
Dois incidentes envolvendo estudantes que participavam de trotes em universidades federais mineiras comprovam que, embora proibida, a pr�tica persiste no ambiente acad�mico. Um deles ocorreu em mar�o com alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e teve repercuss�o nacional com fotos divulgadas nas redes sociais. As imagens mostram uma estudante com o corpo pintado com tinta preta, acorrentada e puxada por um veterano. Ela ainda carregava uma placa com os dizeres “caloura Chica da Silva”, em refer�ncia � famosa escrava que viveu em Diamantina no s�culo 18. Em outra imagem, um calouro est� amarrado a uma pilastra enquanto tr�s veteranos fazem uma sauda��o nazista. H� poucos dias, a situa��o se repetiu, dessa vez com alunos da Universidade Federal de S�o Jo�o del-Rei (UFSJ), nos Campos das Vertentes. Vinte e tr�s veteranos foram presos, acusados do crime de constrangimento ilegal contra calouros que foram pintados e levados �s ruas para pedir dinheiro.
Diante da desobedi�ncia dos universit�rios, uma pergunta: por que � t�o dif�cil barrar o trote? Para especialistas, a manuten��o da pr�tica � uma quest�o cultural. � o que explica um dos membros da Diretoria Executiva da Associa��o Nacional dos Dirigentes das Institui��es Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor da Universidade Federal de Alfenas Paulo M�rcio de Faria e Silva. “Entendo como uma quest�o de cultura dos jovens que chegam e inclusive acham que t�m o direito de receber o trote, sob pena de n�o serem acolhidos pelos alunos que j� est�o estudando”, diz. Por outro lado, afirma Silva, “os veteranos veem a pr�tica como uma demonstra��o de poder por terem chegado antes � universidade”.
A faixa et�ria dos alunos – a maioria entre 17 e 20 anos – e o consumo exagerado de bebida alc�olica est�o entre os fatores que refor�am a repeti��o da situa��o, como lembrou o especialista. Segundo ele, a maior parte dos calouros est� saindo da adolesc�ncia e deixando o ambiente familiar pela primeira vez. V�o morar sozinhos ou em rep�blicas, como � o caso daqueles que se mudam de cidade para estudar. “S�o meninos que querem experimentar o sentimento de liberdade e encontram, fora de casa, um cen�rio que oferece as condi��es para que isso ocorra”, afirma o diretor da Andifes.
Paulo Silva fala do esfor�o conjunto das institui��es em frear o trote universit�rio e diz que Minas n�o tem situa��o diferente do restante do Brasil. “A quest�o ligada ao trote ocorre indistintamente em todo o pa�s. Cada entidade tem autonomia para criar suas regulamenta��es, mas o rep�dio a essas manifesta��es de viol�ncia f�sica ou moral � um sentimento comum a todas”.
FORA DOS PORT�ES Se nos c�mpus j� � dif�cil impedir os trotes, nas ruas das cidades onde as universidades est�o instaladas � praticamente imposs�vel. Em Alfenas, no Sul de Minas, a universidade proibiu a pr�tica em 2008. “Mas ainda n�o conseguiu impedir que os calouros sejam levados �s ruas com o corpo pintado e os cabelos raspados pelos veteranos. Tamb�m s�o colocados em fila para marchar e obrigados a pedir dinheiro no sem�foro para financiar festas para os veteranos”, conta o reitor. A cidade convive com um caso tr�gico de trote. De acordo com Silva, h� cerca de 20 anos um estudante se feriu em uma pra�a da cidade durante o trote e ficou parapl�gico. H� seis anos, houve abertura de um processo para apurar um desses eventos. Imagens de v�deo foram analisadas, mas ningu�m foi identificado nem punido.
Em S�o Jo�o del-Rei, onde um trote violento virou caso de pol�cia nos dias 22 e 23 de maio, quando alunos de zootecnia e de engenharia el�trica da universidade federal da cidade foram presos, acusados do crime de constrangimento ilegal contra calouros, a proibi��o da pr�tica est� em vigor desde 2009. H� ainda uma lei municipal, aprovada no ano passado, que tamb�m considera a pr�tica ilegal. O pr�-reitor de gradua��o da Universidade Federal de S�o Jo�o del-Rei (UFSJ) Marcelo de Andrade, explica que o veto foi uma forma de barrar as manifesta��es, que para ele s�o consideradas uma exposi��o dos alunos e um desrespeito � dignidade humana. Trotes solid�rios, como a arrecada��o de alimentos para doa��o, s�o bem-vindos na institui��o, segundo o reitor.
Palavra de especialista
Quezia Bombonatto, psicopedagoga e presidente da Associa��o Brasileira de Psicopedagogia ( ABPp)
AGRESSIVIDADE EM ALTA
“Para os estudantes que entram na universidade, o trote representa um rito de passagem, o marco para um novo ciclo da vida. S� que, ao longo dos anos, esses ritos tomaram uma dimens�o de agressividade, se tornaram cada vez mais violentos. O que antes se resumia em uma acolhida com atividades como pintar o rosto e cumprir metas atualmente tem conota��o s�dica marcada por uma rela��o de poder. Ent�o, para ser aceito, o calouro precisa aguentar as exig�ncias dos veteranos, fazer ped�gio nas ruas para financiar festas e passar por tantas outras situa��es humilhantes e vexat�rias. A idade dos praticantes e dos que recebem o trote tamb�m influencia. S�o adolescentes que acham que podem tudo e que cada vez mais t�m limites menos r�gidos em casa e na sociedade. Eles acham que limite � sin�nimo de repress�o e vivem a era do hedonismo, em que o que mais importa � o prazer. As drogas e o �lcool d�o uma dimens�o ainda maior a esses atos e a impunidade dentro das institui��es dificulta a extin��o do trote estudantil.”
Quezia Bombonatto, psicopedagoga e presidente da Associa��o Brasileira de Psicopedagogia ( ABPp)
AGRESSIVIDADE EM ALTA
“Para os estudantes que entram na universidade, o trote representa um rito de passagem, o marco para um novo ciclo da vida. S� que, ao longo dos anos, esses ritos tomaram uma dimens�o de agressividade, se tornaram cada vez mais violentos. O que antes se resumia em uma acolhida com atividades como pintar o rosto e cumprir metas atualmente tem conota��o s�dica marcada por uma rela��o de poder. Ent�o, para ser aceito, o calouro precisa aguentar as exig�ncias dos veteranos, fazer ped�gio nas ruas para financiar festas e passar por tantas outras situa��es humilhantes e vexat�rias. A idade dos praticantes e dos que recebem o trote tamb�m influencia. S�o adolescentes que acham que podem tudo e que cada vez mais t�m limites menos r�gidos em casa e na sociedade. Eles acham que limite � sin�nimo de repress�o e vivem a era do hedonismo, em que o que mais importa � o prazer. As drogas e o �lcool d�o uma dimens�o ainda maior a esses atos e a impunidade dentro das institui��es dificulta a extin��o do trote estudantil.”