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Estado de Minas ENTREVISTA

Engenheira mecatr�nica, consultora da ONU quer 50% l�deres femininas at� 2030

Conhe�a a hist�ria de Maristella Iannuzzi, consultora da ONU Mulheres que luta pela igualdade de g�nero


postado em 08/03/2020 04:00 / atualizado em 08/03/2020 12:57

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Feminista n�o � uma mulher revoltada que vai queimar suti� na rua e bolar um plano para dominar o mundo. Maristella Iannuzzi, de 47 anos, consultora da ONU Mulheres, entidade que luta pela igualdade de g�nero e empoderamento das mulheres, diz que precisamos superar esta vis�o preconceituosa. Feminista � toda mulher que acredita ter os mesmos direitos dos homens. A pr�pria trajet�ria de Maristella � um exemplo. Formada em engenharia mecatr�nica, a paulistana nada tinha a ver com o estere�tipo de “nerd”.
 
Enquanto estudava n�meros e tecnologia, trabalhava como manequim e modelo fotogr�fico, portanto, n�o escondia sua vaidade. Ao longo da carreira, encarou v�rios desafios e chegou a diretora global de uma multinacional francesa especializada em energia e automa��o. No Dia Internacional da Mulher, conhe�a a hist�ria da engenheira que trabalha para ajudar a ONU a atingir a sua meta de, em 2030, conseguir que as empresas tenham 50% de mulheres em cargos de lideran�a.
 
Para come�ar, fale um pouco sobre voc�.
A Maristella � uma mulher de 47 anos, casada, tem uma filha de 10 anos e � de uma fam�lia 100% italiana. Fui “feita” na It�lia, mas nasci aqui em S�o Paulo. Sou engenheira mecatr�nica, advogada, especialista em building automation, marketing digital e tenho uma cole��o de MBAs.

Logo cedo voc� escolheu uma profiss�o que n�o era comum entre as mulheres. Por que engenharia mecatr�nica?
Sempre fui uma mulher que gostava de exatas. Como tinha que trabalhar para pagar meus estudos, optei pelo colegial t�cnico em processamento de dados. Isso em 1987, quando come�a a abertura da importa��o, os computadores entram no Brasil e come�a a se falar em programa��o. Em paralelo, era manequim e modelo fotogr�fico. Isso prova que voc� n�o precisa deixar de ser feminina e ter vaidade para fazer engenharia. Ent�o, j� come�o quebrando paradigmas. Com 16 anos, entro para a faculdade e sou convidada a dar aulas no colegial t�cnico. Muitos alunos eram mais velhos que eu.

Como era ser mulher, jovem e dar aulas?
Com 16 anos aparentava ser mais velha. Sou alta, tenho 1,75m, e me travestia de mais velha. Colocava sempre roupas mais cl�ssicas e usava alian�a na m�o direita para dizer que era noiva e n�o ser assediada pelos alunos. Era muito brava, n�o deixava ningu�m brincar comigo, mas, apesar disso, era muito querida pelos alunos. Dei aulas por oito anos e fui paraninfa de todas as turmas.

Voc� ocupou a um cargo de lideran�a mundial na francesa Schneider Electric. Qual caminho percorreu at� chegar a uma multinacional?
No fim da faculdade, recebo um convite de um empresa, onde trabalhei durante 15 anos, que na �poca era l�der de mercado no Brasil da �rea de automa��o predial. Quando fiquei gr�vida, decido que, al�m da licen�a-maternidade, vou tirar o primeiro ano da minha filha como sab�tico e saio da empresa, onde era diretora comercial. Depois do ano sab�tico, j� volto direto para a Schneider Electric. L� monto a �rea de building automation e nela fico durante dois anos. At� que o presidente me faz o convite para comandar a transforma��o digital da empresa no Brasil. Foi uma grande transforma��o na minha vida. Deixava de ser engenheira e comercial, o que fiz nos 18 anos anteriores, para virar corporativa, reportar ao CEO e fazer o que n�o tinha a menor ideia do que era. Isso em 2014. Ent�o, virei digital customer experience Brasil, onde fiquei por um ano. Depois sou convidada para comandar a �rea na Am�rica do Sul e preciso passar uma temporada sozinha em Hong Kong, onde fica a sede do setor. Deixo a minha filha de tr�s anos com o meu marido e a minha m�e no Brasil, pela primeira vez, nunca tinha ficado longe nem um fim de semana, e vou morar em Hong Kong por quatro meses sozinha, sem direito a retornar ao Brasil. Foram os quatro melhores e piores meses da minha vida. Volto com tudo perfeito, com todos vivos, felizes, saud�veis, a minha filha muito bem cuidada e provavelmente nem sentindo a minha falta – esta � a parte mais triste da minha hist�ria. A� assumo a Am�rica do Sul, mais um vez fa�o um trabalho de destaque e em janeiro de 2016 assumo a diretoria global desta �rea, respons�vel pelos 99 pa�ses.

Como voc� se envolveu com diversidade e inclus�o?
Empoderamento feminino entra na minha vida aos seis anos, quando meus pais se separam. Naturalmente, h� 40 anos, mulher se separar com dois filhos era muito dif�cil. Ali ganho um grande exemplo de mulher empoderada. Provavelmente baseada nisso, cresci acreditando que uma mulher pode tudo e foi esse o modelo da minha vida. Cresci com uma m�e diferente das outras, que eram donas de casa, mais submissas, e eu tinha uma m�e sozinha que cuidava de dois filhos, trabalhava, decidia tudo. Quando trabalhava na Schneider, por ser mulher e engenheira, acabei ganhando destaque em movimentos feministas e trabalhos na �rea de diversidade e inclus�o. Passo a ganhar muita visibilidade com isso. O fato de ter sido manequim, modelo, professora e da �rea comercial me facilitou a vida, porque n�o tinha problema em subir no palco, pegar o microfone e falar em p�blico.

De que forma a consultoria para a ONU Mulheres surgiu na sua vida?
Em junho do ano passado, a Schneider toma a decis�o de que todos os diretores globais precisavam se fixar em Boston, Hong Kong ou Paris. Recebo esta proposta, mas ela n�o faz meus olhos brilharem, ent�o saio em agosto. Me matriculo no Instituto Brasileiro de Governan�a Corporativa (IBGC) com a inten��o de obter certifica��o como conselheira, e em setembro abro a minha consultoria, CMI Bussiness Transformation. A sigla CMI � pensada propositalmente para parecer ser Consultoria Maristella Iannuzzi, mas no cart�o eu mostro o verdadeiro significado: chance your mindset (em portugu�s, mude a sua mentalidade). A� comento com a minha amiga Adriana Carvalho, que � gerente da ONU Mulheres no Brasil, que tinha aberto a minha consultoria para dar palestras e no dia 1º de outubro a ONU Mulheres contrata a minha consultoria.
 
Em que consiste a consultoria?
No programa Ganha-Ganha da ONU Mulheres, existe uma plataforma chamada Princ�pios de Empoderamento das Mulheres. Estes sete princ�pios foram criados em 2010, em parceria com o Pacto Global, para direcionar especialmente as empresas sobre o que devem fazer para confirmar que empoderam a mulher. O princ�pio n�mero 1, por exemplo, fala que a alta lideran�a tem que apoiar o crescimento da mulher em cargos de lideran�a. Outro princ�pio fala em dar direitos iguais para homens e mulheres. Se tenho uniforme, ele tem que ser diferente para homem e mulher, n�o tenho que vestir mulher como um saco. Se tenho alojamento, tenho que ter banheiro para homem e mulher. Esses sete princ�pios s�o iguais no mundo inteiro e podem ser utilizados de duas formas. Funcionam como mapa para as empresas que est�o come�ando do zero ou como term�metro para as empresas que acham que est�o fazendo muita coisa. No momento em que se torna signat�ria, como ocorreu com a ArcelorMittal, por isso vim a Belo Horizonte, a empresa vai participar de oficinas fornecidas pela ONU de forma gratuita, receber material para compartilhar com os colaboradores, tem eventos. Passa a fazer parte de um grupo que vai receber conte�dos distintos. Como consultora, tenho desde que convencer uma empresa a assinar, e s�o grandes empresas e altas lideran�as, porque tenho uma pegada de conversa de business, at� palestras, oficinas e an�lises para entender a maturidade da diversidade dentro da companhia.

Como esse assunto tem sido tratado pelas empresas brasileiras?
Levando em considera��o o que fal�vamos h� 10 anos, agora est� maravilhoso. Mas levando em considera��o nossa meta de, em 2030, atingir 50% de mulheres em cargos de lideran�a, estamos muito longe. Hoje, temos em torno de 26%. Se continuarmos nesse ritmo, vai demorar 180 anos para atingirmos a meta. Por isso, os Princ�pios de Empoderamento das Mulheres s�o muito importantes para que as empresas tomem consci�ncia da situa��o. O que mais ocorre no mundo corporativo � o cara acreditar que na empresa dele est� tudo bem, ele v� mulher na empresa dele, diz que n�o � machista, que n�o tem preconceito, mas n�o percebe que praticamente n�o tem nem uma mulher na diretoria dele. Quando tem, � no recursos humanos, comunica��o ou jur�dico. Porque � essa heran�a que a gente traz ao longo da hist�ria, levando em considera��o que, h� 50 anos, o marido tinha que assinar um documento para a mulher trabalhar. N�o � culpa de ningu�m, mas este � momento de transforma��o, de dar o tranco para a equidade. Estamos falando de equil�brio, de igualdade, n�o estamos falando de dominar o mundo. Existe uma vis�o preconceituosa, inclusive de mulheres, de que feminista � revoltada, que vai sair na rua queimando suti�, que se acha melhor que o homem e quer dominar o mundo. N�o � isso, feminista � mulher que acredita que pode ter os mesmos direitos que qualquer homem, em qualquer lugar e em qualquer posi��o. Posso ser uma feminista dona de casa e isso n�o tem problema nenhum. Mulher empoderada n�o � s� executiva de tailler, salto agulha e pasta na m�o, isso � um estere�tipo. Mulher empoderada � aquela que toma as decis�es que quer, que tem voz.

No momento em que alcan�armos a meta de ter 50% de mulheres em cargos de lideran�a, o que isso pode ser transformador para a sociedade?
Quando se fala de experi�ncia do cliente, significa criar uma jornada prazerosa de tal forma que quem est� do outro lado da mesa seja atendido, fidelizado e retorne. Para que este ciclo se feche, preciso falar a l�ngua dele. Para falar a l�ngua dele, deste lado de c� da mesa tenho que ter todas as tribos. Quem sabe falar com negro � negro, quem sabe falar com mulher � mulher, quem sabe falar com LGBT � LGBT, quem sabe falar com homem � homem. Quanto mais diversa for a composi��o do outro lado da mesa, mais chance eu tenho de acertar na jornada da experi�ncia do meu cliente. Diversidade n�o � mais um caso s� de direitos humanos, diversidade � tamb�m uma quest�o de sobreviv�ncia dos neg�cios. Existem pesquisas do Banco Mundial que comprovam que 70% do poder de decis�o de compra no mundo de qualquer produto est� na m�o de mulheres. Preciso falar mais alguma coisa? Quanto tempo voc� acha que um neg�cio com uma diretoria de homens vai sobreviver, por melhor que eles sejam? N�o estamos colocando em d�vida a qualidade deles, mas eles n�o pensam como as mulheres. Assim como n�o podemos colocar s� mulheres, por isso � importante o equil�brio. Uma segunda grande preocupa��o, talvez a mais importante: n�o adianta colocar para dentro, por isso se fala em diversidade e inclus�o. Se a pessoa n�o se sentir inclu�da, ela vai embora. Antes de colocar para dentro, voc� tem que ser uma empresa inclusiva, tem que preparar esse campo. Conhe�o empresas da �rea florestal em que mulheres n�o podem trabalhar quando v�o a campo porque n�o tem banheiro qu�mico. Quando voc� fala diversidade e inclus�o tem que ser de verdade, tem que ser genu�no, sen�o fica na hist�ria de tirar foto para ficar bonito.

Quais s�o os desafios de se falar sobre o tema para a gera��o atual?
O grande desafio � alinhar expectativas. Naturalmente, pela idade eles acreditam que podem tudo e a gente sabe que no mundo n�o funciona assim. Temos que mudar a cabe�a de quem est� na lideran�a, e eles s�o homens, h�teros, brancos, entre 40 e 50 anos. N�o temos que fazer nada no grito, temos que ter o apoio desse grupo e convenc�-lo da import�ncia desta mudan�a. Este � o grande desafio desta mo�ada, saber canalizar a energia deles, mas contendo a ansiedade. Precisamos ter um pouco mais de jogo de cintura, porque no grito n�o vamos conseguir nada.

Voc� j� viveu alguma situa��o no trabalho de preconceito por ser mulher?
Tive um caso de um vice-presidente que disse: ‘Se eu fosse fulano, n�o teria te contratado. Com esta idade, daqui a pouco voc� me aparece gr�vida’. Ele estava falando em tom de brincadeira, na frente de todo mundo, e todo mundo riu. Eu j� era respons�vel pela �rea de diversidade, e ele era meu chefe. Olhei para a cara dele e disse: vou ignorar o que voc� disse, voc� n�o teve a inten��o de me ofender, mas tem que tomar cuidado com o que fala. Hoje teria uma postura completamente diferente, faria uma den�ncia, porque fui extremamente assediada, foi ass�dio moral. Lembro-me tamb�m de quando estava na faculdade de engenharia e comecei a namorar um rapaz. Entrei na sala de m�os dadas com ele e o professor, em cima do palco, falou: ‘Italiana arrumou namorado, ent�o pode parar a faculdade’. E eu ri. Para mim, aquilo era piada, sem maldade nenhuma. Mas hoje precisamos mostrar que isso n�o � normal, n�o temos que rir.

O que dizer para as mulheres que querem ocupar cargos de lideran�a?
Baseada na minha hist�ria, digo duas coisas. Primeiro, por mais medo e inseguran�a, sempre me joguei. Nunca esperei estar 100% pronta para aceitar desafios, porque acredito em mim. Segundo, sempre acreditei que a minha rede de apoio me empodera muito. Quando falo de rede de apoio, falo de pai, m�e, marido e hoje at� a minha filha de 10 anos. Reconhecer que precisa de ajuda n�o � vergonha para ningu�m. Sempre tive a humildade de pedir ajuda e conselhos.

Sobre o dilema de tantas mulheres que se dividem entre carreira e fam�lia, como voc� 
lida com esta realidade?
Com o passar dos anos, n�o ganhei s� rugas, aprendi na minha vida que eu nunca vou ser a melhor m�e, a melhor profissional, a melhor esposa, a melhor filha e a melhor amiga simultaneamente. Em algum momento vou ser melhor m�e e vou pisar na bolsa nas outras �reas, e assim sucessivamente, e isso n�o � um problema, todo mundo vai sobreviver. Vivo isso at� hoje. Existem alguns momentos dos quais n�o abro m�o, por exemplo, o anivers�rio da minha filha. Nesse dia n�o existe dinheiro ou compromisso que me fa�a sair de casa. Claro que n�o d� para imaginar que uma menina que est� para ser promovida a gerente vai falar isso para o chefe. Provavelmente, nesta �poca eu iria, choraria e sofreria. A decis�o vai muito da realidade que voc� vive. Hoje, como consultora, fecho a minha agenda no dia no anivers�rio da minha filha. Mas, no in�cio, talvez voc� tenha que ser mais boa profissional do que m�e presente para crescer na carreira, mas o fato de n�o estar na escola assistindo � apresenta��o da sua filha n�o significa que voc� n�o � uma boa m�e. Fiquei quatro meses em Hong Kong e fui uma boa m�e.

Quem para voc� � uma mulher inspiradora?
A T�nia Cosentino, que foi minha CEO na Schneider Electric e hoje � CEO da Microsoft. Ela foi uma grande mentora e � uma pessoa que carrega a bandeira da diversidade onde quer que esteja. 


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