
Dom Bosco – Foi com muito sofrimento que o lavrador Wellington In�cio Siqueira, de 30 anos, aprendeu como sobreviver � aridez da estiagem do Norte de Minas, entre as cidades de S�o Francisco e Pint�polis, onde o gado magro engana a fome comendo cactos de palma picada e a �gua viaja em baldes na cabe�a do sertanejo ou no lombo de jegues. Logo cedo ele se tornou chefe de fam�lia, aos 15 anos – o que � comum naquelas bandas. Foi quando nasceu Camila, sua primog�nita. Wellington procurou emprego fixo nas fazendas e engenhos, mas a pouca idade e as dificuldades que a seca impunha aos fazendeiros o fizeram tomar o rumo dos flagelados do semi�rido. Com tr�s filhos e a mulher, deixou a terra natal e seguiu estrada afora, sujeitando-se a trabalhos tempor�rios, de sol a sol, em p�ssimas condi��es de alojamento e alimenta��o. "Ganhava mal e trabalhava muito, mas s� assim trazia o p�o e o feij�o para casa", lembra. A fam�lia passou seis anos vivendo � beira de rodovias, at� que uma not�cia lhes trouxe esperan�as de sair da mis�ria. Foram selecionados para o Assentamento Novo Progresso, do Instituto Nacional de Coloniza��o e Reforma Agr�ria (Incra), no munic�pio de Dom Bosco, no Noroeste do estado.
Estavam esperan�osos, pois trocariam as dificuldades do Norte de Minas por uma nova chance nas terras f�rteis do Noroeste, o maior produtor de gr�os de Minas, onde prosperavam fazendeiros vindos de v�rias regi�es do Brasil. Mas n�o era nada disso que o destino reservava para os cinco retirantes. Como um flagelo que os persegue, a falta de chuvas e a degrada��o dos solos atingiu tamb�m a �rea onde receberam um terreno para cultivar, ao lado de outras 39 fam�lias de origens diversas. "Nossos po�os artesianos secaram. � preciso viajar tr�s quil�metros para encher os tambores d'�gua. N�o podemos plantar hortas e nem uma ro�a de feij�o aqui vinga, por causa da seca. Viemos procurar o melhor. Mas, infelizmente, aqui n�o � melhor", desabafa.
A situa��o de Wellington e de sua fam�lia ilustra como o desmatamento e o manejo predat�rio do solo, somados �s mudan�as nos regimes de chuvas e no clima, tornaram o Noroeste de Minas a nova fronteira da sede no estado. Quem vive da terra em cidades como Arinos, Bonfin�polis de Minas, Buritis, Dom Bosco, Formoso e Urucuia j� convive at� com o processo mais grave de degrada��o dos solos, a desertifica��o, que pensava-se estar restrita �s �reas do semi�rido, como o Norte de Minas. De acordo com levantamentos do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio Urucuia, que abrange a regi�o, pelo menos 180 mil hectares – uma �rea equivalente a tr�s vezes a capital mineira – encontram-se em est�gios diferentes de desertifica��o, como mostra desde domingo a s�rie de reportagens do Estado de Minas.
A desertifica��o fulminou as nascentes que corriam pr�ximas ao assentamento Novo Progresso. De acordo com a Prefeitura de Dom Bosco, as precipita��es, que chegavam � marca anual de 1.200 mil�metros, em menos de uma d�cada j� n�o passam mais de 900 mil�metros, pr�ximo do n�vel do semi�rido, que � de 800mm. "Al�m de escassas, as chuvas encontram o solo muito degradado e, em vez de penetrar na terra para abastecer os len��is fre�ticos, viram enxurradas e destroem ainda mais os terrenos. Em muitas dessas terras n�o nasce mais nada que se planta e por isso s�o abandonadas", afirma o secret�rio de Agricultura e Meio Ambiente de Dom Bosco, Marcus Vin�cius Pereira.
Por isso, n�o adianta mais furar po�os nas propriedades rurais do assentamento. O �nico local que as 40 fam�lias disp�em para conseguir �gua � um po�o artesiano perfurado pelo Incra e mantido pela prefeitura, mas que tem diversos problemas. A �gua fica estocada em uma caixa-d’�gua enferrujada, que precisa de limpeza. Por causa da falta de energia, que de acordo com os moradores � frequente, a �gua deixa de ser puxada pela bomba. Na frente do reservat�rio, os colonos fazem fila com baldes nas m�os. Quem mora mais perto traz seus vasilhames em carrinhos de m�o e sobre a cabe�a. Moradores mais distantes usam carro�as e carros de boi, revivendo cenas t�picas do Norte de Minas.
As crian�as do assentamento t�m em comum, al�m dos bodoques que trazem enfiados nas bermudas, a determina��o de ajudar os pais, seja puxando as carro�as com ton�is de �gua ou na ro�a. Forjado no semi�rido, Wellington ainda tem for�a de vontade para atitudes que para muitos parecem desesperadas, como escavar o fundo ainda �mido de uma das cacimbas que a comunidade perfurou para reter a �gua das chuvas para o gado beber. Debaixo das placas de barro rachado ele ainda encontra uma lama �mida que os bois magros lambem para n�o morrer de sede, recurso que s� os sertanejos experimentados ainda conhecem.
De acordo com o Incra, o po�o do assentamento Novo Progresso tem vaz�o de 16.600 litros/hora e serve a 42 fam�lias. “Uma licita��o encontra-se em fase de elabora��o do projeto b�sico para contrata��o de servi�os em v�rias regi�es, inclusive o Norte de Minas, para atender cerca de 600 fam�lias”, afirmou o instituto, em nota.