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Estado de Minas ENTREVISTA

Tina Descolada: boneca cadeirante completa 10 anos como agente de inclus�o

Criada pela psic�loga Marta Alencar, a personagem incentiva o olhar positivo para as diferen�as


28/08/2022 04:00 - atualizado 25/08/2022 18:16

marta alencar tina descolada
(foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
 

 

Tina Descolada � uma jovem moderna, extrovertida, que gosta de sair com os amigos e aproveitar a vida. Nem parece que precisa de cadeira de rodas para se locomover. J� rodou o Brasil, viajou para v�rios pa�ses e teve at� um namorado em Portugal. Por tr�s da personagem, que acaba de completar 10 anos, est� a psic�loga Marta Alencar.

 

 

Motivada por uma indigna��o com o preconceito e pelo desejo de lutar por um mundo mais inclusivo, ela deu vida � boneca que tem sido uma poderosa agente de inclus�o. Para as pessoas com defici�ncia, fala sobre aceita��o e representatividade. Mesmo n�o sendo real, sua miss�o na sociedade � ajudar a quebrar barreiras e estimular a conviv�ncia com as diferen�as. Hoje Tina Descolada vive cercada por uma turma de mais de 100 amigos que representam a diversidade de forma mais ampla. Entre eles, pessoas obesas, negras, com defici�ncia, idosos e LGBTQIA+.

 

Como voc� se envolveu com a causa da inclus�o?

Sou psic�loga desde 1986. Comecei a trabalhar com pessoas com defici�ncia na �poca de estagi�ria e, depois que me formei, continuei trabalhando com essas pessoas, sempre como psic�loga cl�nica. Quase sempre atendia crian�as com defici�ncias f�sicas, intelectuais e transtornos como autismo. Desde o in�cio, sentia que a diferen�a me atra�a, ao inv�s de me gerar repulsa. Tinha curiosidade e vontade de conviver e ajudar. Passei por v�rias institui��es nesse tempo, escutando o quanto essas pessoas sofriam com preconceito, discrimina��o, rejei��o, curiosidade, pena e via que a sociedade causava muito sofrimento com esses olhares e comportamentos. Isso foi me causando um sentimento de indigna��o e a indigna��o me levou para a a��o. Comecei a fotografar as crian�as em situa��es positivas. Queria criar uma imagem positiva das crian�as com quem trabalhava na Associa��o Mineira de Reabilita��o (AMR). Fotografamos 115 crian�as em situa��o de inclus�o. Fizemos exposi��es em algumas empresas e, em 2011, lan�amos o livro “Inclus�o: olhares e possibilidades”, que teve bastante repercuss�o. Foi um livro muito marcante para as crian�as e as fam�lias, abriu novos pensamentos e poderes. Isso foi me alimentando e me estimulou a provocar um olhar mais positivo para as diferen�as.

 

Qual personagem do livro mais marcou voc�?

Tem a hist�ria do Jo�o, um menino de 10, 11 anos. A m�e queria que ele fosse fotografado dando alguns passos e combinamos de fazer a foto na Serra da Moeda. Ele estava come�ando a caminhar sozinho, apoiado na parede. Na hora H, ele travou, n�o conseguia caminhar, at� porque tinha plateia, e ficou muito inseguro. Sentou e come�ou a olhar o voo dos parapentes. A� me aproximei dele e perguntei: Jo�o, voc� tem coragem de voar? Ele disse sim. Ent�o, resolvemos fazer a foto dele voando. Quando o instrutor passou bem perto da gente na rampa, o Jo�o gritou: para que pernas se posso voar? Depois fui saber que era uma frase da Frida Kahlo. At� hoje me arrepio e sinto muita emo��o ao contar essa hist�ria.

 

Como surgiu a ideia de criar a personagem?

Uma paciente estava com dificuldade para aceitar a cadeira de rodas. Pesquisando, descobri uma amiga da Barbie de cadeira de rodas, a Becky, e comprei pela internet. Ela j� tinha sa�do de linha, n�o era fabricada h� muitos anos, mas consegui comprar de um colecionador em um site norte-americano. Custou mais de R$ 300. Quando comprei a boneca, veio o insight de criar uma personagem. J� tinha uma veia para a arte e guardava dentro de mim todas aquelas hist�rias das fam�lias, de rejei��o e sofrimento. A� chega a Valentina, Tina Descolada, que nasceu de um desejo meu de fazer um trabalho com as crian�as com mais criatividade. Poucos meses depois, em junho de 2012, sem pretens�o nenhuma de causar grande barulho, comecei um blog. Decidi levar a Tina para onde fosse e fazer fotos em perspectiva, como se ela fosse gente. Foi quando enxerguei o potencial dela de encantar as pessoas. Come�amos a sair em muitas mat�rias e ganhar repercuss�o em v�rios pa�ses. A personagem era uma boneca, mas tinha por tr�s o conhecimento de uma psic�loga que queria tentar transformar a realidade dessas pessoas.

 

Por que o nome Tina Descolada?

Valentina vem de valente, corajosa, que superou. J� Descolada mostra que ela � jovem, moderna, extrovertida, que tem muitos amigos, usa as roupas da moda. Descolada tamb�m no sentido de deslocar, de n�o se prender a uma cadeira de rodas. A Tina quer ser como uma jovem qualquer.

 

tina descolada
(foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)
 

 

A Tina Descolada deixou de ser simplesmente uma boneca para se tornar um projeto de inclus�o. Voc� imaginava que esse seria o caminho?

N�o, as coisas foram acontecendo. S� tinha o desejo de ajudar e transformar uma realidade. Isso me moveu o tempo todo. Muito mais do que ser uma influenciadora digital, a Tina � uma agente de transforma��o, que colabora com a educa��o para um pensamento inclusivo. Ela aborda um tema, que ainda � pesado para muita gente, de forma leve e l�dica. Nesses 10 anos, venho pensando que a gente precisa ver as diferen�as com olhar positivo, valorizar a diversidade, educar contra o preconceito, que faz muitas pessoas sofrerem. Depois come�aram a surgir outros bonecos que representam a diversidade, a import�ncia da representatividade, de falar sobre as diferen�as e mostrar o quanto somos plurais, �nicos e diversos. Tenho bonecos de quase todos os grandes grupos que sofrem discrimina��o: pessoas obesas (gordofobia), negras (racismo), com defici�ncia (capacitismo), idosos (idadismo ou etarismo) e LGBTQIA (homofobia). Estou sempre comprando e aumentando a cole��o. Tenho mais de 100.

 

Voc� compra os bonecos prontos, ou tem que customiz�-los?

A maioria s�o customizados. Pego uma Barbie, coloco �culos escuros e bengala e crio uma boneca cega, que n�o existe ainda. Tenho v�rias com pr�teses feitas em impress�o 3D. Nas obesas, coloco preenchimento. J� montei tamb�m uma com nanismo. Fiz uma boneca com vitiligo muitos anos antes da Mattel (fabricante da Barbie). Agora existem algumas com pr�tese e negras, muito em fun��o de um p�blico mais consciente, que come�ou a exigir isso. Tamb�m junto a cabe�a de uma boneca com o corpo de outra e vou montando de acordo com o que quero. Praticamente todos os bonecos s�o no padr�o Barbie porque, por acaso, comecei com uma Barbie. Fa�o as roupas tamb�m. �s vezes, vou dormir e, no meio da madrugada, acordo pensando em alguma ideia.

 

Quais encontros interessantes a Tina j� proporcionou a voc�?

Com o ativista americano Dr. Scott Rains, que era cadeirante e viajava o mundo para falar sobre turismo acess�vel. Ele j� tinha morado no Brasil. Um dia, ele me procurou, admirado com o trabalho, e me pediu fotos da Tina para mostrar para as pessoas em uma palestra que ia fazer no Nepal. Cheguei a conhec�-lo no Rio de Janeiro e a gente conversava muito pela internet. Ele era uma pessoa fant�stica. Sofri muito com a morte dele. Outra hist�ria interessante � de uma pessoa de S�o Paulo que me procurou dizendo que eu deveria conhecer um outro personagem. Quando cliquei no link, apareceu um boneco que morava em Lisboa, o Herge del Rio. Ele n�o tinha defici�ncia, ia a todos os lugares para falar de cultura. Cinco meses depois, fui para Portugal para levar a Tina para namorar com o Herge del Rio. Eles passearam por todas as praias de Lisboa. At� hoje converso com o criador dele, que � um advogado.

 

Nesses 10 anos, qual momento foi mais marcante?

Estava em Macei�, durante uma viagem de f�rias para Alagoas. Tinha voltado da praia de S�o Miguel dos Milagres e, enquanto estava em um restaurante, algu�m arrombou o carro e levou tudo, minhas roupas e a Tina. Quando soube, me sentei no meio fio e chorei. Depois de registrar a queixa na delegacia, postei na internet, indignada, falando que a Tina tinha sido sequestrada. S� sei que a not�cia se espalhou para todo lado. O amigo dos Estados Unidos, o namorado de Portugal, todo mundo indo atr�s da pol�cia. Saiu at� mat�ria no Estado de Minas contando que a Tina tinha sido sequestrada. O t�tulo era “Volta, Tina”. A Tina nunca voltou, mas as crian�as conseguiram traz�-la de volta de v�rias maneiras na imagina��o. Pedi para elas escreverem hist�rias de como a Tina teria voltado desse sequestro e fotografei cada uma das cenas. Roubaram a boneca, mas n�o iam roubar meu sonho de um mundo mais inclusivo.

 

Quais lugares a Tina mais gostou de conhecer?

Os lugares onde a Tina se sentiu melhor e mais � vontade foram Madrid e Nova York. S�o cidades muito acess�veis, onde ela consegue andar com muita facilidade e a defici�ncia passa mais impercept�vel. At� o olhar das pessoas � diferente. Sei que ela gostaria de viver uma aventura em uma trilha no alto do Himalaia para ver o Monte Everest, mas isso n�o � poss�vel, s� na imagina��o. Levei a Tina para o Deserto do Atacama com uma cadeira especial e estou sempre pesquisando sobre a acessibilidade dos lugares, se algu�m com defici�ncia j� foi, como �, como lidam. As pessoas com defici�ncia t�m todo o direito de conhecer as belezas naturais do mundo. Mas j� n�o levo mais a Tina para todo lugar. Estive no Jalap�o e o dono da ag�ncia me disse que seria muito dif�cil para um cadeirante, ent�o n�o a levei. N�o d� para fazer s� como se fosse na imagina��o, temos que colocar o p� na realidade.

 

Apesar de ser uma boneca, a Tina tamb�m conversa com os adultos?

Todas as pessoas j� foram crian�a um dia e brincaram com um boneco, ent�o isso j� est� na mem�ria. Acredito que a Tina traz um conte�do afetuoso e informativo para todas as idades. A reflex�o sobre as diferen�as, acessibilidade, sobre um mundo mais inclusivo serve para adultos e crian�as.

 

Voc� falou da Tina como agente de mudan�a para a sociedade. E para as pessoas com defici�ncia, qual tem sido o ganho?

Um dos meus princ�pios com a Tina � n�o fazer para, mas com as pessoas com defici�ncia. Nunca soube de uma pessoa com defici�ncia que fizesse alguma cr�tica, que nao aceitasse ou n�o entendesse a import�ncia da Tina. Isso para mim � muito legal e muito importante. Sempre tive o apoio de pessoas com defici�ncia justamente porque a Tina vai muito al�m de uma boneca, ela traz todo um significado. Muitas pessoas me procuram e falam o quanto a Tina foi importante para elas. Uma senhora de Recife me mandou mensagem pelo Facebook contando que odiava Barbie quando era crian�a porque a boneca era perfeita e ela usava cadeira de rodas. Quando comecei o trabalho com a Tina, ela passou a gostar dela e de bonecas. Me lembro tamb�m da hist�ria de uma crian�a que entrava debaixo da coberta e ficava olhando a Tina antes de dormir de tanto que gostava dela. Um casal com nanismo me pediu para fazer bonecos que os representassem. Consegui fazer a montagem e voc� n�o imagina a felicidade deles.

 

Qual � o sentimento de chegar aos 10 anos?
A sensa��o � de que nem parece que tem tanto tempo assim. O trabalho � leve e criativo. Nesse meio tempo, me aposentei e tive mais tempo para fazer atividades presenciais com a Tina. Tamb�m fico feliz de ver que estou conseguindo fazer alguma coisa para tornar o mundo melhor.

A sua motiva��o continua a mesma?
A ess�ncia se mant�m, de querer transformar uma realidade e lutar por um mundo melhor para todos. Mas a empolga��o foi amadurecendo, j� estou com 60 anos. Depois de 10 anos com a personagem, hoje estou mais no p� no ch�o, mais madura e serena.

Quais s�o os planos para a Tina?
Fico pensando em criar mais produtos para o universo infantil. Tenho muita vontade de fazer livros de hist�rias e brinquedos que sejam mais universais. Quero tamb�m promover mais a��es presenciais em escolas, museus e eventos. Precisamos muito de educa��o para o pensamento inclusivo.

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