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Estado de Minas

Diarista Sandra completa um ano sem usar crack

Apesar de ter apenas o ensino fundamental, a diarista Sandra Maria da Silva, de 42 anos, � capaz de dar aulas de sobreviv�ncia em tempos de crack. Desde que deixou a �ltima interna��o, em que permaneceu por nove meses em tratamento, n�o voltou a cair. Com a mente limpa, acredita que a pr�pria vida daria um livro, com uma p�gina a ser escrita por dia.


postado em 14/08/2013 06:00 / atualizado em 24/08/2015 08:13

 

Sandra Maria da Silva, ao lado, com chaveiros dos Narcóticos Anônimos, que frequenta há um ano, e acima, com a irmã Vanessa, que conseguiu internar. Com uma vida sofrida nas ruas desde a infância e passagem por todo tipo de drogas até afundar no crack, ela decidiu se reerguer e afirma que se mantém vigilante 24 horas por dia, para não sucumbir novamente. Está determinada também a salvar o restante da família, mas sabe que a tarefa não será fácil. (foto: BETO MAGALHÃES/EM/D. A PRESS)
Sandra Maria da Silva, ao lado, com chaveiros dos Narc�ticos An�nimos, que frequenta h� um ano, e acima, com a irm� Vanessa, que conseguiu internar. Com uma vida sofrida nas ruas desde a inf�ncia e passagem por todo tipo de drogas at� afundar no crack, ela decidiu se reerguer e afirma que se mant�m vigilante 24 horas por dia, para n�o sucumbir novamente. Est� determinada tamb�m a salvar o restante da fam�lia, mas sabe que a tarefa n�o ser� f�cil. (foto: BETO MAGALH�ES/EM/D. A PRESS)


N�o � simples atingir a marca de um ano separado do crack. Nesse intervalo, Sandra Maria viu muitos trope�arem, inclusive as irm�s Alessandra e Vanessa (retratada nesta s�rie). J� ela se prepara para receber o chaveiro dos Narc�ticos An�nimos, que simboliza um ano de participa��o nas reuni�es. Confessa ter medo de comemorar: “No mundo da droga, a gente se acostuma a viver em uma montanha-russa de emo��es. Se tiver uma not�cia ruim ou uma dose extra de felicidade, corre o risco de cair de novo. � preciso aprender a lidar com a vida normal”, filosofa.


 


Sandra Maria se apresenta sem reservas aos interlocutores como ex-menina de rua, ex-prostituta e ex-moradora de cracol�ndias em v�rios estados brasileiros. Ela s� n�o admite ser chamada de ex-dependente: “Posso at� esquecer meu nome, mas nunca que sou uma pessoa em recupera��o”. E argumenta, com conhecimento de causa: “N�o existe ex-drogada. Quem j� conheceu as drogas n�o fica curado. � preciso vigiar a si mesma 24 horas. O crack � como o primeiro namorado, que voc� nunca esquece. O relacionamento pode at� terminar, mas ele nunca mais vai sair da sua cabe�a”.

Aos 7 anos, Sandra Maria j� estava no olho do furac�o. Ela e os nove irm�os foram obrigados a trabalhar o dia inteiro, pedindo esmola em sinais de tr�nsito. A agenciadora era a pr�pria m�e, hoje com 87 anos, alco�latra, que usava os filhos para sustentar o v�cio. Na lida, Sandra conheceu a cola de sapateiro, que ajudava a aliviar a revolta. Fugiu de casa. Juntou-se �s turmas de meninos de rua. Conta que, por volta dos 14, 15 anos, sentiu vergonha de andar descal�a.

Para conquistar cal�ado, casa e comida, passou a vender o corpo. Foi quando conheceu as “bolinhas”: comprimidos usados pelas prostitutas para encarar o rod�zio de clientes sem rosto e sem limite da zona de meretr�cio. Tudo comercializado livremente nos arredores da Rua Guaicurus, no Centro de Belo Horizonte.

Sandra Maria suportou essa vida at� os 22 anos. Sentindo-se “velha” para a profiss�o, caiu na estrada. De carona com caminhoneiros, dormindo embaixo de viadutos, rodou por Rio de Janeiro, Esp�rito Santo, Distrito Federal e S�o Paulo. Neste �ltimo estado, afundou de vez na ex-cracol�ndia da capital, que at� este ano, antes das medidas de interna��o involunt�ria dos usu�rios, era a maior do pa�s. Foi nesse ponto que conseguiu for�as para recuar. Voltou a BH. “Eu era um esqueleto ambulante. Todo mundo olhava para mim como se eu fosse uma desclassificada. Era uma sensa��o de desprezo muito grande”, explica.

MONSTRO

(foto: BETO MAGALHÃES/EM/D. A PRESS)
(foto: BETO MAGALH�ES/EM/D. A PRESS)
“Jesus, me d� sobriedade”, suplica Sandra Maria, ao telefone. Em dezembro, ela liga para dizer que est� se sentindo sobrecarregada, depois que tomou a iniciativa de internar a pr�pria irm� Vanessa e de tentar internar a outra, Alessandra, que fugiu. No minuto seguinte, ela volta a rir das pr�prias mis�rias: “Essas drogadas me deixam louca! Mas � a loucura delas que me cura. Fico cada vez mais s�bria ao v�-las entorpecidas, lutando contra o monstro comedor de c�rebro (o crack)”, compara. Segundo ela, as irm�s s� aparecem em casa para trocar de roupa e roubar objetos para vender.

No mesmo m�s, Sandra Maria foi contratada para tomar conta de um restaurante, ganhando R$ 40 por dia. Por pouco tempo. No m�s seguinte, perdeu o emprego, ao se desentender com uma colega, que descobriu seu passado de dependente. Ela n�o se abala. Pega bico em uma cooperativa, onde descarrega caminh�es. “� dif�cil demais arrumar emprego. O passado � um fantasma que nos acompanha para sempre.”

Na virada do ano, Sandra faz quest�o de entrar em contato com a equipe do EM e desejar um feliz 2013. Est� esperan�osa e n�o desiste de recuperar a fam�lia. Com ela, s�o 10 irm�os, a metade envolvida com �lcool e drogas. Sandra Maria n�o esconde a m�goa em rela��o � m�e, que parou de beber h� oito anos, aos 79, ao se converter � religi�o evang�lica, depois de perder dois filhos dependentes de crack e uma filha, que morreu de cirrose.

Sandra, por sua vez, teve quatro filhos. Os dois mais velhos foram entregues ao abrigo. “Todo ano eu ia visitar, levava presente no anivers�rio e no Natal. Mas tinha certeza de que seria melhor para eles.” Nenhum dos dois se envolveu com drogas. Welbert, de 26 anos, � enfermeiro, e Jonathan, de 20, trabalha em uma conservadora de limpeza. As meninas, Larissa e Monique, de 13 e 10 anos, moram com o pai.

Em junho, Sandra j� poderia receber homenagem dos Narc�ticos An�nimos por um ano longe das drogas. Entretanto, fez quest�o de adiar a comemora��o por mais um m�s. “Gosto do grupo. � a melhor coisa que existe participar das reuni�es, porque as pessoas elogiam a gente”, afirma. Sandra merece mesmo um pr�mio. Desde que largou o servi�o bra�al da cooperativa, s� conseguiu arranjar emprego em um bar. Suportou por dois meses o ass�dio dos clientes, que insistiam em pagar uma cerveja � gar�onete. “O dependente qu�mico n�o pode nem passar perto do �lcool, que � a chave de todas as drogas”, avisa.

No hall de entrada dos Narc�ticos An�nimos, Sandra acende um cigarro, o �nico v�cio que lhe restou. “Eu era uma m�quina qu�mica”, revela a mulher, que j� usou �lcool, t�ner, cola, maconha, LSD, coca�na, cogumelo e crack. Depois de largar o servi�o no boteco, Sandra Maria passou a dar faxinas. Quer juntar dinheiro para comprar uma churrasqueira profissional. “J� que ningu�m quer dar emprego a uma dependente, vou ser dona do meu pr�prio neg�cio. As pessoas tentam me empurrar de volta para o crack, mas n�o v�o conseguir. Eu vou vencer”, ensina Sandra Maria, que poderia dar aula de determina��o.

 

Por dentro do v�cio

 

Na s�rie de reportagens que termina hoje, o Estado de Minas contou as hist�rias de mineiros que se viciaram em crack. Por seis meses, os rep�rteres Guilherme Paranaiba e Sandra Kiefer acompanharam a trajet�ria de 10 pessoas e relataram momentos de trevas, sombras e luz vividos por elas. No grupo – um retrato de como a droga n�o distingue classe social – h� quem n�o tenha conseguido vencer a depend�ncia qu�mica em seis meses, quem ainda enfrente altos e baixos e os que lutam para evitar reca�das.


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