Minist�rio P�blico Federal o referido procedimento de Valida��o da Autodeclara��o �tnico-Racial tornou-se obrigat�rio”, informou a companhia por meio de nota.
O resultado foi publicado em 21 de dezembro do ano passado pela CBTU. No documento p�blico, constam o nome de 13 pessoas que foram indeferidas pela banca. Entre eles, est�o: Luis Claudio Barbosa Gandini e Vitor Rangel de Mendon�a.

A banca
A valida��o da autodeclara��o �tnico-racial � acompanhada pela Banca de Heteroidentifica��o constitu�da pela Funda��o Mariana Resende Costa (Fumarc). O processo � constitu�do por valida��o fenot�pica da autodeclara��o �tnico-racial dos candidatos.O candidato que n�o efetuou os procedimentos definidos no edital foi considerado desistente e foi eliminado da demanda de cota para candidatos negros, pretos ou pardos. Ainda de acordo com o edital, a valida��o da autodeclara��o �tnico-racial � realizada presencialmente por meio de uma entrevista de heteroidentifica��o ou por meio do envio dos documentos.
Para valida��o presencial, devido ao atual cen�rio de pandemia de COVID-19, segundo o edital, foram tomados todos os cuidados. O processo consiste em uma entrevista simples na qual o candidato apresentar� as raz�es que o levaram a se declarar como pessoa pretos ou parda.
A banca foi composta por tr�s membros e seus suplentes e teve composi��o que atendia ao crit�rio da diversidade, garantindo que seus membros fossem distribu�dos por g�nero, cor e, preferencialmente, naturalidade. De acordo com o edital, as entrevistas foram realizadas nos dias 7, 9 e 10 de dezembro. O candidato tamb�m teve oportunidade de optar por participar do processo de valida��o da autodeclara��o, inicialmente de forma n�o presencial, enviando o material no prazo e forma a seguir discriminado.
Nesse caso, o procedimento ocorreu por meio da avalia��o dos arquivos enviados por fotos e v�deo. Caso fosse necess�rio, por decis�o da banca, os candidatos tamb�m poderiam passar por avalia��o telepresencial/videoconfer�ncia ou at� mesmo presencial. O prazo para este foi de 30 de novembro at� 2 de dezembro de 2020.
O advogado Gilberto Silva esclarece que ocorre a revis�o e as pessoas que n�o se encaixavam dentro do fen�meno, pessoas pretas e pardas s�o eliminados no concurso. “Elas s�o dispensadas pode ocorrer a��es contra essas pessoas. Pode acontecer de ter a��es criminais e a��es c�veis a fim de repara��o de danos”, acrescentou.

Indigna��o e demora
St�fany acompanhou todo o processo de valida��o. “Come�amos a buscar informa��es sobre os poss�veis fraudadores. Isso porque sab�amos de outra pessoa que tinha usado cotas indevidas tamb�m para ingressar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com isso, surgiu a suspeita de que um dos fraudadores tamb�m teria usado cota indevida para ingresso na gradua��o do Centro Federal de Educa��o Tecnol�gica de Minas Gerais (Cefet) - faculdade que cursamos hoje. E acertamos: ele tamb�m usou cota racial para entrar na faculdade”, relata.
Tomada por indigna��o, ela foi motivada a deixar p�blica essa situa��o. “Nessa semana a mesma pessoa que me prejudicou h� quatro anos estava postando foto na praia com uma tia ju�za, pouco preocupado se ser� exonerado, pouco preocupado com a pessoa que ele impediu de assumir a vaga”, acrescentou a jovem.
Marcos Cardoso, integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), explica que isso faz parte do que o o movimento denuncia como racismo estrutural na sociedade brasileira. “Que est� tanto atravessado pelas pr�prias empresas que permitem isso, pelas pessoas que utilizam das contas para fraude e a pr�pria pessoa que � v�tima que n�o denuncia.”
A jovem diz estar revoltada pela CBTU demorar tanto tempo para come�ar o processo de averigua��o. “Se foi por conta pr�pria ou obriga��o judicial, n�o sei. Por�m, nessa caminhada t�o longa que � a luta antirracista, os resultados simbolizam esperan�a e uma sensa��o de justi�a. A CBTU n�o fez mais que a obriga��o e espero que admitam as pessoas que realmente t�m direito �s vagas”, contou.
Ela quer que a situa��o se torne p�blica para que mais mulheres e homens negros nunca se perguntarem se devem ou n�o correr atr�s do que � seu direito.
“N�o podemos ter medo, � nosso, n�s merecemos e n�o iremos/n�o podemos desistir. J� nos foi tirada tanta coisa, que a exist�ncia das cotas � o m�nimo para a repara��o. Garantir que tenhamos espa�os onde n�o nos deixaram entrar - n�o deixaram mesmo porque temos capacidade de sobra para tal -, garantir o m�nimo de suporte que nunca foi dado”, acrescenta.
Marcos Cardoso completa: “Acho que a quest�o mais importante � denunciar e, se for o caso, levar a empresa � justi�a. Porque a empresa tamb�m � racista”.
Os candidatos puderam interpor recurso contra o resultado preliminar da entrevista no dia 15 e no dia 16 de dezembro.
Outro lado
A CBTU informou ao Estado de Minas que “n�o comenta a situa��o individual de nenhum candidato em particular. Todos os atos do concurso s�o p�blicos e est�o amparados pela legisla��o e pelo Edital de Convoca��o que rege o procedimento”.
A reportagem tentou contato com Vitor Rangel de Mendon�a pelas redes sociais e por telefone. Ap�s contato, Vitor deletou a p�gina e n�o respondeu � reportagem. O contato tamb�m foi feito por via redes sociais e telefone com Luis Claudio Barbosa Gandini., mas sem sucesso. Este espa�o est� aberto para o posicionamento de ambos.