Arinos, Dom Bosco e Urucuia – A prosa entre os vizinhos nos passeios e das janelas das casas da pacata Dom Bosco, cidade de 4 mil habitantes, a 532 quil�metros de Belo Horizonte, tem hora para acabar. “Comadre, tenho de ir embora, que j� s�o quase cinco da tarde e a �gua vai chegar em casa. Tenho ainda uma trouxa de roupas para lavar”, diz a dona de casa Maria das Dores de Jesus, de 80 anos, para a amiga Maria dos Santos da Silveira, de 76. A falta de �gua na cidade chegou a um n�vel t�o cr�tico nesta seca que os moradores foram submetidos ao rod�zio, com hor�rio estabelecido pela prefeitura para fornecimento em cada �rea. “Se a gente perde tempo, n�o consegue encher a caixa. A�, fica sem ter como lavar roupa, aguar as plantas, fazer comida fresca. Isso quando a �gua que a gente espera n�o falta por dois, tr�s dias”, conta Maria dos Santos.
Pelas ruas de Dom Bosco d� para sentir que o clima mudou. Os jardins das casas est�o ficando ressecados; a grama, quebradi�a; as �rvores, desfolhadas. Nos canteiros centrais e pra�as o calor � mais poderoso que as poucas horas em que a �gua chega para irrigar plantas. S� se salva quem tem po�os artesianos. Alguns at� chegam a ajudar os vizinhos, como ocorre com o supermercado da cidade e o posto de gasolina, que ainda recorrem ao encanamento municipal e precisam pedir socorro quando falta �gua.
Torneira seca � beira do manancial
Essa situa��o � ainda mais irritante para pessoas como a dona de casa Maria dos Santos, que mora a menos de 50 metros do Ribeir�o Gado Bravo, que desde abril n�o passa de um modesto filete no fundo do leito. Os mais de quatro metros da calha hoje s� servem para indicar como era caudaloso o curso d’�gua. “A gente aqui est� boba de ver como foi que o ribeir�o baixou tanto. E eu, que fico pertinho dele, n�o consigo �gua nem para mim. Lembro que h� alguns anos, quando a chuva vingava mais tempo, o Gado Bravo passava por cima da ponte e entrava nas casas. Isso n�o acontece mais”, lembra.
Farta de ter de programar sua vida pelo cronograma do fornecimento de �gua, a dona de casa Maria da Consola��o Pereira, de 51, diz que n�o se importaria de pagar a mais para que uma empresa como a Copasa assumisse o fornecimento. “O pior de tudo � que a �gua que est� vindo para a gente chega com um p� preto que suja as roupas todas. Tem de encher a caixa-d’�gua que a gente p�s no terreiro e ainda esperar esse p� baixar. Preferia pagar mais e ter sempre �gua boa na torneira.”
O secret�rio municipal de Agricultura e Meio Ambiente informa que um projeto de amplia��o da capta��o para a cidade aguarda aprova��o h� tr�s anos na Funda��o Nacional de Sa�de. Mas ele pr�prio considera a medida insuficiente para o futuro, se as nascentes continuarem a sumir.
Em Arinos, a 650 quil�metros de BH, as 40 fam�lias que vivem no distrito de Bom Jesus chegam a brigar por causa da �gua. “As cisternas est�o vazias. Resta para eles o abastecimento por bombeamento, s� que, quando se liga a bomba, a parte baixa fica sem �gua. Quando se desliga, � a de cima que fica sem. Assim, s� metade da cidade consegue �gua por dia”, conta o secret�rio municipal de Agropecu�ria e Meio Ambiente, Joel Rodrigues Fonseca. “N�o tenho mais idade para buscar �gua com lata na cabe�a. No caminho sinto tonturas, fraqueza e at� deito no ch�o”, conta a agricultora Juscelina Pereira de Souza, de 69, que precisa percorrer um quil�metro para encher seus baldes em um riacho que ainda corre.
Pr�ximo ao Norte de Minas, Urucuia tamb�m sofre desabastecimento. Diante do problema, o Ex�rcito assumiu a distribui��o, com seis caminh�es-pipa que auxiliam um da prefeitura. A popula��o reclama, j� que a quantidade de �gua para cada fam�lia � limitada e os militares n�o atuam onde a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil trabalha.
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel de Minas informou que acompanha a situa��o do Noroeste do estado e que, devido �s fragilidades de disponibilidade h�drica e degrada��o ambiental, desde 2004 as pol�ticas de outorga de �gua e licenciamento de atividades de impacto na regi�o seguem as mesmas normas do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha.
Apesar disso, a regi�o ainda n�o foi inclu�da nos programas de combate � desertifica��o estadual (PAE/MG) ou nacional (PAN). A Copasa informou que det�m contrato de fornecimento de �gua para oito das 19 cidades do Noroeste de Minas e que esses munic�pios est�o inclu�dos no Programa �gua da Gente, que tem investimento total no estado de R$ 160 milh�es e ampliar� a distribui��o at� 2016.
“N�o tenho mais idade para buscar �gua com lata na cabe�a. No caminho sinto tonturas, fraqueza e at� deito no ch�o”
Juscelina de Souza, agricultora e moradora de Arinos

A �gua esverdeada e parada que empo�ou no fundo lamacento da nascente � o que sobrou para a fam�lia do pecuarista Ant�nio Marcos Pinto da Cunha, de 63 anos, dividir com o rebanho da fazenda em Arinos. As outras duas minas secaram, ainda em junho. “Se a chuva n�o vier at� o fim deste setembro, n�o sei de onde vamos tirar �gua”, disse. A mangueira usada para capta��o tem de ser reposicionada todas as vezes que o gado se aglomera nas margens e disputa espa�o para matar a sede.

Espigas em planta��es extensas, de perder de vista, definham nos p�s que n�o evolu�ram em Garapuava, distrito de Una�. Para os agr�nomos, a culpa � das d�cadas de desmatamentos, inc�ndios e eros�es, associadas � falta de chuvas e calor intenso. Os p�s de milho e de sorgo s� podem ser aproveitados como palhada para outra tentativa de plantio.
15% � o �ndice de umidade que algumas �reas do Noroeste atingem durante a seca. O patamar � compar�vel ao dos desertos, que � quatro vezes menor do que a m�dia considerada saud�vel pela ONU
V�deo - Veja imagens da seca: