
Montes Claros - Elas aparecem com o cair da noite, por entre labirintos formados pelas carretas estacionadas nos postos de abastecimento � beira das rodovias. Mulheres de todas as idades e travestis que vivem em cidades cortadas por estradas se prostituem fazendo mais de 30 programas por dia. Os clientes preferenciais s�o caminhoneiros, exaustos pelas horas ininterruptas de trabalho ao volante em carretas carregadas com v�rias toneladas. Mais do que fontes de divers�o, as chamadas “raparigas” ou “quengas”, no linguajar dos carreteiros, fornecem drogas e estimulantes nos intervalos em que esses condutores poderiam descansar. Compostos de anfetaminas - os chamados rebites - e drogas como maconha, coca�na e crack “turbinam” os programas r�pidos, muitas vezes nas boleias ou nas esquinas sombrias dos estacionamentos.
De carona em carretas pelas BRs 040, 116, 135, 251 e 381, a equipe de reportagem do Estado de Minas encontrou v�rias dessas mulheres, muitas at� menores de 18 anos, que t�m lucro ampliado quando os caminhoneiros est�o inebriados. A degrada��o nos postos, paradas chamadas pontos de apoio ou mesmo nas encruzilhadas das rodovias deixa ainda mais debilitados os homens que t�m a responsabilidade de transportar cargas pesadas por estradas antigas, com tra�ados de mais de 30 anos e n�o inteiramente adaptadas �s grandes carretas.
Com um meio sorriso e os olhos l�nguidos de quem est� sob efeito de drogas e �lcool, de cabine em cabine, a prostituta Shirley (nome de guerra) diz fazer uma m�dia de 30 programas por dia nos postos de combust�veis do entorno da BR-135, em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. “O batente � das 18h �s 6h. Coisa r�pida com cada um. Tem carreteiro do Brasil inteiro que para aqui (nos postos) sozinho e nos procura para fazer programa e comprar um rebite, coca�na ou crack”, afirma. A mulher cobra R$ 20 pelo encontro, mas admite que, se o cliente estiver com poucos recursos, reduz o pre�o para R$ 15. As drogas s�o � parte. A comiss�o que recebe do traficante ela gasta para manter o pr�prio v�cio e bancar os rebites que a mant�m disposta a encarar 12 horas de programas com homens diferentes.
No Norte de Minas, um dos pontos mais movimentados � um posto da Avenida Deputado Pl�nio Ribeiro, um prolongamento da BR-135 na periferia de Montes Claros. Enquanto prostitutas e travestis se oferecem nos passeios aos caminhoneiros que se dirigem lentamente para o posto, em casebres arruinados da rua de tr�s funcionam bocas de fumo onde garotas de programa magras consomem crack em cachimbos, vendendo pedras para os motoristas que as pegam no asfalto.
Os rebites que os caminhoneiros tomam para tentar vencer o sono em suas viagens longas, de mais de 24 horas, tamb�m turbinam as prostitutas. “Tomo um rebite e a� consigo virar o dia fazendo programa. Os caminhoneiros aproveitam. Tomam um e a� podem at� beber pinga e cerveja que mesmo assim n�o dormem na estrada. � s� tomar mais comprimidos depois do programa”, “receita” Shirley. Enquanto mulheres e travestis se prostituem, policiais circulam em viaturas de luzes girat�rias vermelhas sem abordar ou mesmo intimidar ningu�m. Naquela noite, deram algumas voltas dentro do posto, cumprimentaram as profissionais do sexo e depois se foram.
A atividade na avenida � organizada por traficantes e cafet�es. Se o caminhoneiro n�o quiser os servi�os das prostitutas no caminh�o, pode atravessar a rua e frequentar um bordel disfar�ado de bar. Embaixo funciona um boteco escuro onde ficam as mulheres e os homens que as exploram, de vig�lia, consumindo bebidas ao som de can��es sertanejas. No segundo andar do sobrado h� quartos pequenos e sujos, com camas cobertas por tecido manchado e desbotado. No entorno, para quem n�o confia nas instala��es, h� op��es de mot�is e drive-ins. Nesse caso, assim que terminam o programa as mulheres s�o levadas na garupa de motoqueiros de volta para a avenida, onde v�o procurar mais clientes.
Vingan�a
Quem costuma atrapalhar a divers�o dos motoristas s�o as mulheres tra�das que vivem na cidade e aguardam o retorno dos maridos caminhoneiros depois de dias na estrada. “Elas aparecem quando eles est�o fissurados demais na droga para voltar. Uma vez, a mulher ligou no celular do caminhoneiro. Ele estava comigo e disse a ela que ainda ia demorar. S� que ela estava do lado de fora, com um gal�o de gasolina, que jogou no caminh�o e p�s fogo. Quase n�o conseguimos escapar”, conta Shirley.
Entre as mulheres e os travestis que circulam nas motos e desfilam pela avenida se oferecendo h� tamb�m adolescentes, de acordo com Shirley. “Tem uma menina linda, de 16 anos. Os caminhoneiros ficam loucos com ela. Mas a menina n�o fica na rua direto. Tem de entrar no bar (prost�bulo)”, disse. Shirley conta que come�ou a se prostituir depois que o marido a deixou com um filho de 7 anos. “N�o tinha dinheiro para sustentar o meu menino. Como antes namorava homens de gra�a, pensei que n�o teria mal algum em cobrar. N�o quero deixar a vida”, diz.
Mem�ria: Risco no retrovisor
Motoristas de carretas pesadas que cortam as estradas mineiras abusam de rebites e estimulantes � base de �lcool e cafe�na para conseguir rodar por mais de 24 horas seguidas. Esse comportamento, somado �s p�ssimas condi��es de manuten��o dos ve�culos e � sa�de prec�ria dos condutores, levou os acidentes envolvendo ve�culos de carga a aumentar 132% na malha estadual mineira. As nuances dessa situa��o alarmante s�o mostradas desde domingo pelo Estado de Minas, na s�rie de reportagens Homens-bomba ao voltante. Os chamados rebites usados por esses condutores s�o medicamentos e produtos manipulados � base de anfetamina, droga sint�tica de efeito estimulante. A subst�ncia age acelerando o funcionamento mental e aumentando a libera��o e o tempo de atua��o de neurotransmissores. H� altera��o nas fun��es de racioc�nio, emo��es, vis�o e audi��o, provocando sensa��o de satisfa��o e euforia. A pessoa sob o efeito de anfetamina tem ins�nia, perde o apetite, fica euf�rica e com fala acelerada. Al�m disso, apresenta irritabilidade, preju�zo de julgamento, suor, calafrios, dilata��o das pupilas e pode sofrer convuls�es.