
No m�s dedicado �s mulheres, pesquisadoras do Instituto de Medicina Tropical da USP ganharam visibilidade nacional ao realizar um feito no campo da ci�ncia fundamental para barrar o avan�o do coronav�rus, o Covid-19, o maior desafio da sa�de mundial no momento. Coordenada pela m�dica Ester Sabino e formada majoritariamente por mulheres, a equipe conseguiu sequenciar o genoma do coronav�rus apenas 48 horas depois da detec��o do primeiro caso da doen�a no Brasil.
De imediato, curr�culos e fotos da doutora Ester, de 60 anos, e da pesquisadora Jaqueline Goes de Jesus, de 30, viralizaram nas redes sociais. O compartilhamento se deu pelo ineditismo do feito, por ter mulheres � frente e por ter sido uma realiza��o da universidade p�blica, que, no �ltimo ano, foi duramente atacada pelo ministro da Educa��o, Abraham Weintraub. Surpreendida com o sucesso repentino, Ester Sabino pensa que o reconhecimento da equipe de cientistas tem um papel importante: encorajar as mulheres a entrar no universo das ci�ncias. “Meninas, venham ser cientistas”, diz.
Se no campo das ci�ncias exatas a maioria dos pesquisadores � do sexo masculino, na �rea de biol�gicas as mulheres conquistam cada vez mais terreno. “Na medicina, � meio a meio. Nas �reas biom�dicas temos mais mulheres. Temos mais mulheres na gradua��o, o que acaba levando � p�s-gradua��o e � pesquisa. Uma busca maior de mulheres na gradua��o influencia a p�s”, avalia. Ao todo, s�o oito mulheres na equipe da doutora Ester, que preside o Instituto de Medicina Tropical da USP.
Multidisciplinar, o grupo conta com pesquisadores das �reas de biomedicina e engenharias, entre outros campos do conhecimento. “S�o pensamentos diferentes para lidar com uma mesma quest�o. � sempre dif�cil trabalhar com pessoas, ouvir o outro, respeitando as pessoas nas suas diferen�as. E temos que manter o grupo no foco.”
Formada em medicina e especialista em pediatria, quando tinha 28 anos Ester iniciou a carreira como cientista. Tr�s d�cadas depois, mesmo ocupando uma posi��o de destaque na mais importante universidade do pa�s, ela reconhece que � um desafio ser uma cientista mulher. “Os obst�culos para as mulheres n�o s�o poucos. Muitas vezes, s�o invis�veis, velados”, afirma.
Ela exemplifica com uma frase que ouviu depois de alguma descoberta: “‘Foi mesmo no seu laborat�rio que foi desenvolvido isso?’ Fico imaginando por que n�o poderia ser feito”, argumenta.
Para ela, essa pergunta revela algo que n�o est� no plano da cons- ci�ncia. “A pessoa nem pensou que pudesse ter outro significado e brigar por pequenas palavras n�o � o caso.” Ela acredita que, no meio acad�mico, o machismo se apresenta de forma sutil. “Podem dizer: ‘S� apareceram porque s�o mulheres’. Mas � aquela hist�ria do copo cheio e copo vazio. Prefiro pensar: meninas, fa�am ci�ncia.”
Busca pelo detalhe
A pesquisadora acredita que o fato de terem realizado o sequenciamento t�o r�pido tem rela��o com o jeito de as mulheres organizarem as coisas. “Parece que foi r�pido, mas h� um lado longo da ci�ncia. Tem uma coisa feminina de buscar o detalhe, ver tudo que est� faltando. Algo como pegar a crian�a na escola, fazer supermercado, pensar cada detalhe para dar conta de tudo”, diz.O sequenciamento foi feito quando a equipe da doutora Ester estava no Instituto Adolfo Lutz realizando o sequenciamento do v�rus da dengue. “Estamos com uma epidemia de dengue e o coronav�rus nos atropelou.” Elas usaram a mesma tecnologia para sequenciar o Covid-19.
"� absurdo o n�mero de feminic�dios no Brasil. Entristece-me a banaliza��o do que est� acontecendo. Tem que mudar. N�o tem como n�o ser feminista com esses n�meros no Brasil"
Ester Sabino, presidente do Instituto de Medicina Tropical da USP
Com os filhos adultos, Ester pode agora se dedicar de forma integral � pesquisa, mas nem sempre foi assim. “Meu mais novo j� tem 25 anos. J� n�o estou nessa vibe de tripla jornada. Voltei a focar no trabalho. Todo cientista tem que ter os dois lados: ter a fam�lia perto e � importante saber o que est� acontecendo no mundo.” A rotina � mais tranquila, o que a permite inclusive fazer exerc�cios f�sicos para envelhecer de forma melhor.
O coronav�rus n�o estava entre os objetos das pesquisas de Ester, que se dedicava a pesquisar a anemia falciforme, em parceria como quatro hemocentros no Brasil, inclusive o Hemominas, e a doen�a de Chagas, com pesquisa feita em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
Ester Sabino se considera feminista e, no Dia Internacional da Mulher, considera inaceit�vel o n�mero de feminic�dios no Brasil. “� absurdo o n�mero de feminic�dios no Brasil. Entristece-me a banaliza��o do que est� acontecendo. Tem que mudar. N�o tem como n�o ser feminista com esses n�meros no Brasil”, argumenta. A fama repentina n�o muda os prop�sitos de Ester, que � seguir realizando pesquisas e formando os estudantes.