
Os primeiros meses deste ano vieram para quem tem nervos de a�o, sangue-frio e cora��o forte. Chuvas torrenciais e coronav�rus circulando mundo afora testaram os limites da paci�ncia, obrigaram muita gente a mudar os h�bitos e levaram os cientistas, numa situa��o semelhante a “decifra-me ou devoro-te”, � urg�ncia de mergulhar nos estudos para entender mais um enigma do s�culo 21. Neste Dia Internacional da Mulher, mulheres como Fabr�cia Aparecida Paulino, de 37 anos mostram como enfrentam os desafios e o inesperado dos fatos que deixaram mortos, fam�lias desamparadas, pessoas traumatizadas e uma imensa interroga��o no ar. Pela determina��o do trio, n�o seria exagero dizer que elas, entre milh�es do universo feminino, “t�m a for�a”: para lutar, criar, sonhar, melhorar a humanidade e, principalmente, viver.
Com 37 anos, quatro filhos e uma neta, Fabr�cia se viu sem ch�o, paredes e teto durante o hist�rico temporal de janeiro em Belo Horizonte. Moradora de �rea de risco, ela deixou o im�vel e se abrigou num quarto com a fam�lia. Mas a esperan�a falou mais alto e, poucos dias depois, concretizou desejos antigos: fazer o curso de eletricidade predial e trabalhar na �rea. “Conserto at� chuveiro”, orgulha-se.
Quinta-feira (5) foi um dia diferente na vida de Fabr�cia, m�e de Marlon, Thaynara, Taynan, e Mayra e av� de Elise, de 1 ano e dois meses. Com forte gripe, faltou ao trabalho, mas, � tarde, reuniu for�as, aprumou o corpo e entrou no �nibus rumo ao Centro de Belo Horizonte. O motivo n�o poderia ser mais nobre para ela: o curso de eletricista predial, do qual fala com quase devo��o.
“Esse servi�o sempre foi meu sonho. J� consertei chuveiro aqui em casa, arrumei a torneira do tanque, dei um jeito no ventilador.” As aulas come�aram em 3 de fevereiro, quando Fabr�cia tamb�m conseguiu emprego na sua �rea de atua��o. “Sou ligada na tomada 220 volts, estou feliz demais fazendo o que gosto.”
Tranquilidade em meio ao caos
O momento era tr�gico, mas, com lucidez, Fabr�cia manteve a calma e conduziu a fam�lia a um lugar seguro. Na chuva hist�rica de 25 de janeiro, a casa onde ela morava, no Bairro Jardim Alvorada, na Regi�o da Pampulha, “come�ou a dar estalos” – na regi�o, houve morte, por soterramento, de uma mulher e tr�s filhos e um vizinho.Sem esperar pelo pior ou ir para um abrigo, ela alugou um quarto para alojar toda a fam�lia, e encontrou novo endere�o no Bairro Ouro Preto. “Veja s�, em 4 de janeiro fizemos, naquela casa, a festinha de 1 ano de Elise. J� estava chovendo, mas nada aconteceu, felizmente”.
Segurando todas as “pontas” financeiras e emocionais, Fabr�cia n�o se entregou e manteve a energia. Na �poca, ao encontr�-la perto da casa � beira do barranco, os rep�rteres do Estado de Minas ficaram impressionados com a serenidade no rosto para o recome�o. “Estava triste por perder a moradia, mas animada pela profiss�o de eletricista e de ficar junto com a fam�lia”, conta Fabr�cia, que mora com o namorado, Luiz Fernando, de 25. Entusiasmada com o curso de eletricidade predial, diz que o Centro Divina Provid�ncia Profissionalizante (Cedipro) oferece tamb�m curso de corte e costura, e tem alunos. “Sou das poucas mulheres que fazem o curso de eletricista.”
"� preciso respeito"
Mulher, negra e eletricista. E por que n�o? O coment�rio sobre a profiss�o � a deixa para Fabr�cia falar sobre preconceitos sofridos ao longo da vida. Trabalhou muitos anos como dom�stica, e ouviu palavras ofensivas sobre a cor da pele. Quando muda o rumo profissional, depois de vender lingerie e servir em buf�s, escuta que se trata de uma profiss�o de homem. “Respondo que n�o! Qualquer um pode ser eletricista, um of�cio que exige calma”, avisa.O que a tira mesmo do s�rio � preconceito contra a mulher: “Se uso um short curto, que gosto muito, n�o significa que a porta est� aberta. Se dou um sorriso, n�o quer dizer que estou dispon�vel. � preciso respeito”, afirma a mulher, que, conforme diz, nunca est� igual. “Mudo sempre o cabelo. Ontem estava de cabel�o, hoje estou de trancinhas. Gosto desta transforma��o.”

Junto dos filhos Thaynara, de 19, m�e de Elise, e Taynan, de 17, que estavam em casa na tarde de quinta-feira – os outros s�o Marlon, de 21, que trabalha, e Mayra, de 11 – Fabr�cia quer mesmo � ser feliz. O namorado tamb�m estava no batente. “Sabia que Deus tinha um presente para mim. E ele chegou nesta fase da vida”, afirma a mulher sobre a capacita��o profissional, antes de revelar mais um sonho. “Quero me casar com um vestido branco, tomara que caia, e carregando rosas vermelhas, minha paix�o”. Ent�o, � esperar pelo futuro.