
Portugal � um lugar onde se trabalha muito. O pa�s est� em terceiro lugar no ranking das maiores jornadas de trabalho dentre as na��es da Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE).
Cerca de 70% dos portugueses trabalham mais de quarenta horas semanais.
Mas, agora, isto pode come�ar a mudar: no segundo semestre deste ano, o pa�s ib�rico se juntar� a outras na��es europeias e aos Estados Unidos ao realizar um teste da semana de trabalho de apenas quatro dias, ao inv�s dos cinco atuais.
A brasileira Renata Lima, 45, � consultora de Tecnologia da Informa��o e mora em Portugal desde novembro de 2019.
No dia-a-dia, ela nota uma resist�ncia dos portugueses � ideia de trabalhar menos.
"Aqui em Portugal o pessoal � muito focado no trabalho. S�o pontuais. Muita gente aqui � fumante, ent�o eles costumam descer para fumar. Mas, se precisar, ficam at� mais tarde. Voc� v� isso at� nos hor�rios dos com�rcios: os shoppings ficam abertos at� �s 23h; funcionam s�bados, domingos e feriados. � at� mais que no Rio de Janeiro. Mas o sindicalismo tamb�m � relativamente forte aqui", diz ela.
A especialista em TI chegou a Portugal em 2019. "Uma empresa me encontrou pelo LinkedIn e me convidou para vir para Portugal. Fiz a entrevista, fui selecionada, e eles me apoiaram no processo de migra��o", conta ela, que recentemente trocou a empresa original por uma multinacional do setor automotivo.
Renata conta que gostaria de fazer parte do teste da semana de quatro dias, se sua nova empresa aderir � iniciativa.
At� o momento, cerca de 90 empresas portuguesas j� aderiram � iniciativa, marcada para come�ar em junho.
Pelas regras do teste, as empresas se comprometem a efetivamente encurtar a jornada dos funcion�rios, e n�o apenas a redistribuir as horas do dia de folga entre os quatro restantes. Tamb�m n�o pode haver redu��o de sal�rio.
O governo portugu�s investir� cerca de 350 mil euros na organiza��o da iniciativa, mas n�o subsidiar� as empresas que aderirem. De in�cio, s� empresas privadas poder�o participar.
Um teste parecido ocorrer� depois no setor p�blico. A realiza��o do teste � um compromisso de campanha do atual governo socialista de Portugal, eleito em janeiro de 2022.
O economista portugu�s Pedro Maia Gomes coordena o projeto de teste da semana de quatro dias em Portugal.
Segundo ele, todas as pesquisas demonstram que a jornada de quatro dias � aprovada pelos trabalhadores. Portanto, o foco do teste � medir os impactos sobre as empresas.
"H� um efeito na produtividade durante os outros dias (de trabalho). Um trabalhador mais descansado trabalha melhor, com menos erros e com mais criatividade. Mas isso por si s� n�o � suficiente."
O segundo e mais importante elemento, segundo Gomes, � que a semana de quatro dias obriga a empresa a mudar a forma de trabalhar.
"H� uma mudan�a de processos para aumentar a produtividade. Pode significar reduzir reuni�es, ou mudan�as no espa�o f�sico, ou ado��o de novas tecnologias", diz ele, que � professor da Birkbeck College, da Universidade de Londres, no Reino Unido.
"Muitas vezes os ganhos de produtividade v�m da redu��o de outros custos. Pode ser, por exemplo, a redu��o dos custos de energia: a empresa fechar� �s sextas-feiras, ent�o gasta-se menos. Pode ser com menos erros, pois quando uma pessoa trabalha muitas horas, tende a cometer mais erros, e isso resulta em processos e em reclama��es de consumidores."
H� tamb�m uma queda no absente�smo (faltas), o que significa contrata��o de menos tempor�rios para cobrir essas faltas, explica Pedro Maia Gomes, que � autor do livro Friday is the new Saturday, sobre a semana de quatro dias, lan�ado em 2021. H� uma edi��o em portugu�s do livro, chamado de Sexta-feira � o Novo S�bado.
"Por fim, h� tamb�m uma vantagem para a empresa no mercado de trabalho. H� algumas posi��es que s�o dif�ceis de preencher, como alguns tipos de programadores. O que as empresas podem fazer (para reter esses trabalhadores) � oferecer um sal�rio muito alto."
� o que as grandes empresas fazem. J� as pequenas e m�dias empresas t�m dificuldade de fazer isto. Ent�o, uma jornada de quatro dias pode ser uma estrat�gia.
"'OK, n�o consigo pagar um sal�rio t�o alto, mas te ofere�o algo �nico, e que os trabalhadores valorizam muito", diz ele.
Al�m de Portugal, testes similares j� foram realizados em outros pa�ses europeus, como Irlanda, Espanha e B�lgica.
Esta semana, a ONG 4 Day Week Global, que promove o modelo de quatro dias, divulgou resultados do maior teste do tipo at� agora.
Conduzido no Reino Unido, o piloto durou seis meses e envolveu 61 empresas, que somam cerca de 2,9 mil empregados.
Ao fim do per�odo de testes, 92% das empresas decidiram manter a jornada de quatro dias. Na m�dia, as empresas tiveram um ligeiro aumento do faturamento, e n�o uma queda.
Tamb�m experimentaram uma redu��o no n�mero de funcion�rios pedindo demiss�o, al�m de um aumento da satisfa��o dos trabalhadores.
Em 2022, a mesma ONG desenvolveu um teste com 33 empresas em v�rios pa�ses – principalmente EUA e Irlanda – com resultados similares.
Das empresas participantes, 27 consideraram a experi�ncia um sucesso e 25 disseram que iriam manter a jornada de quatro dias.
O n�mero de horas trabalhadas caiu, em m�dia, de 40,8 para 34,8 horas semanais. E os trabalhadores ficaram bastante satisfeitos com a nova rotina: de zero a 10, atribu�ram nota 9,1, em m�dia, � nova forma de organizar o trabalho.
Modelo deveria ser testado tamb�m no Brasil, diz economista

No Brasil, os testes com a semana de trabalho de quatro dias ainda engatinham.
A primeira empresa brasileira a testar essa pr�tica de gest�o foi a Zee Dog, uma companhia de produtos para pet shops.
A semana de quatro dias de trabalho come�ou na firma carioca ainda em mar�o de 2020 – e foi mantida depois da firma ser comprada pela rede de petshops Petz em agosto de 2021.
Outras startups brasileiras, geralmente da �rea de tecnologia, tamb�m adotam o modelo de quatro dias de trabalho e tr�s de descanso. � o caso de empresas como a carioca Winnin, de desenvolvimento de softwares; e a mineira Crawly, que fornece solu��es para raspagem de dados da internet.
"Um modelo de quatro dias seria plenamente exequ�vel no Brasil, por v�rias raz�es", avalia o economista Vitor Filgueiras, coordenador do curso de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Segundo ele, uma mudan�a deste tipo poderia levar as empresas a buscarem aprimoramentos t�cnicos que elevariam a produtividade do trabalho – um indicador que se manteve estagnado no Brasil nas �ltimas d�cadas.
"Se voc� mantiver os sal�rios diminuindo a carga de trabalho, isso significa uma distribui��o de renda", diz ele.
"Todo esse debate tende a se justificar, para um p�blico leigo, pelo aumento da produtividade. Se vai aumentar ou n�o. Mas a quest�o central n�o tem que ser essa."
"Assim como foi nas redu��es anteriores da jornada de trabalho, que j� foi de quatorze ou quinze horas di�rias, ou o descanso semanal ou as medidas de sa�de e seguran�a do trabalho", diz Filgueiras, cuja tese de doutorado � sobre a evolu��o das leis trabalhistas no Brasil.
'Movimento global'
A semana de cinco dias � uma constru��o econ�mica, social e pol�tica, explica Pedro Maia Gomes.
"No s�culo 19, n�s (no Ocidente) trabalh�vamos seis dias. Se descansava aos domingos. A passagem para a semana de cinco dias demorou d�cadas (...)."
A ideia come�ou com algumas empresas, e depois foi cristalizada na legisla��o.
Nos Estados Unidos, foi por volta de 1908 que as primeiras pequenas empresas come�aram a adotar a semana de cinco dias.
"Era uma coisa muito marginal. Essas empresas eram vistas como uma coisa muito estranha. Mas em 1926, o Henry Ford (fundador da montadora multinacional Ford) adotou a jornada de cinco dias nas f�bricas dele (de autom�veis). Foi um momento de mudan�a, no qual essa pr�tica de gest�o passou a ser vista como mais respeit�vel. (Em 1938, a jornada de trabalho nos EUA foi fixada em 40 horas semanais por lei)."
Na altura das �ltimas elei��es em Portugal (em janeiro de 2022), o Partido Socialista decidiu incluir no manifesto (programa de governo) um estudo sobre a semana de quatro dias.
"Ent�o, foi uma decis�o pol�tica realizar este estudo e ver quais s�o os impactos sobre as empresas que adotem a semana de quatro dias. Este � o aspecto pol�tico", diz Gomes.
O acad�mico lembra que � um movimento que vem ocorrendo em diversas partes do mundo - e geralmente partindo das empresas, que t�m adotado a semana de quatro dias como pr�tica de gest�o.
"H� tamb�m alguns pilotos (testes) no setor p�blico. Na B�lgica, por exemplo, alteraram a legisla��o para que a pessoa pudesse trabalhar s� quatro dias com o chamado hor�rio concentrado, completando 38 horas em quatro dias."
Na Espanha tamb�m h� um piloto no governo central e outro no governo regional de Val�ncia. Nos EUA, h� um teste em curso no Estado de Maryland.