(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LEI DE COTAS

10 anos da Lei de Cotas: da escola p�blica para o diploma de medicina

Hoje m�dico, ex-estudante que entrou na UFJF com o apoio da medida � exemplo da amplia��o de acesso, mas conscientiza��o precisa avan�ar


12/09/2022 04:00 - atualizado 19/10/2022 16:07
462

Ítalo Pereira, que se formou em medicina na UFJF após entra pela Lei de cotas e hoje é médico generalista em São Paulo
"Eu morava perto da UFJF. Antes de saber o curso que faria, eu j� sabia onde iria estudar" - �talo Pereira, de 25 anos, que se formou em medicina depois de toda a vida escolar no ensino p�blico (foto: Arquivo Pessoal/Divulga��o)
 
 
No consult�rio de um dos postos de sa�de de S�o Bernardo do Campo (SP), o filho de um pedreiro e de uma operadora de caixa veste o jaleco branco para atender aos pacientes. Foi por meio das cotas que �talo Pereira, de 25 anos, estudou medicina e virou doutor – mesmo que ele n�o goste de ser chamado por esse t�tulo. A m�e parou de trabalhar, pois, hoje, ele consegue custear aquela que, apesar de todas as dificuldades, nunca perdeu as esperan�as. “Eu morava perto da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Antes de saber o curso que faria, eu j� sabia onde iria estudar. Minha m�e e minha tia sempre falaram: ‘Voc� vai estudar l�’”, conta. Elas estavam certas. H� um ano, ele se formou.

O hoje m�dico sempre estudou em escola p�blica e cursou o n�vel m�dio no Instituto Federal de Juiz de Fora. “Na minha escola faltaram s� fazer cartaz quando fui aprovado, porque � um meio bem pobre”, conta. Mas, chegar at� a gradua��o, por meio das cotas, foi um longo processo que passou tamb�m pela aceita��o. “Essa quest�o de negros n�o retintos � comum em muitas pessoas, por falta de refer�ncia mesmo. Minha pele � mais escura que a dos meus pais, tenho av� negro retinto, minha fam�lia � de v�rias origens, etnias, custei a entender o que sou. E s� consegui depois de perceber que determinadas situa��es pelas quais passei na minha vida tinham quest�es raciais envolvidas”, relata. “Durante quase todo o ensino m�dio tive aux�lio de renda, o que me ajudou a olhar para a UFJF pensando nessa quest�o da perman�ncia. A partir do momento em que me aceitei como negro, quis as cotas tamb�m e percebi a quest�o do direito.”

Nesta segunda reportagem sobre uma d�cada da Lei de Cotas, o Estado de Minas mostra como justamente o direito ao ingresso por meio da a��o afirmativa parece estar ainda distante do conhecimento de todos, apesar da mudan�a no perfil do estudante das universidades federais. Isso se traduz na dificuldade de algumas faculdades ou cursos em preencher todas as vagas destinadas a cotistas que, no fim, acabam indo para a modalidade de ampla concorr�ncia.

“Ainda h� estudantes que n�o v�m em busca (do direito �s cotas). Nesse �ltimo ano ainda tivemos o problema de o governo federal n�o liberar a isen��o da taxa do Enem (Exame Nacional do Ensino M�dio) para estudantes carentes (que n�o justificaram a aus�ncia na avalia��o de 2020 por causa do coronav�rus). Prejudicou o estudante que vem de fam�lia com renda de at� 2,5 sal�rios. Ocorria em anos anteriores, mas, agora, a diferen�a est� bem evidente”, relata o diretor de A��es Afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Julvan Moreira de Oliveira. “Abrimos at� cinco chamadas em cotas, depois a vaga vai para a ampla concorr�ncia”, conta.

VAGAS N�O V�M SENDO PREENCHIDAS

Ele ressalta que � preciso avan�ar. Nos cursos mais disputados, como odontologia e medicina, o n�mero de cotistas presentes em sala de aula n�o obedece ao percentual definido pela legisla��o. “Essa porcentagem n�o vem sendo preenchida na sua totalidade. Acho que essa vis�o de que o candidato tem direito n�o est� incorporada. A universidade tamb�m precisa assumir o papel de trabalho de extens�o de ir �s escolas p�blicas para conscientizar educadores e estudantes”, destaca.

Apesar disso, a universidade est� muito mais diversa que aquela de algumas d�cadas atr�s, garante Julvan de Oliveira. Para ele, algumas altera��es s�o necess�rias, como abrir o caminho das cotas a estudantes provenientes de fam�lias com renda de at� 1,5 sal�rio que tenham estudado em escola particulares com bolsa. “O fato de o filho de uma faxineira ter feito o ensino m�dio num col�gio privado n�o o retira da sua condi��o social nem da condi��o racial.”

VIDA NOVA

Necessidade de adapta��es � parte, parece evidente que a condi��o social muda de par�metros gra�as ao curso superior. Desde a formatura, o trabalho do jovem m�dico �talo se tornou um divisor de �guas na quest�o financeira. Para os pais dele, n�o foi nada f�cil custear os materiais ao longo de um curso t�o caro, o que os obrigou a apertar ainda mais daqui e dali o or�amento sempre restrito. “Quando o primeiro sal�rio cai na conta e � pelo seu pr�prio esfor�o, � uma vit�ria. Aos poucos, eu poder dar a eles o retorno � bacana”, diz.

“Quando a pessoa ingressa na faculdade, o meio muda e isso � verdade. Minha m�e vem para S�o Paulo, hoje dou a ela presente caro. Eu j� tinha um exemplo na minha fam�lia de uma pessoa estudiosa que fez direito e trabalhou para pagar a faculdade. Ele tinha condi��o financeira melhor na fam�lia, � negro tamb�m e foi minha refer�ncia. D� para ver como a fam�lia muda e amadurece”, relata ele, primeiro de seu grupo familiar a cursar universidade p�blica.
 
Belo Horizonte - MG. Restaurante Setorial da UFMG (bandejão)
Restaurante universit�rio da UFMG: al�m da maior diversidade entre universit�rios, Lei de Cotas desmistificou problemas de integra��o e conviv�ncia entre alunos ricos e pobres (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 5/9/18)
 

Falta de revis�o e futuro incerto

Um limbo jur�dico deixa no ar o futuro das cotas para ingresso em institui��es federais de ensino t�cnico e superior. A lei, de 2012, prev� a revis�o do programa especial de acesso �s institui��es federais de ensino 10 anos depois da publica��o, mas at� hoje ela n�o saiu do papel. No Congresso, projetos de lei deliberando sobre o tema se arrastam desde 2020, enquanto movimento liderado pela Universidade Zumbi dos Palmares e representantes da sociedade civil e empresarial busca 1 milh�o de assinaturas em documento para garantir a continuidade do programa de reserva de vagas.

“A lei n�o prev� data nem hora para avalia��o. Pressup�e-se que, antes de exaurir o prazo, essa avalia��o deveria ter sido feita para que, no fim, o legislador pudesse debru�ar e fazer nova proposi��o, inclusive a de renovar a lei. Se governo n�o fez essa an�lise at� agora e n�o tem demonstrado interessem em faz�-la, ser� um obst�culo”, destaca o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, Jos� Vicente. “N�o pode ter lei nova, porque n�o se fez revis�o. E, em um ano de elei��o e Copa, n�o v�o fazer. � um limbo jur�dico que deixa todos com sentimento de terr�vel grau de inseguran�a.”

O movimento Cotas sim! conta com apoio de grupo de juristas de universidades, legisladores e educadores para ajudar o Congresso a aprovar uma lei que seja clara, precisa, funcional, efetiva e contemple as fragilidades da atual. Na C�mara, o PL 1788/2021, do deputado Bira do Pindar� (PSB/MA), prev� revis�o em 2032. Ele j� foi aprovado por tr�s comiss�es e aguarda parecer da de Constitui��o e Justi�a e Cidadania. No Senado, o PL 4656/2020, do senador Paulo Paim (PT/RS), sugere revis�o a cada 10 anos. O texto est� em aprecia��o na Comiss�o de Educa��o, Cultura e Esporte.

Jos� Vicente defende que decis�es n�o sejam tomadas de forma abrupta. “H� consenso na maioria expressiva da sociedade de que a��o afirmativa � necess�ria, indispens�vel e, mais do que justa, e permite a equidade social e educacional”, diz. “Mas n�o d� tempo de mobilizar parlamentares que eventualmente sejam a favor de a��o dessa natureza. Um projeto que n�o seja elaborado e estruturado pode ser arquivado. H� uma s�rie de firulas legislativas e jur�dicas para quem estiver interessado se aproveitar. Sem contar a hip�tese de sair uma lei dessa natureza e entrar algo pior”, avalia.

O diretor de A��es Afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Julvan Moreira de Oliveira, tamb�m prefere a prud�ncia. “Este ano eleitoral, com toda essa carga emocional, qualquer posi��o contr�ria ou favor�vel pode prejudicar a an�lise e a revis�o dos 10 anos de cotas. Melhor fazer em momento menos tenso, para termos an�lise mais racional. Sem posi��es contr�rias e a favor, e com dados objetivos”, pondera.

O reitor da Zumbi dos Palmares lembra que as a��es afirmativas no Brasil t�m mais de 20 anos. A primeira a adotar as cotas foi a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em 2001, seguida pela Universidade de Bras�lia (UnB), dois anos depois. “S�o duas d�cadas de produ��o de tecnologias e medidas para garantir a lisura dos processos e impedir fraudes”, destaca.

Para ele, muitas foram as contribui��es das a��es afirmativas, mas uma das mais extraordin�rias � a desmistifica��o do sistema. “Todos n�s crescemos diante dessa pseudoamea�ada de intera��o com o p�blico negro e pobre, da mesma maneira uma percep��o de que essa conviv�ncia tornaria o ambiente ‘impuro’. Com as cotas, vimos que nada disso ocorreu, e n�o houve diminui��o e despurifica��o alguma”, afirma. “Pelo contr�rio, nossos dem�nios e fantasmas sempre foram falsos. A Lei de Cotas mostrou que n�o s� a conviv�ncia � poss�vel, como ela � criadora e humaniza todos: negros, pobres, brancos, ricos e institui��es. Pressupostos que estruturam nosso pensamento de sociedade justa e igualit�ria n�o s�o utopias, s�o concretos.”



receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)