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Estado de Minas OLHO VIVO

Como vigil�ncia dos empregados est� se voltando contra empregadores

Um n�mero crescente de empresas est� vigiando seus funcion�rios. O problema � que, muitas vezes, isso est� fazendo mais mal do que bem


05/03/2023 10:53 - atualizado 06/03/2023 11:28


Mulher sentada em frente a monitores
(foto: Getty Images)

Antes da pandemia, Mark tinha bastante autonomia no seu emprego, no departamento de TI de uma ind�stria americana. Ele e seus colegas conseguiam realizar seu trabalho, segundo ele, "sem que nosso gerente, voc� sabe, gerenciasse muito".

"Mas isso mudou abruptamente quando a empresa fez a transi��o para o trabalho � dist�ncia. O monitoramento come�ou no primeiro dia", segundo Mark – seu sobrenome � omitido por quest�es profissionais.

A empresa come�ou a usar software que permitia o controle remoto dos sistemas de computadores dos funcion�rios. Mark conta que sua equipe precisou fornecer a senha ao gerente "para que ele pudesse conectar-se sem que n�s precis�ssemos aceitar. Se a senha mudava, ele a pedia por email logo no in�cio da manh�."

O gerente de Mark explicou que o prop�sito dessa supervis�o era garantir que todos permanecessem produtivos e tivessem o mesmo tipo de comunica��o aberta que havia no escrit�rio. Mas, na verdade, a vigil�ncia deixou Mark ansioso e colaborou para que ele rapidamente sentisse sobrecarga e burnout.

"Era muita tens�o, sentir que eu precisava usar ativamente o computador a todo momento, com medo que ele pensasse que algo como uma liga��o telef�nica ou uma pausa para ir ao banheiro fosse uma diminui��o de ritmo da minha parte", conta.

Com o aumento do trabalho remoto, surgiu um pico do monitoramento do ambiente de trabalho. Estimativas de 2022 indicam que o n�mero de grandes empresas quye monitoram seus funcion�rios dobrou desde o in�cio da pandemia.

Existem programas de monitoramento que registram os toques nas teclas ou rastreiam a atividade do computador com capturas de tela peri�dicas. Outros programas gravam as liga��es ou reuni�es e at� t�m acesso �s webcams dos funcion�rios.

Ou, como no caso de Mark, alguns programas permitem total acesso remoto aos sistemas dos funcion�rios.

Independentemente da forma como os profissionais s�o monitorados, muitas empresas est�o adotando o monitoramento porque acreditam que ele garante a produtividade dos funcion�rios remotos, segundo a professora Karen Levy, do Departamento de Ci�ncias da Informa��o da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Ela � autora de Data Driven: Truckers, Technology and the New Workplace Surveillance ("Guiado pelos dados: motoristas, tecnologia e a nova supervis�o do ambiente de trabalho", em tradu��o livre).

Mas, em meio ao pico do monitoramento, existem cada vez mais evid�ncias de que a supervis�o eletr�nica pode, em alguns casos, fazer mais mal do que bem. Os funcion�rios se irritam com a supervis�o, que pode gerar estresse, causar demiss�es de funcion�rios e at� fazer com que os profissionais diminuam a qualidade do seu trabalho – de prop�sito.

Mais profissionais sendo observados

Um estudo de 2021 da ferramenta de seguran�a na internet Express VPN, entre 2 mil empregadores e 2 mil profissionais em trabalho remoto ou em esquema h�brido, demonstrou que cerca de 80% dos patr�es usam software de monitoramento.

"Os gerentes est�o cada vez mais interessados no uso de software para monitorar os teclados, as atividades e a aten��o dos funcion�rios de formas novas", afirma Levy.

Ela acrescenta que alguns gerentes est�o at� "coletando dados mais espec�ficos sobre as comunica��es dos profissionais – j� que muito mais comunica��es s�o feitas nos canais digitais do que pessoalmente – e sobre seus corpos, com tecnologias vest�veis e biometria".

Algumas companhias instalaram, por exemplo, rel�gios que rastreiam a impress�o digital dos funcion�rios para registrar seus hor�rios de sa�da e de entrada. Outras usam webcams para coletar dados sobre o movimento dos olhos, que s�o utilizados para acompanhar a aten��o dos funcion�rios.

Ainda outras empresas, segundo Levy, n�o est�o apenas assistindo ao que os funcion�rios est�o fazendo em um dado momento, mas tamb�m usando essas informa��es para antecipar o que eles poder�o fazer, por meio de "an�lise da previs�o se um profissional est�, por exemplo, disposto a pedir um aumento ou sair para outro emprego".

Um software que monitora o hist�rico de buscas dos funcion�rios e at� suas redes sociais pode revelar se eles est�o procurando emprego e rastreadores que capturam sinais como o tom de voz podem indicar o n�vel de comprometimento dos profissionais.

Nem todas as empresas que vigiam seus funcion�rios est�o implementando essa vigil�ncia por desconfian�a. Algumas precisam faz�-lo, segundo Levy, "por raz�es de seguran�a ou para atender a leis ou regulamentos em alguns setores". Mas a maioria usa esses programas por op��o.

"Muitas vezes, os gerentes pensam que saber mais sobre o que os funcion�rios est�o fazendo � �til para tomar decis�es, eliminar desperd�cios ou for�ar os profissionais a cumprir com os objetivos da empresa", afirma Levy. E alguns patr�es simplesmente querem saber o que os seus funcion�rios est�o dispostos a fazer.

A pesquisa �ndice de Tend�ncias do Trabalho de 2022 da Microsoft demonstrou que 85% dos l�deres t�m dificuldade para acreditar que seus funcion�rios est�o sendo produtivos. E, de fato, a "paranoia da produtividade" tornou-se uma quest�o importante na era da pandemia.

David Welsh, professor da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, pesquisa a �tica de comportamento e das organiza��es. Ele observa que as empresas, muitas vezes, adotam uma estrat�gia maximalista sobre o monitoramento dos funcion�rios.

"Elas pensam 'mais, mais e mais, vamos usar todas as ferramentas � nossa disposi��o'", ele conta. "Elas querem ter o m�ximo de controle poss�vel. E, � claro, para os funcion�rios, esse controle muitas vezes pode parecer opressivo."

Prefer�ncia pela privacidade

Dados de pesquisas indicam que vigiar os funcion�rios, muitas vezes, � contraproducente. Welsh e uma equipe de pesquisadores defendem que o monitoramento pode tornar os funcion�rios mais propensos a desrespeitar regras.


Mulher estressada durante o trabalho
Cada vez mais empresas est�o monitorando seus funcion�rios (foto: Getty Images)

Em um estudo, ele e seus colegas descobriram que profissionais americanos que estavam sob vigil�ncia faziam mais intervalos sem aprova��o, trabalhavam intencionalmente de forma mais lenta e roubavam mais material de escrit�rio do que seus companheiros n�o monitorados.

Para determinar as causas e n�o apenas a correla��o, a equipe idealizou um segundo estudo, no qual os profissionais recebem uma s�rie de tarefas e a oportunidade de trapacear nelas. E a conclus�o foi que a metade que sabia que estava sob vigil�ncia era mais propensa a trapacear.

O monitoramento fez com que os participantes sentissem falta de poder e responsabilidade, segundo Welsh, o que levava ao mau comportamento.

Eles apresentaram maior probabilidade de trapacear enquanto eram observados porque "sentiam que estavam sendo controlados e tinham menos senso de responsabilidade pessoal devido � forma em que estavam sendo monitorados", afirma ele.

Trata-se de um fen�meno dif�cil de quantificar, mas sua compreens�o � mais direta: quando os profissionais n�o s�o tratados com dignidade e t�m autonomia, eles sofrem. E, muitas vezes, eles subvertem as regras do ambiente de trabalho para conseguir de volta a sensa��o de controle.

Welsh tamb�m afirma ter confirmado "essa ideia pouco intuitiva de que o monitoramento pode realmente levar as pessoas a desrespeitar mais as regras sob certas circunst�ncias ou criar os mesmos tipos de comportamento que se pretendia evitar".

O pesquisador Rudolf Siegel, da Universidade do Sarre, na Alemanha, e um dos autores de uma recente meta-an�lise sobre os efeitos do monitoramento eletr�nico, afirma que "o que realmente foi surpreendente � que n�o encontramos efeitos positivos sobre o desempenho". Em outras palavras, os dados demonstraram que monitorar os funcion�rios n�o trouxe benef�cios e, pelo contr�rio, prejudicou a cultura do ambiente de trabalho e estimulou o comportamento contraproducente.

Os profissionais que foram observados contra a sua vontade podem tamb�m dedicar-se com mais energia � busca de formas criativas de subverter os pr�prios controles impostos pelos empregadores. Siegel relembra um caso de um motorista de caminh�o com GPS que usou folha de flandres para cobrir a antena do sistema de rastreamento.

Em outro caso do campo da automa��o, funcion�rios sendo monitorados eram mais propensos a desligar e guardar os rob�s que usavam no trabalho.

"Ser observado todo o tempo aumenta nossos n�veis de estresse e afeta nosso senso de autonomia e dignidade", afirma Levy. "Por isso, os gerentes que exageram no monitoramento dos funcion�rios podem tamb�m fazer com que as pessoas saiam em busca de ambientes de trabalho onde se sintam mais respeitadas."

Em busca da melhor forma de observar

� importante salientar que o monitoramento n�o � objetivamente ruim em todos os casos. Ele tamb�m traz benef�cios.

Alguns dados demonstram, por exemplo, que ser observado pode aumentar o desempenho e a produtividade. Mas os efeitos podem variar conforme os cargos e os profissionais. E os resultados, muitas vezes, variam de acordo com a forma em que os empregadores introduzem essas tecnologias.

Para Karen Levy, os problemas reais surgem quando o monitoramento iniciado de forma racional ou at� ben�fica come�a lentamente a adentrar um territ�rio diferente, deixando os funcion�rios desconfort�veis.

"A quest�o, muitas vezes, � que, quando voc� est� monitorando por alguma raz�o, � muito f�cil acrescentar outras motiva��es", explica ela. "Por exemplo, se voc� precisa fazer algum monitoramento dos profissionais porque a lei exige, fica muito f�cil justificar o aumento da supervis�o e an�lise do desempenho dos funcion�rios em nome da produtividade ou da efici�ncia, porque, muitas vezes, voc� pode usar a mesma tecnologia para fazer as duas coisas."

E n�o � surpresa que os funcion�rios n�o fiquem muito felizes quando as empresas ultrapassam seus limites, o que pode lev�-los a sair desses empregos monitorados.

Uma pesquisa da empresa Morning Consult entre 750 profissionais do setor de tecnologia demonstrou em 2022 que metade deles prefere demitir-se a ter seu empregador monitorando-os durante a jornada de trabalho.

Levy acredita que alguns empregadores ir�o perceber o risco e interromper o monitoramento, em vez de perder as pessoas.

"Acho que os empregadores, mesmo que ajam totalmente nos seus melhores interesses, podem decidir limitar o monitoramento para tornar seus ambientes de trabalho mais atraentes para os profissionais em alta demanda, de forma que as pessoas queiram permanecer nos seus empregos por longos per�odos de tempo", afirma ela.

Pode tamb�m haver formas de fazer com que o monitoramento seja uma experi�ncia menos question�vel para os funcion�rios. Se os empregadores forem transparentes e se anteciparem sobre a necessidade e os prop�sitos do monitoramento, os estudos de Spiegel e Welsh demonstram que os efeitos negativos s�o muito reduzidos.

David Welsh explica que, quando os funcion�rios sentirem que "est�o sendo tratados com justi�a pela organiza��o", eles t�m menos probabilidade de trapacear.

"Por isso, se voc� estiver sendo monitorado, mas pensar 'estou trabalhando em uma empresa justa, eles agem corretamente', voc� n�o tem essa rea��o negativa... [os funcion�rios] querem ter l�deres que sejam �ticos e os tratem bem", afirma ele.

Existe, portanto, uma forma para que os empregadores saibam o que as pessoas est�o dispostas a fazer sem alienar os funcion�rios. E o maior avan�o, segundo Levy, � envolver os profissionais.

"Um bom lugar para come�ar � trazer os profissionais, de forma significativa, para o processo de determina��o de qual tecnologia ser� usada, como ser�o tratados os dados coletados, quem ter� acesso a esses dados e realmente analisar como a tecnologia pode ajudar os funcion�rios a realizar o seu trabalho, em vez de servir de amea�a ou ferramenta de policiamento", segundo ela.

Em alguns casos, aumentar a comunica��o j� pode ser suficiente para ajudar patr�es e empregados a encontrar um meio-termo feliz.

Quando Mark chegou ao limite com a vigil�ncia do seu patr�o, ele disparou um longo email explicando o que fez com que aquilo fosse t�o prejudicial. Ele estava preparado para uma rea��o negativa � cr�tica, mas decidiu que seria melhor ter um chefe zangado do que ser observado.

Mark ficou aliviado quando seu patr�o se mostrou disposto a encontrar uma solu��o.

"Eu propus que envi�ssemos a ele um relat�rio por email no final de cada dia, informando o que fizemos, o que planejamos fazer no dia seguinte e eventuais problemas", ele conta. "Sua resposta foi que ele olhava para a tela apenas ocasionalmente, n�o percebeu que aquilo era um problema e concordou com a minha proposta."

O resultado � que, enquanto Mark e seus colegas estavam estressados e agitados, o patr�o n�o havia notado. Bastou a comunica��o aberta, n�o a vigil�ncia oculta, para resolver a quest�o.

� claro que muitas pessoas trabalham com l�deres de empresas que seriam muito menos abertos a este tipo de cr�tica – e alguns profissionais podem n�o ter muitos recursos. Mas Levy afirma que seus l�deres fariam bem se ouvissem essas preocupa��es.

"Mesmo se eles n�o desistirem totalmente do monitoramento", afirma ela, "existem formas de implementar essas ferramentas com mais respeito pelos profissionais."

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4n08l9wzqdo


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