
Os dois trotes com conota��es racistas e refer�ncias ao nazismo praticados em mar�o por alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) reacenderam as discuss�es sobre o tema no ambiente acad�mico. Nesta semana, a UFMG publicou um boletim interno tem�tico dedicado exclusivamente ao trote. Na publica��o, a institui��o retoma o debate sobre a valoriza��o da diferen�a e o combate � discrimina��o. Em um dos textos, o epis�dio protagonizado por calouros e veteranos do 2° per�odo � caracterizado como ato violento e apontado como “a ponta do iceberg” em um universo de atitudes que revelam preconceito e discrimina��o n�o s� na UFMG, mas em institui��es de ensino do pa�s.
“O trote violento n�o deve ser visto como ato isolado – ele expressa uma din�mica de preconceitos e discrimina��o que marca a universidade em suas diversas inst�ncias. E a implanta��o de pol�ticas institucionais destinadas a mudar esse quadro � urgente”, destaca a publica��o. Professores da UFMG aproveitaram o epis�dio no curso de direito – em que calouros foram caracterizados como escravos e veteranos fizeram sauda��es nazistas – para alertar sobre a diferen�a entre brincadeira e viol�ncia no �mbito acad�mico e apontaram as recep��es de calouros como alternativa.
No Instituto de Ci�ncias Biol�gicas (ICB), o trote convencional, que em muitos casos tinha pr�ticas racistas, homof�bicas e machistas, conforme lembra a coordenadora do diret�rio acad�mico, foi substitu�do por uma recep��o educativa. “Levamos os calouros para uma visita aos locais de atua��o dos profissionais e promovemos debates com quest�es sobre temas relacionados ao curso”, explica Raiane Silva Guedes. Sem abrir m�o de algumas brincadeiras tradicionais, como a pintura com tinta, os veteranos da Faculdade de Ci�ncias Sociais da UFMG tentam elaborar atividades que promovam a intera��o com a nova turma sem submet�-la a constrangimentos. “Nunca pintamos as roupas, jogamos ovos ou outras coisas que sujem, porque n�o � essa a inten��o”, explica o membro do Centro Acad�mico de Ci�ncias Sociais (CACS) Filipe Reis Barbosa, aluno do 5º per�odo.
Filipe explica que o tema faz parte de debates no centro acad�mico. “Todo semestre, antes das brincadeiras, rediscutimos o trote do ano anterior. Convidamos quem j� foi alvo para opinar sobre o que foi feito, se houve excessos, e s� ent�o definimos como ser� o trote”, afirma. Se o novo estudante n�o se sentir � vontade com as brincadeiras organizadas pelos veteranos, pode interagir com os colegas de curso de ci�ncias sociais por meio de caf�s da manh� quinzenais, bate-papo sobre temas relacionados ao curso ou uma sess�o de cinema, com direito a pipoca e refrigerante.
V�nculo
Para o calouro Caio Luiz Jardins Souza, de 17 anos, a recep��o promovida pelos alunos n�o teve excessos. “N�o houve tentativa de nos estereotipar. O que fizeram foi nos explicar sobre a estrutura do curso e nos deixar � vontade”, conta o jovem. Ele conta que foi apadrinhado por um aluno do 2º per�odo e recebe c�pias de textos exigidos para as aulas, o que ajuda a reduzir custos. “Neste semestre, o trote n�o foi associado � opress�o, mas sim a uma forma de criar um v�nculo de amizade, manter um bom clima entre as turmas”, considera.
No lugar de performances humilhantes, a tarefa dos futuros profissionais da sa�de que ingressaram na turma de medicina da UFMG neste semestre foi revitalizar uma escola municipal no Bairro S�o Lucas, na Regi�o Leste. A caloura Luiza Soares Cirne de Toledo, de 22 anos, aprovou a iniciativa. “Com o patroc�nio de algumas empresas, fomos � escola, pintamos o muro, revitalizamos a quadra, enfeitamos as salas de aula e brincamos com as crian�as”, conta a estudante.
PALAVRA DE ESPECIALISTA: ANA L�CIA MODESTO, PROFESSORA DA UFMG
Manifesta��o de poder
Culturalmente, o trote � aplicado por quem quer mostrar poder e exigir respeito. Os alvos s�o pessoas que passam a pertencer a uma nova institui��o, mas que ainda est�o em processo de aprendizagem. Quem d� o trote quer impor regras b�sicas de submiss�o e dar tratamento diferenciado aos novatos. � um comportamento pr�prio de quem tem uma mentalidade hier�rquica, que quer exigir que o novo integrante do grupo atenda a todos os seus desejos at� se firmar na institui��o. A recep��es de calouros sem trote � uma forma humanizada de interagir com os novatos, tratando-os como iguais. No entanto, esse tipo de recep��o n�o atrai muito os estudantes. Muitos alunos gostam da ideia do trote, porque � uma carnavaliza��o do ingresso na universidade. O ideal nessa circunst�ncia seria o equil�brio: promover atividades coletivas e festivas com espa�o para a brincadeira, em que se possa rir com o outro, mas sem que haja desrespeito.