Paula Sarapu

Quase um m�s depois das manifesta��es que tomaram as ruas das cidades brasileiras, os reflexos dos protestos ainda est�o espalhados pela capital mineira. As delega��es estrangeiras j� deixaram o Brasil, as for�as de seguran�a n�o est�o mais mobilizadas e o per�metro da Fifa deixou de ser a preocupa��o. Belo Horizonte, no entanto, ainda junta os cacos da quebradeira. A pol�cia continua atr�s dos v�ndalos mascarados e muitos dos personagens que vivenciaram aquelas noites de confronto n�o esquecem as cenas emba�adas pelas bombas de efeito moral. S�o a favor das manifesta��es e t�m uma lista grande de reivindica��es. A preocupa��o, por�m, � a mesma: como ser� em 2014, quando o Brasil recebe a Copa do Mundo?
“Perdemos neg�cios, tivemos que contornar a decep��o de clientes que compraram carros que acabaram destru�dos pelos v�ndalos infiltrados nas manifesta��es. Nosso preju�zo foi da ordem de R$ 1 milh�o e as vendas ca�ram 70%. S� agora come�amos a voltar ao trabalho e estamos tranquilos at� a Copa”, diz Hideo Alexandre Takahashi, gerente geral da concession�ria Osaka, da Toyota, atacada na Avenida Ant�nio Carlos. Para ele, 2014 ser� um ano em que os protestos v�o retornar. “O Rio, por exemplo, continua sofrendo com as depreda��es porque recebe a Jornada Mundial, um grande evento com a presen�a da m�dia internacional. E aqui como vamos fazer para evitar esses mesmos problemas no ano que vem?”, questiona.
Na mesma cal�ada, outras concession�rias mant�m os tapumes e apelam �s faixas de “estamos funcionando” para seguir a rotina. Do outro lado da avenida, o seguran�a Luiz Henrique Ferreira, de 24 anos, passa dias solit�rios no terreno praticamente abandonado pela Hyundai. Ele esteve ali nos dias de confronto e as lembran�as continuam vivas e assustadoras. “Vi o menino cair do viaduto e n�o pude fazer nada. Tinha tamb�m um maluco querendo incendiar o posto de gasolina”, relembra. “Sinceramente, eu tive medo. Ele gritavam que iam incendiar tudo com os seguran�as dentro. Ficamos acuados num canto, s� olhando”, completa o seguran�a.
Luiz Henrique trabalha 12 horas em p�, pega o �nibus �s 5h e volta para casa no in�cio da noite. Com os coletivos lotados, ele n�o consegue sentar. Como muitos, continua querendo o fim da corrup��o e melhorias na sa�de e no transporte p�blico e acha que a popula��o deve se unir nas ruas, sempre que estiver insatisfeita. “Tem muita coisa que precisa melhorar no Brasil, isso tudo n�o era s� pelo pre�o da passagem. Sei que os manifestantes estavam aqui por mim tamb�m. Acho a quebradeira errada, mas a gente vive reclamando pelos cantos e n�o se exp�e. Os que vieram por bem fizeram a diferen�a e j� serviu para alguma coisa”, acredita ele.
CASA VAZIA Longe do palco das reivindica��es, a casa da dom�stica Neide Caetano de Oliveira, de 43, tamb�m continua vazia, de certa forma abandonada. Ela esperava em Curvelo, Regi�o Central, o filho voltar de mais uma manifesta��o, no dia da semifinal do Brasil na Copa das Confedera��es, mas viu pela televis�o o resgate do jovem de 21 anos, que caiu do Viaduto Jos� Alencar. As investiga��es ainda n�o foram conclu�das, mas amigos dele contam que Douglas tentou pular de uma pista para a outra e caiu em um v�o que separa os dois lados. Das pessoas procuradas pelo Estado de Minas, ela � a �nica que n�o consegue pensar em 2014. “Francamente, todos os dias de manh�, quando acordo, pe�o for�a a Deus para aguentar”, desabafa.
Neide ainda est� muito abalada e chora ao falar do filho, que postou fotos da manifesta��o horas antes do incidente, em 26 de julho. Ele trabalhava de carteira assinada numa transportadora e estava feliz com o plano de sa�de. At� ent�o, Douglas n�o tinha conseguido marcar uma cirurgia eletiva para corrigir a adenoide que atrapalhava sua respira��o. Antes de sair de casa, naquele dia, disse � m�e que n�o dava mais para aceitar a situa��o da sa�de no pa�s. “Existem 25 horas por dia? Se existissem, seria o tempo que penso nele. Se fosse pela tristeza, pela saudade e pela dor que sinto, n�o sairia da cama”, diz.
Mudan�as sem baderna
Professora e empres�ria, Ana Paula Rabelo de Freitas, de 44 anos, at� agora n�o sabe como conseguiu convencer os jovens mascarados a n�o invadir, depredar e incendiar sua pequena confec��o, na Avenida Ant�nio Carlos. De m�os para o alto, ela se ajoelhou chorando entre os v�ndalos agressivos, pedindo “por favor” que n�o destru�ssem o que ela e o marido haviam constru�do com tanto esfor�o. “N�o sei como eles me ouviram. Talvez, pelo fato de ser mulher, pela surpresa de ter aparecido ali chorando, mas n�o os enfrentei”, diz ela, que tem consci�ncia que seu preju�zo foi m�nimo diante de tudo o que podia ter acontecido. Ela participava da manifesta��o e ficou muito assustada com tudo o que via pelas ruas do seu bairro. Esclarecida, conta que seu pensamento sobre tudo o que ocorreu est� amadurecendo, embora considere que faltou a��o da pol�cia. “Vi a pol�cia se abstendo de interferir, como aconteceu no Rio, quarta-feira. Para mim, era claro que eles se negaram a agir.”
Ela tamb�m acredita que, se nada mudar no pa�s, as manifesta��es continuar�o ocorrendo e os v�ndalos continuar�o atacando. “Sei que h� uma linha muito t�nue na a��o policial, mas n�o podem deixar que essa baderna aconte�a”, diz. “Eles n�o viraram v�ndalos naquele momento. Por coincid�ncia estavam juntos, mas a seguran�a � uma das coisas que precisamos rever”, acrescenta.
A manifesta��o da semifinal de certa forma atrapalhou o anivers�rio do marido da vendedora Cibele Lobato Maciel Breschia, de 43, que n�o conseguiu reunir os amigos em casa. Pelo contr�rio, eles abriram as portas do pr�dio para ajudar as pessoas que passavam mal com o efeito do spray de pimenta e das bombas de g�s lacrimog�neo. Em casa, nos dois primeiros dias de jogos, at� o c�o da ra�a border collie sofreu, espirrando, com os olhos avermelhados. “Ficamos sem enxergar, com dificuldade para respirar. No �ltimo jogo, mantivemos as janelas fechadas, mas minha nora ficou mais assustada porque ainda n�o tinha visto aquelas cenas de perto”, conta. A li��o que fica, para Cibele, � de que o povo unido pode conseguir mudan�as. “Mas os baderneiros precisam ser coibidos com presteza, o que n�o vi acontecer. Quem sabe n�o d� tempo de pensar melhor numa estrat�gia para a Copa?”